sexta-feira, 25 de maio de 2012

Do Tua, em Trás os Montes, a Oerlikon, na Suiça








A MFO cerca de1930

vista do Google street antes do deslocamento


Oerlikon, antigo subúrbio ao norte de Zurique, entretanto integrado nesta cidade.
Desde o fim do século XIX a Brown Bovery aí produziu máquinas e equipamentos elétricos e construiu locomotivas elétricas.
Com o tempo foram-se reduzindo as instalações industriais e deslocalizando-as.
Da antiga MFO (machinenfabrikOerlikon) apenas ficou o edifício da direção, aquela construção esguia de 3 andares com 80 metros de comprimento e 12 de largura que se vê na foto de 1930 e na vista do Google Street junto dumas vias férreas “espremidas” por sua causa.

Longe de mim estar a incensar os suiços; que eles sim, sabem o que fazer, enquanto nós, por cá, vivemos em “apagada e vil tristeza”.
Detesto o provincianismo embasbacado de quem se deslumbra com o que “eles”, no estrangeiro, fazem.
“Eles” e nós são pessoas como todas as pessoas são. Apenas podem divergir nos métodos usados.
Com consequências importantes.

Chegou-se à conclusão , em Oerlikon, que era preciso “descomprimir” as vias férreas, alargá-las, para aumentar a capacidade dos canais ferroviários.
Imagino que a maioria dos colegas de engenharia civil que em Portugal fossem chamados a fazer o programa base e o projeto da obra escreveriam no parecer, com elevada probabilidade, que “a única” solução seria demolir o edifício para passarem as novas vias.
As entidades decisoras tomariam por intocável o parecer, perguntariam quanto custava e aprovariam, provavelmente com um preço irreal, abaixo do verdadeiro.
Mas em Oerlikon havia um problema, o edificio estava classificado como arqueologia industrial, fazia parte do património cultural.
E os colegas de engenharia civil arranjaram-se de modo a desenvolver um projeto de deslocamento de 60 metros para oeste do edifício.
Terão rejeitado a hipótese de desmontar o edificio possivelmente por já ser de betão armado, apesar de revestido de tijolos, à boa maneira germânica.
De modo que, como se pode ver nos vídeos, o edificio foi mesmo arrastado, a poder de macacos hidráulicos, os 60 metros necessários para dar passagem às novas vias.

Repito que não quero criticar as entidades decisoras portuguesas por comparação com as suiças.
Na Suíça existe dinheiro (algum dele de origem portuguesa, se a memória não me falha de quando li as notícias sobre as contas na Suíça do sobrinho de Isaltino de Morais, e de outros concidadãos patriotas) e por isso foi possível dispor de 10 milhões de euros para tirar o edificio do caminho em vez de o destruir.
Em Portugal seria mas difícil, 10 milhões de euros é o dobro do que custaria instalar elevadores para as pessoas de mobilidade reduzida entre a Rua Ivens e o mezanino da estação de metro Baixa Chiado.
É também o dobro do que custa a obra da ANA que decorre atualmente para ligação da entrada das “chegadas” do aeroporto da Portela ao átrio de bilheteiras da estação de metro.
E uma fração dos ordenados de um conjunto de jogadores portugueses de futebol.
Também é verdade que em Portugal se gastou dinheiro assim, quando a vertigem dos fundos europeus que afluíam ao país permitiu ao metropolitano de Lisboa pagar as obras de remodelação de toda a Praça da Figueira, do Rossio, das instalações da Suíça (a pastelaria), do Nicola, dos edifícios não ardidos da calçada do Carmo.
Ah, e também uma coisa parecida com este caso de Oerlikon – as fundações do edifício da estação da CP do Rossio estiveram escoradas enquanto se construía uma espécie de tambores que as reforçaram, de modo ao túnel do metro poder passar por baixo.
Foi uma obra interessantíssima, nada divulgada.
E obviamente impossível de quantificar na fase do lançamento do concurso.

É tão fácil virem depois os publicanos, como dizia o rabi galileu, verberar quem fez a obra; que tinha previsto 60 milhões de euros e gastou 300 milhões (custo das ligações Rossio-Cais Sodré e Restauradores- Baixa Chiado).

Pois, custa muito dinheiro viver numa capital europeia.
Critiquem os gastos, mas ao menos respeitem a qualidade técnica da obra.

Imagino o que diriam de mim se durante a obra de construção da estação de metro do Terreiro do Paço tivesse proposto o deslocamento para nascente do edificio da gare fluvial de sul e sueste, aquele monstrozinho modernista de Cotinelli Telmo, para longe o suficiente onde não ofendesse as linhas rigorosas e clássicas da praça (na realidade não propus isso; propus a sua desmontagem e reconstrução bem longe, e o avanço da frente ribeirinha sobre o rio).

Mas deixem-me explicar por que fiquei tão impressionado com o arrasto do edificio da MFO.
Foi porque me lembrei do Tua.
Numa altura em que a UNESCO lembrou ao governo a possível incompatibilidade com a classificação do Douro vinhateiro.
Mas o governo saberá demonstrar que a barragem já está fora dos limites (embora haja vinhas no vale do Tua), além de que a UNESCO está dominada por perigosos esquerdistas que não merecem os subsídios das economias florescentes e competitivas.

A história do Tua deixa-me triste.
É um exemplo da forma portuguesa de discutir os problemas e de impor soluções.
Até pode ser possível a convivência da barragem com o Douro vinhateiro, mas esqueceu-se que a principal questão era a falta de respeito pelo valor de arqueologia industrial da linha férrea (e o desaproveitamento do potencial turístico). Por exemplo, o viaduto e o túnel das presas, mesmo junto da foz do Tua, onde vai ancorar a barragem, era uma peça preciosa da engenharia do século XIX, já destruída pela barbárie dos decisores.
É também interessante recordar o escrito do atual senhor secretário de estado da cultura em 2010: “defender o ultimo comboio regional … é combater este país abjeto que destruiu a nossa paisagem, a nossa memória e a geografia do tempo” (como escreve bem, o senhor secretário de estado, embora de forma muito datada).

Publicou este humilde blogue uma análise de uma possível solução conciliatória, reduzindo o valor da energia produtivel por ano, reduzindo a extensão de linha a destruir, reduzindo a volumetria do armazenamento.
Em síntese, propunha o estudo da cota de 160m em vez da cota de 170, para que se está a construir.
Dum lado, a insensibilidade dos decisores (que advogariam a demolição “tout court” do edificio da MFO) que se recusaram a estudar a cota de 160m (liminarmente recusada muito antes da minha proposta).
Do outro lado , a inflexibilidade de parte do movimento ecologista, recusando concessões (por exemplo, aceitar a barragem a 6 km mais para montante da foz).
Ver:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2011/02/tua-tua.html

Enfim, os métodos portugueses de tomada de decisão continuam a ser:

- os decisores resolvem os seus programas com os projetistas em secretismo, começando a polarizar-se a solução em torno da opinião de quem detem o poder decisório, sem contestação;
- impõem as soluções sem colocar todas as hipóteses, algumas das quais poderiam ter menor impacto ambiental,
- fogem ao debate público aproveitando a pouca capacidade de organização da sociedade portuguesa em moldes de fundamentação científica.

Que pena, esta barbárie; mas não quero que se pense que estou a dizer que no estrangeiro é que se sabe analisar as questões, organizar os debates, pôr hipóteses e resolvê-las com fundamentação científica.



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