quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

o laboratório de lasers intensos

                                                           o texto seguinte faz parte de umas memórias do metropolitano



Quando Carmo Alberico, administrador principal, recebeu o pedido do diretor do departamento de investigação ótica do IST, Instituto Superior Técnico, já Tânia Moleiro me tinha pedido para a acompanhar a uma reunião com um grupo de professores e investigadores, preocupados com o anuncio do inicio das obras da extensão da linha vermelha, da Alameda a S.Sebastião.
Pelas vias institucionais, o IST já nos tinha feito chegar um estudo da universidade complutense com a estimativa das perturbações eletromagneticas e de vibrações mecânicas devidas à passagem dos comboios a menos de 30 metros dos laboratórios de ressonância magnética nuclear, de metrologia do magnetismo, de ensaio dos microcircuitos, dos microscópios eletrónicos de transmissão e varrimento, do espetrómetro de massa de 600 MHz para líquidos,  dos líquidos criogénicos, e dos lasers intensos.
A grande taxa de variação da corrente de tração dos comboios e dos circuitos de retorno, podendo atingir 5.000 A em picos de 20 segundos na fase de recuperação,  induz campos eletromagnéticos variáveis que por sua vez induzem forças eletromotrizes que falseiam as medições de equipamentos laboratoriais.
O grupo recebeu-nos pouco amistosamente e com algumas intervenções pouco contidas, reivindicando indemnizações para deslocalização dos laboratórios.
Ficaram porém surpreendidos quando apresentámos cálculos e medições dos campos eletromagnéticos produzidos pela circulação dos comboios que já tínhamos realizado nas imediações do túnel em outros locais, igualmente por reclamações de moradores na vizinhança.
Confirmei-lhes que os campos eletromagnéticos podiam interferir a menos de 30 metros mas que a partir dessa distancia a solução mais correta seria blindar os gabinetes de ensaio com gaiolas de Faraday, pela razão simples de que a intensidade dos sinais perturbadores era da mesma ordem de grandeza das perturbações causadas por máquinas elétricas como motores de compressores de frigoríficos ou de emissores de radiotelefones.
Os valores medidos a 15 metros da circulação dos comboios eram de 0,05 mT (mili Tesla) para o campo magnético em DC e de 20 nT (nano Tesla) para 250 Hz.
Para o campo elétrico os valores eram de 12 V/m a 50 Hz e de 60 dB μV/m a 463 MHz, portanto valores suportáveis com a referida blindagem.
Quanto às vibrações mecânicas, informei que o nível que se poderia esperar do tipo de via férrea que iria ser instalada, com manta absorsora de elastómero, da ordem de 66 dB ou 0,1 mm/s de valor pico a pico, era inferior ao intervalo de tolerancia dos equipamentos laboratoriais.
Porém, o investigador dos lasers e o diretor do seu departamento não concordaram, acharam que as molas sobre que se apoiava o tabuleiro dos lasers, repleto de lentes, alvos  e percursos dos feixes concentrados emitidos pelas junções de semicondutores, não absorveriam as vibrações, além de que, por definição de ótica, eram perfeitamente insensíveis às interferencias eletromagnéticas.
Propus à administração do metropolitano uma comparticipação na blindagem dos aparelhos sensíveis às interferências eletromagnéticas e dei o meu parecer de que as vibrações mecânicas não justificavam nenhuma intervenção.
Alberico não deu andamento à proposta de comparticipação e tive de acalmar a investigadora da ressonância magnética que já tinha encomendado a blindagem.
Os outros investigadores resolveram a questão de uma forma mais prosaica, mudando os seus laboratórios para o outro lado do IST.
Todos, menos o laboratório dos lasers intensos.
Uns meses depois fui surpreendido pela assinatura de um protocolo, sem que nada me tivesse sido perguntado, entre a administração do metro e o IST, em que o metro pagava o projeto e a construção de um edifício para o laboratório de lasers no campus do IST de Oeiras até a um montante de 650.000 euros, esquecendo todos os outros.
Alberico, apesar de engenheiro, não se interessava muito pelos pormenores técnicos dos problemas, muito menos pelos valores admissíveis das interferências eletromagnéticas ou de vibrações mecânicas, preferindo deixar-se levar pela fé em caixas negras que não se sabe como funcionam, a apoiar os técnicos que tentavam estudar as questões em profundidade e a fundamentar o seu trabalho em dados resultantes de medições.
Felizmente para a contabilidade do metro, a inércia estrutural que nos atinge em demasiadas áreas impediu que o projeto do novo laboratório se realizasse, que não por causas imputáveis ao metro.
Por meu lado, consegui depois uma pequena verba para apoio da investigadora da ressonância magnética.
O laboratório de lasers lá continua, no mesmo local, numa cave na esquina da Sidónio Pais para a Alves Redol, insensível às trepidações dos camiões que descarregam as botijas de butano à superfície, e do metropolitano que passa, a 18 metros, no subterrâneo.


                                         

Sem comentários:

Enviar um comentário