quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Ana,moldava


Ana, moldava, era uma das duas senhoras que tratavam da senhora doente minha vizinha.
A minha vizinha faleceu e Ana, moldava, ficou a tomar conta do meu vizinho, um senhor idoso que já não pode cuidar sozinho de si próprio.
Ana, moldava, ficou a olhar para os cachos das duas videiras que tenho no meu quintal.
Ficou encantada com os bagos a arredondarem e a tintarem.
Com o seu português cantado e distorcido no acentuar das vogais perguntou se podia apanhar um ou dois cachos, que lhe faziam lembrar as vinhas da sua terra.
Sim, sim, dissemos, a minha muher e eu, e leve, quando quiser, para o senhor doutor (o senhor doutor é o meu vizinho idoso).
As videiras têm este mistério.
Têm uma produtividade enorme.
Num pedacinho de terreno geram quilos e quilos de uvas.
Nem era nenhum favor que lhe fazíamos.
Ana, moldava, veio para Portugal com o marido, veterinário na Moldávia, depois de 10 anos na Turquia.
Ana, moldava, era enfermeira na sua terra.
Na Turquia fazia limpezas, e o marido trabalhou na construção civil.
Depois de 10 anos em Portugal, o marido teve de regressar à Moldávia por falta de trabalho.
Ana, moldava, cuida de idosos e doentes.
Conseguiram ganhar dinheiro na Turquia e em Portugal para construir uma moradia na sua terra.
Lá são olhados com respeito e inveja por terem uma moradia.
Mas o preço mais alto da moradia foi estarem separados da filha, que se casou há pouco tempo.
Ana moldava pensa continuar em Portugal.
Encontra com facildade roupa barata.
Vivendo em casa das pessoas de que cuida só tem de ter cuidado com as suas próprias despesas e assim continua a poupar.
Beneficia da obsessão europeia de conter o custo de vida, com o medo da inflação.
Ana moldava fala com uma voz cantada e alegre, mas o seu rosto está cansado e o seu corpo perdeu o viço da juventude.
Tem apenas 42 anos.
E numa pequena frase define a economia da Moldávia, integrada na antiga União Soviética: “Tínhamos muito dinheiro, mas não havia nada nas lojas para comprar.Agora há muito para comprar, mas não temos dinheiro.”
É verdade, recordo-me de ler um artigo de um economista que tinha visitado a União Soviética em 1981: "o sistema não é sustentável, porque nos grandes armazéns não há relógios japoneses (digitais) à venda."
E foi verdade, o sistema implodiu, apesar de sucessivos congressos do PCUS (partido comunista da união soviética) terem decretado sucessivas afetações de meios ao desenvolvimento da eletrónica e do software, e da industria soviética fabricar doses maciças de cópias do microprocessador 8085, que esteve na base da explosão dos circuitos integrados de microprocessamento nos anos oitenta.
Pena os economistas e financeiros que do alto dos BCE,  FMI e  Goldman Sachs, nos governam a todos, não quererem pôr as pessoas à frente dos números, para que não houvesse nem dinheiro e carência demais, nem pobreza e abundância de produtos.
Analogamente ao que diz o anuncio do sistema Íris da Zon, da linha que separa um mundo do outro, há uma linha que separa o rendimento do capital do rendimento do trabalho, há uma linha que separa a economia pública da economia privada.
Mas há ideologias cegas que põem os seus dogmas à frente, que acham que a realidade se deve adaptar a elas, em vez de gerir essas linhas, movendo-as para um lado ou para o outro, ao serviço das cidadãs e cidadãos como Ana, moldava, e o marido.



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