quinta-feira, 12 de abril de 2012

O aeroporto, o velho o rapaz e o burro, e a opinião serôdia

Serôdio – que ocorre fora de tempo, extemporâneo, tardio; etimologicamente: aquele que vem tarde



Os mecanismos de formação da opinião seguem algumas leis que se deduziram para os movimentos moleculares.
Destaca-se o fenómeno da polarização ou da conglomeração em torno de núcleos, no domínio molecular, ou de ideias, no campo das opiniões.

A história do velho, do rapaz e do burro é uma ilustração sábia.
A ideia de que o velho está abusivamente a aproveitar a comodidade do burro e a sacrificar a nova geração agrega rapidamente o apoio dos observadores, que muitas vezes não têm ligação ao problema do transporte do velho e do rapaz, nem ao do meio de transporte, o burro, nem aos motivos da deslocação.
E a corrente de opinião forma-se, mesmo sem a ajuda de comentadores populares na televisão.
Mas também se agrega, a opinião, em torno da crítica ao rapaz em cima do burro enquanto o cansado velho vai a pé.

A história não pode ser perfeita, e deixa por tratar a essência do problema, que é a do direito à escolha de uma estratégia num contexto de ausência de um meio de transporte eficiente e económico.
O velho e o rapaz deveriam ter sido criticados por não terem sido capazes de inventar, no seu tempo, o motor de explosão ou o motor elétrico.

Mas esta também é uma opinião serôdia, isto é, que chega tarde.

Porém, é sempre bom discutir os processos históricos.
As formas de organização das estruturas, as estratégias e as táticas.
Quanto mais não seja para citar os episódios em congressos, seminários ou cursos de gestão e propor formas mais corretas de formar opiniões, de tomar decisões e de as executar.


Para corrigir e nunca, naturalmente, com fins justiceiros, que os tempos do pelourinho deviam ir longe.



No congresso da ADFERSIT de fins de Março de 2012 foi criada, como núcleo agregador de opiniões, a ideia dos 60 anos, como crítica, naturalmente serôdia, do metropolitano de Lisboa ter necessitado de 60 anos para chegar ao aeroporto.


Já foi referido neste blogue que no fim dos anos 70 foi perguntado às estruturas aeroportuárias se estavam interessadas em que o metro construísse uma estação em Calvanas, a meio caminho entre a estação de Alvalade e do Campo Grande, com eventual correspondência com a gare do aeroporto.
Longe estavam os tempos das “low-cost” e do terminal 2, mesmo do outro lado da avenida da 2ª circular, e então ninguém, da parte do aeroporto, se interessou.

Vieram depois uns fundos do FEDER na viragem do milénio, e quem decidia no metropolitano achou que a solução indicada seria o prolongamento da linha vermelha da estação Oriente até ao aeroporto, ainda que de forma efémera, uma vez que se falava num novo aeroporto internacional, considerando a saturação do aeroporto da Portela.
Surdos ficaram às propostas da construção em viaduto, ao longo da avenida de Berlim (evidentemente com tratamento acústico) e correspondência no parque de estacioinamento a poente da gare do Oriente, de forma semelhante à da ligação entre o Campo Grande e Odivelas, para minimizar o desnível entre o aeroporto e o cais da estação Oriente e assim economizar energia de tração (no pressuposto de queos decisores não optem por traçados que obriguem a estações profundas).



Por menos dinheiro do que o investido no túnel, fácil teria sido a construção do viaduto, quando ainda não tinha sido ocupado o espaço junto da gare do aeroporto com o túnel rodoviário que segue para a rotunda do relógio, e o prolongamento do viaduto parcialmente em túnel e em trincheira, até à estação do Campo Grande (parque de estacionamento a sudoeste da estação), utilizando material circulante mais ligeiro e barato.

Vale a pena analisar este caso para avaliar as formas de organização e os métodos de escolha de soluções.
Temos que a discussão das possíveis decisões estava sempre limitada a círculos muito restritos, no nível superior das empresas.




A formação técnica dos componentes destes círculos pode ser razoável, por exemplo, em engenharia civil, mas é normalmente muito limitada em termos de polivalencia transversal. O que é um condicionamento grave na planificação de redes de transporte urbanas, que requerem o concurso de muitas e variadas disciplinas .

Este nível mais elevado sofre da doença interpretativa dos resultados eleitorais e é normalmente constituído por pessoas nomeadas pelas suas ligações aos partidos políticos vencedores das eleições. Doença interpretativa porque o voto popular é interpretado como a delegação divina que Bossuet atribuia aos reis absolutos.
Acontece ainda que este nível superior chama também a si o monopólio da comunicação com o governo e o chamado ministério da tutela, nos quais não é de esperar a presença de técnicos especialistas de transportes.
No sentido contrário, a comunicação entre este nível e o corpo técnico padece de estrangulamentos graves através da subordinação a uma estrutura hierárquica rígida que acaba por separar o nível decisório do nível direto de conhecimento dos reais problemas e das soluções.



O fluxo de informação no sentido ascendente segue assim as vias hierárquicas, com o grande inconveniente da morosidade e da sobreposição de tempos de reação para estímulos diferentes. Mas no sentido descendente, a comunicação dos factos e circunstancias,principalmente daqueles que saem da rotina, depende das poucas pessoas de confiança que o nível superior da empresa mandatou; poucas para sua comodidade, naturalmente, e muitas vezes sem registo formal da circulação da informação. É um pouco a tentativa de domínio da empresa pela segregação da informação relevante, e é também o problema do coronel Dax no filme com Kirk Douglas sobre a primeira guerra mundial (o general ordena o disparo da artilharia sobre as tropas que recuam, mas o capitão pede a ordem por escrito, não vão as testemunhas morrer antes do fim da guerra).

