Acidente em Pioltello, na linha Cremona-Milão
A justificação do transporte ferroviário não é apenas a sua
maior eficiência energética e menor emissão de gases com efeito de estufa por
passageiro.km transportado, para a gama
adequada de volume de tráfego.
É também a sua menor taxa de sinistralidade quamdo comparada
com a rodovia.
Por isso, a ocorrência de acidentes na ferrovia traduz-se
por uma ameaça ao desenvolvimento dum modo de transporte mais amigo do
ambiente, para além, naturalmente, de se lamentarem as vítimas.
Num dos dias da semana passada, à chegada do Alfa à estação
do Oriente, vindo do Porto, o revisor sentiu-se na obrigação de justificar o
atraso por ter sido “colhida uma pessoa” .
Para além do desagradável da informação, fica a ideia que a
operaora se está a desculpar. Eu preferiria que no dia seguinte os jornais
reportassem o caso, quanto mais não fosse para pressionar as entidades
incumbentes para melhorarem as condições de segurança na envolvente da via
férrea. Conhecido o efeito de sucção para as velocidades do Alfa, e a
promiscuidade entre os percursos pedonais e a via férrea, estamos perante um
problema gravissimo considerando a ausencia de soluções.
No dia seguinte, a notícia do atropelamento mortal pelo Alfa
na passagem de nível de Silvalde/Espinho,
de uma senhora que regressava das compras (a 140 km/h o Alfa avança
cerca de 40 metros por segundo, a travessia de uma passagem de nível por um
peão e a libertação do cone de sucção
pode demorar 10 segundos, ou 400 m para o Alfa).
E no outro dia, a notícia do acidente em Pioltello, perto de
Milão.
Juntei alguma documentação sobre o acidente, e recordo que
provavelmente a causa do descarrilamento foi, não uma interação deficiente com
um aparelho de via, mas antes a fratura de um carril numa junta com eclisse.
Normalmente os carris são soldados, mas pode haver casos em
que se monta uma junta com eclisses, apertando as extremidades dos carris com
uma eclisse e 4 pernos com rosca. Para assegurar a continuidade dos circuitos
de via e da corrente de tração usam-se cabos (“bardets”) soldados ou
aparafusados à alma dos carris.
Junto a foto explicativa, mostrando a parte da cabeça do
carril que partiu (cerca de 20 cm).
video da estação antes do descarrilamento; a 3a carruagem já está descarrilada e provoca faíscas roçando o cais |
zona do descarrilamento final |
vista aérea do comboio sinistrado; duas carruagens à frente (a da frente pilota a locomotiva que está na retaguarda) |
No caso de Pioltello, os carris estavam para ser
substituidos, encontrando-se o novo carril depositado ao lado da via. As normas
dizem que os carris devem ser substituidos depois de se atingir 200 e 400
milhões (dependendo do peso unitário do carril) de toneladas de comboios
passando por cima, contando com 13 a 22 toneladas por eixo. Mas há um fator que
enfraquece o carril : a soldadura dos terminais dos cabos pelo aquecimento requerido. Por isso devia ser
mandatório que essa ligação só se faça por furação e casquilho de aperto.
Tivemos no metropolitano de Lisboa uma fratura semelhante,
durante as obras de remodelação da zona entre S.Sebastião I e a Praça de
Espanha.
Quando visitei a obra, reparei que as esferas e restos de
solda ao pé dos cabos soldados revelavam inexperiencia do soldador. Mas
limitei-me a chamar a atenção do empreiteiro. Pouco depois deu-se a fratura do
carril junto da eclisse. O maquinista comunicou que tinha sentido uma vibração
estranha e o assunto foi imediatamente resolvido e inspecionadas as zonas com
montagens semelhantes. Mas podiamos ter tido um descarrilamento e um acidente
grave e eu sentir-me-ia responsável. Mostrei as fotos aos meus colegas dos
outros metropolitanos e todos concordámos que não se devem fazer soldaduras
deste tipo (a soldadura aluminotérmica e a soldadura eletrotérmica dos topos
dos carris são de outra natureza).
No caso de Pioltello devemos tirar as seguintes conclusões:
1 – nunca soldar os terminais das bardets, antes recorrer a furações na
alma dos carris e casquilhos de aperto
2 – nunca aumentar os períodos de substituição de carris em função da
tonelagem
3 – assegurar as rotinas de inspeção da via, nomeadamente com
ultrassons
4 – nunca impulsionar o comboio, traccioná-lo sempre (o comboio acidentado
levava a locomotiva atrás, tal como no acidente do Metro North em Nova York
numa curva)
5 – estudar o afastamento de obstáculos como postes ou pilares do
contorno (gabari) do comboio
6 – estudar a instalação de contracarris carriladores antes de
obstáculos adjacentes à via
7 – estudar a hipótese de detetores de integridade da composição
associada à deteção de perda de contacto roda-carril nas carruagens com emissão
de ordem automática de travagem
8 – estudar a hipótese de detetores de lanças de agulhas forçadas com
emissão de ordem automática de travagem
Documentação italiana sobre o acidente:
https://www.adnkronos.com/2019/10/30/incidente-pioltello-video-ricostruisce-deragliamento-treno-viaggiava_uBPi3lIgFgRPWZxswRmZYK.html?refresh_ce
https://www.adnkronos.com/2019/10/30/incidente-pioltello-video-ricostruisce-deragliamento-treno-viaggiava_uBPi3lIgFgRPWZxswRmZYK.html?refresh_ce
http://www.ilgiorno.it/milano/cronaca/treno-deragliato-1.3686817
http://www.ilgiorno.it/milano/cronaca/treno-deragliato-1.3688692
https://www.ilfattoquotidiano.it/2018/01/26/incidente-ferroviario-di-pioltello-bullone-mancante-e-tipologia-di-manutenzione-svolta-al-vaglio-degli-investigatori/4117690/
http://www.ilgiorno.it/milano/cronaca/treno-deragliato-1.3688692
https://www.ilfattoquotidiano.it/2018/01/26/incidente-ferroviario-di-pioltello-bullone-mancante-e-tipologia-di-manutenzione-svolta-al-vaglio-degli-investigatori/4117690/
http://www.ilsecoloxix.it/p/multimedia/italia/2018/01/25/ACxjVZb-provocando_incidente_ceduto.shtml#1
Análise do acidente de Bretigny, também com origem numa eclisse:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/07/o-descarrilamento-de-bretigny.html
PS em 31 de janeiro - junto a foto de uma eclisse entretanto eliminada pela instalação de via nova com carris soldados e travessas de betão bibloco em Alfarelos. Era grande a vibração e o ruido à passagem de comboios com risco de corte dos pernos de fixação. Nota-se tambem a indevida soldadura dos cabos de continuidade. Ainda bem que foi eliminado este ponto crítico. Mantem-se a proximidade de elevado risco entre caminhos pedonais e a via férrea.
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/07/o-descarrilamento-de-bretigny.html
PS em 31 de janeiro - junto a foto de uma eclisse entretanto eliminada pela instalação de via nova com carris soldados e travessas de betão bibloco em Alfarelos. Era grande a vibração e o ruido à passagem de comboios com risco de corte dos pernos de fixação. Nota-se tambem a indevida soldadura dos cabos de continuidade. Ainda bem que foi eliminado este ponto crítico. Mantem-se a proximidade de elevado risco entre caminhos pedonais e a via férrea.
Sem comentários:
Enviar um comentário