segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Pequeno conto kafkiano

O presidente do conselho de administração dirigiu-se para a estante dos discursos e agradeceu ao presidente da mesa da assembleia geral, que lhe dera a palavra.


A altura era má para a empresa e o presidente do conselho de administração trazia aquele semblante de preocupação mas, simultaneamente, de determinação e de crença mais nas convicções próprias do que nos dados da realidade.

Era acusado, nas conversas dos funcionários e dos acionistas da empresa, de apressar-se a negar o aumento do défice e do endividamento quando apenas tinha havido uma diminuição da despesa.

Aliás, o seu percurso académico nunca tinha denotado grande respeito pela análise dos dados reais fosse do que fosse, antes se tinha desenrolado na consolidação de dogmas ideológicos e no seguidismo de grandes homens de negócios.


Falou com voz solene.

- O importador germânico de referencia da nossa empresa, não o nosso maior importador, mas o de referencia, chamou-nos recentemente a atenção para um problema de falta de competitividade dos nossos copos.
Tenho um aqui à minha frente, na posição em que o importador referiu.
Reparem que não tem boca e, se o virarmos, verificamos que não tem fundo.
Não é possível assim competir com os produtores mundiais neste universo de globalização em que vivemos, com copos sem boca e sem fundo.

Um dos presentes, não acionista da empresa, mas apenas técnico de produção, ainda tentou justificar que a nota do importador germânico se referia à discrepância encontrada nas embalagens entre a seta do sentido vertical e a posição dos copos embalados, mas o presidente do conselho de administração imediatamente o mandou calar dizendo que estava ali com o voto dos acionistas para salvar a empresa.

Um pequeno acionista, sem direito a voto, apenas com o estatuto de observador, sugeriu que se desse mais atenção aos trabalhadores para que eles se sentissem mais envolvidos no destino da empresa e para que o sentido da embalagem dos copos coincidisse com o sentido da seta na caixa exterior, mas mais uma vez foi mandado calar.

A medida proposta pelo presidente do conselho de administração foi então , para castigar os trabalhadores que trocaram o sentido da seta, o de convidá-los a participar, com um aumento de 7%, nas despesas da empresa.

Ignoro o destino da empresa, mas consta que, apesar de tudo, continua a produzir copos independentemente do sentido das setas das embalagens.

Produz menos copos, mas produz.
Contra tudo…



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