Formalmente, o metropolitano confiava o planeamento e os projetos de construção civil a um gabinete de engenharia civil seu afiliado, complementada a engenharia civil com valências de baixa tensão e de eletromecânica.



Era nomeado um técnico que representava o dono da obra junto dos empreiteiros e comunicava com o nível superior da empresa por um lado, e, por outro, com os técnicos do gabinete afiliado e, através da estrutura hierárquica, com os técnicos do metropolitano das disciplinas de aplicação específica (via férrea, média tensão e energia de tração, aplicações de telecomunicações, sinalização de segurança ferroviária).
Não seria a organização nem a estrutura ideais, nem a forma de trabalho em equipa mais perfeita.
Apesar de não ser difícil, em empresas de elevada componente tecnológica, implementar métodos de deliberação coletiva, através de assembleias pluri-disciplinares com divisão em grupos de trabalho e recolha, sistematização e apresentação geral das conclusões.
Não terá sido ganho esse campeonato, mas daquilo a que assisti nos metropolitanos estrangeiros retirei a ideia de que não ficámos muito mal.

Não devo iludir-me, mas construir e pôr a funcionar uma rede de metropolitano, mesmo pequena como a nossa, é um conjunto de atividades complexo, com requisitos de segurança elevada, só possível com o trabalho de muitos.



Por isso choca-me a ligeireza das críticas serôdias e o justiceirismo (que se me perdoe o neologismo) que quer castigar os colegas que num ou noutro ponto erraram, e atenção que não estou a generalizar, quer por impossibilidade de controlar a furia de resultados económicos dos empreiteiros, quer por não terem contido a ânsia de glorificação para a posteridade de decisores ou de arquitetos.

A verdade é que, com mais ou menos atraso, os projetos circulavam internamente para verificação e aprovação, eram feitas propostas que eram mais ou menos discutidas em conjunto e que eram mais ou menos consideradas em revisões dos projetos.
Os projetos de arquitetura e de engenharia civil eram até verificados por gabinetes exteriores.



Tudo isto me deixa indignado quando vejo o primarismo, porque não se quer pensar com mais profundidade, das críticas aos técnicos do metro pelas “derrapagens” dos custos e dos prazos, especialmente quando razões externas condicionaram a evolução da obra, desde as burocracias dos detalhes das avaliações dos impactos ambientais, aos impecilhos jurídicos, das expropriações, às dificuldades geológicas dos terrenos onde fizeram os túneis (mais uma razão para se ter optado pelo viaduto…), até aos interesses imobiliários que movem de modo serôdio o traçado em planta ou em perfil de uma linha de metro em construção.

E também circulavam, os projetos, pelas entidades implicadas no futuro serviço de exploração.
Por exemplo, a empresa de exploração de aeroportos, a ANA, que aliás sempre foi envolvida no processo da obra, verificou em 2005 os projetos da estação do aeroporto e fez as suas sugestões que foram tidas em conta.
Pessoalmente, tenho pena de não ter sido considerada na altura a sugestão de técnicos do metropolitano de instalar tapetes rolantes, semelhantes aos que estão instalados na estação Cais Sodré, entre o átrio da estação Aeroporto e o átrio das chegadas do aeroporto, mas agora não vale a pena chover no molhado.

Eis por que me surpreendeu a crítica serôdia por mais um pequeno atraso da colocação em serviço do troço Oriente-Aeroporto, agora prevista para Julho de 2012, por ser necessário, à última hora, alterar umas instalações técnicas para criar espaço para duas escada mecânicas, entre o cais da estação aeroporto e o átrio intermédio, não previstas no projeto original.

No meio das visitas entretanto feitas às obras, alguém terá chamado a atenção para a inexistência de escadas mecânicas entre os cais e o átrio intermédio.

Embora existam elevadores do cais para o átrio das bilheteiras e deste para a superfície, foi considerado que numa estação junto do aeroporto deveriam existir escadas mecânicas ao longo de todo o desnível entre o cais do metro e o átrio de chagadas do aeroporto para facilitar o transporte de malas aos viajantes.

Efetivamente os técnicos do metro não sugeriram a instalação dessas escadas mecânicas. Segundo os normativos em vigor para a elaboração de projetos de estação (que existem, em permanente atualização, desde 1993), apenas é requerida a instalação de escadas mecânicas (a instalação de elevadores é requerida na construção de qualquer nova estação desde 1996) para além de um desnível de 11 metros (cerca de 60 degraus). Tenta-se assim minimizar os custos de manutenção e de consumo de energia devidos às escadas mecânicas (são conhecidos os casos de escadas mecânicas paradas ao longo da rede precisamente por razões de economia).

A proximidade do aeroporto, agora que ele permanecerá na Portela por mais uns anos, justificará eventualmente a instalação das duas escadas mecânicas pedidas, mas deixo registado que, na altura em que a sugestão poderia ser facilmente acolhida, os projetos circularam e da parte do aeroporto não veio a sugestão.

Poderíamos talvez concluir que os métodos de deliberação deveriam ser mais abertos e participativos, para não repetirmos motivos de discórdia.


Créditos:             http://www.aviacaoportugal.net/showthread.php?t=4888&page=6




Declaração de interesses: o humilde escriba deste blogue escreveu este post como testemunha dos factos referidos sem carater de generalização, ocorridos enquanto tinha a sua atividade na empresa; por isso as referencias às formas de organização e métodos de atuação só são aplicáveis até ao ano 2010 inclusivé, sem extensão forçosa à atualidade.

5 comentários: