segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Comentário a um artigo no Dinheiro vivo sobre as greves nos transportes públicos










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Comentário que enviei:


Exmo Senhor Prof. Ricardo Reis

Assunto: vosso artigo no dinheiro vivo sobre “greves nos transportes públicos”

Em primeiro lugar cumprimento-o pelo aspeto didático que confere aos seus artigos.
Em segundo lugar, a propósito do tema em assunto, manifesto igualmente a minha discordância sobre o tipo de greves que decorrem nos transportes públicos.
No entanto, gostaria de fazer algumas observações relativamente à argumentação que utilizou, seguindo as suas referencias, aplicadas ao caso do metropolitano de Lisboa.
1 – Prejuízos das empresas públicas de transportes – a taxa de cobertura dos gastos operacionais pelas receitas, da ordem de 60%, está em linha com os melhores resultados de  metropolitanos de referencia, conforme estudos comparativos do Imperial College de Londres, destacando-se o metro de Lisboa nos primeiros lugares em eficiencia energética. Relativamente à reivindicação de um “aumento da fatia” da riqueza produzida que apresenta como fundamentação das greves, cumpre dizer que as reivindicações dos trabalhadores têm sido fundamentalmente, não em aumentos, mas na manutenção do estabelecido nos acordos de contratação coletiva, na segurança laboral, no cumprimento dos contratos de reforma (oportunamente no artigo anterior esclareceu que existem constituições que garantem o estatuto de credores aos pensionistas), na oposição à política de privatizações/concessões (cumpre referir as experiencias desastrosas com privatizações parciais, no metro de Londres, por exemplo), na redestribuição equitativa do esforço contributivo entre os rendimentos do trabalho e do capital, até com propostas de reequilíbrio financeiro.
Os resultados operacionais obtidos provam que, se no momento atual são necessários aumentos de impostos, não foram os trabalhadores do metro os responsáveis por isso e seria nessa base que deveriam decorrer as negociações
2 -  Enormes recursos em investimentos – Plenamente de acordo, o metro não deve parar para não baixar a rentabilidade dos investimentos, para além de dever ser uma alternativa permanentemente disponível para quem não tem transporte próprio. No entanto, mais importante do que isso, devíamos debater publicamente o desperdício que representa não utilizar o metro em grau mais elevado da sua capacidade, isto é, poderiam circular mais comboios com intervalos mais curtos.  E isso não acontece porque, para além da diminuição da procura devida ao arrefecimento da economia, é estimulada a utilização do transporte individual através da permissividade do estacionamento urbano (em passeios, por exemplo) e da ausência de taxas de entrada no centro das cidades (não confundir com portagens de auto-estradas). Quanto ao “fardo da dívida pública”, convem mais uma vez lembrar que o serviço da dívida não deve fazer parte das contas da empresa que explora a rede de transportes, sendo efetivamente despesa pública em investimentos destinados a economizar nas deslocações por maior eficiencia energética do transporte ferroviário quando comparado com o transporte individual e menor dependência da importação de combustíveis fósseis por passageiro.km
3 – “não é verdade que a existência de transportes públicos diminua o tráfego” – Confesso que desconhecia a lei fundamental do tráfego e que me obrigou, o que agradeço, a consultar a internet. Quem me ensinou, já há muitos anos, ensinou-me a sua versão mais aplicável ao metro: que no diagrama diário de procura os picos da hora de ponta, cortados por se ter atingido o limite da capacidade, descomprimem assim que a capacidade oferecida aumentar (segundo a informação que recolhi, a lei pode exprimir-se desta forma: nas deslocações na hora de ponta nas áreas urbanas, o tráfego cresce até atingir a saturação da capacidade disponível). Quando escreve que “os investimentos em autocarros ou metros não têm quase efeito nos veículos.km percorridos numa zona metropolitana”  está a escrever uma evidencia em contextos de economias mais fortes e em crescimento, em que a procura de transporte, individual ou coletivo “descomprime” se a capacidade dos canais aumenta, contrariamente à nossa, em que o aumento da capacidade de transporte do metro não se traduz por aumento da procura (penso que não existem dados fiáveis que permitam afirmar, no nosso caso, que os veículoskm do transporte individual também baixaram, embora isso seja indiciado pelo decréscimo de consumo de combustíveis fósseis).
Ora, no atual momento crítico, essa afirmação pode sugerir que não vale a pena investir em transportes públicos porque as pessoas sempre preferirão o transporte individual. O problema está em que a situação atual é de desperdício energético devido ao menor rendimento do transporte automóvel quando comparado com o ferroviário. Estudos na internet sugerem que no caso da área metropolitana de Lisboa o desperdício anual por não se fazer uma transferência de 10% das deslocações em transporte individual para o ferroviário (estimando 10 mil milhões de passageiros.km anuais, sendo 60% em TI e 40% em TC e 10 km de viagem média) é da ordem de 15 milhões de euros em combustível importado (como se sabe, os comboios consomem energia elétrica que pode ser obtida de fontes eólicas, tão acusadas de terem sido instaladas em excesso, mas que poderiam ter nos comboios os consumidores de base). O que nos reconduz à lei fundamental do tráfego: as pessoas preferirão beneficiar da libertação das vias rápidas graças à expansão da rede ferroviária voltando a sobrecarregar as vias rápidas, se, e só se, não tiverem de pagar por voltar a elas. Como referido acima, a solução já experimentada em Londres, Estocolmo, Hong Kong, é taxar as entradas nos centros e fiscalizar com rigor os estacionamentos.
4 – aumento do tempo de viagem com a greve – evidentemente de acordo que as greves têm este custo, com a observação de que a duração longa da viagem em TI não deverá ser o único argumento (aliás contabilizável em função do salário médio/hora) para a escolha do modo de transporte em dias normais, uma vez que a eficiencia energética também é importante (mais um custo em dia de greve)
5 – “são as classes média e baixa que mais dependem dos transportes públicos … e provavelmente não terão carro disponível nos dias de greve” - evidentemente muita gente não tem condições materiais  para ter transporte próprio, outros por opção não têm, mas penso que aqui continuamos a não ter dados fiáveis por inexistência de investigação sociológica e dificuldade de aplicação de modelos de áreas metropolitanas estrangeiras. A politica de desertificação da cidade de Lisboa conduziu a que nos concelhos de Cascais, Sintra e Oeiras o nível de vida seja superior. As grandes empresas também não ajudaram deslocalizando-se para a periferia. Mas penso que é irrelevante apurar se as greves prejudicam mais os 150.000 automobilistas que entram diariamente em Lisboa e os 250.000 que a atravessam ou os que têm de procurar transporte alternativo. A situação revelada é que a urbanística da área metropolitana está  desestruturada, a precisar de uma politica integrada de transportes e de reurbanização.
Conclusão – “em troca destes custos sociais, o que ganharam os trabalhadores dos transportes públicos com todas estas greves, … quando os eleitores não culparão o governo mas antes os funcionários em greve pelos transtornos causados?” -  parece evidente que o governo pode aproveitar os transtornos para “virar” a população contra os trabalhadores em greve, mas a verdade é que nas entrevistas em dias de greve ouve-se cada vez mais utentes prejudicados manifestar a sua incomodidade mas também a compreensão pelas razões dos grevistas. No fundo, uma das principais razões das greves é a oposição à politica de privatizações /concessões e aqui há uma identidade entre grevistas e uma parte da população prejudicada que não se revê no memorando com a troika. As empresas  públicas podem dar prejuízo (para não falar nas que não davam e foram privatizadas) mas são dos contribuintes, e a sua privatização deveria ter sido sujeita a referendo, ou, no mínimo, à aprovação por 2/3 dos deputados. É o mesmo que vender uma empresa sem convocar a assembleia dos acionistas.
E no caso do metropolitano, considerando a experiencia alheia e a constatação de que não é possivel uma melhoria da gestão privada superior ao lucro desejado, parecerá que os trabalhadores têm razão (há anos, durante um contencioso, circularam autocarros de um grande grupo com um cartaz nas traseiras: “sem subsídios não há serviço público”).
Igualmente terão razão se considerarmos, por exemplo, que um maquinista do metro do nivel anterior ao mais elevado da carreira tem um vencimento base mensal um pouco inferior a 1400 euros (brutos). Com complementos recebe 2800 euros (brutos). Feitas as contas, são cerca de 28.000 euros líquidos por ano (incluindo os complementos) se não houvesse cortes e se recebesse os 14 salários.
É verdade que é mais do que a média. Mas é uma profissão de desgaste sujeita a rigorosos testes periódicos por razões de segurança (há casos de maquinistas reconvertidos com idade inferior a 30 anos). Por outro lado os seus profissionais têm de ser qualificados e é normal que o vencimento de um qualificado esteja acima da média e que garanta a exclusividade e a estabilidade laboral para evitar acidentes como o do Metro North em Nova Iorque.

Mas concordo, tendo em consideração os custos sociais e a vantagem de “marketing” para o governo, o tipo de greves a desenvolver deveria evitar os transtornos aos utentes.

Cumprimentos

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