domingo, 28 de janeiro de 2018

Acidente em Pioltello, perto de Milão

Acidente em Pioltello, na linha Cremona-Milão
A justificação do transporte ferroviário não é apenas a sua maior eficiência energética e menor emissão de gases com efeito de estufa por passageiro.km transportado, para a gama  adequada de volume de tráfego.
É também a sua menor taxa de sinistralidade quamdo comparada com a rodovia.
Por isso, a ocorrência de acidentes na ferrovia traduz-se por uma ameaça ao desenvolvimento dum modo de transporte mais amigo do ambiente, para além, naturalmente, de se lamentarem as vítimas.
Num dos dias da semana passada, à chegada do Alfa à estação do Oriente, vindo do Porto, o revisor sentiu-se na obrigação de justificar o atraso por ter sido “colhida uma pessoa” .
Para além do desagradável da informação, fica a ideia que a operaora se está a desculpar. Eu preferiria que no dia seguinte os jornais reportassem o caso, quanto mais não fosse para pressionar as entidades incumbentes para melhorarem as condições de segurança na envolvente da via férrea. Conhecido o efeito de sucção para as velocidades do Alfa, e a promiscuidade entre os percursos pedonais e a via férrea, estamos perante um problema gravissimo considerando a ausencia de soluções.
No dia seguinte, a notícia do atropelamento mortal pelo Alfa na passagem de nível de Silvalde/Espinho,  de uma senhora que regressava das compras (a 140 km/h o Alfa avança cerca de 40 metros por segundo, a travessia de uma passagem de nível por um peão e a libertação do cone de sucção  pode demorar 10 segundos, ou 400 m para o Alfa).
E no outro dia, a notícia do acidente em Pioltello, perto de Milão.
Juntei alguma documentação sobre o acidente, e recordo que provavelmente a causa do descarrilamento foi, não uma interação deficiente com um aparelho de via, mas antes a fratura de um carril numa junta com eclisse.
Normalmente os carris são soldados, mas pode haver casos em que se monta uma junta com eclisses, apertando as extremidades dos carris com uma eclisse e 4 pernos com rosca. Para assegurar a continuidade dos circuitos de via e da corrente de tração usam-se cabos (“bardets”) soldados ou aparafusados à alma dos carris.
Junto a foto explicativa, mostrando a parte da cabeça do carril que partiu (cerca de 20 cm).


Fratura do carril junto da eclisse. Provável enfraquecimento por soldadura das bardets. O movimento fazia-se da esquerda para a direita. Provavelmente o rodado traseiro da 3ª carruagem saltou dos carris para o lado esquerdo da via em consequencia da falta da cabeça do carril. A falta do perno deve-se provavelmente à sua rotura ao corte devido ao excesso de vibrações por falta de apoio da base dos carris. Este defeito deteta-se também pelo barulho à passagem dos rodados. Este ponto encontra-se a cerca de 2,3 km do local do descarrilamento final

video da estação antes do descarrilamento; a 3a carruagem já está descarrilada e provoca faíscas roçando o cais

imagem do troço percorrido  desde o carril fraturado com a 3a carruagem já descarrilada antes de ficar sem o bogie traseiro e a sua retaguarda  ter sido impulsionada para a esquerda embatendo num poste da alimentação elétrica

zona do descarrilamento final

vista aérea do comboio sinistrado; duas carruagens à frente (a da frente pilota a locomotiva que está na retaguarda)

3 carruagens e a locomotiva na retaguarda; a 3a carruagem é a que está dobrada de encontro a um poste, depois de perder o bogie traseiro que se vê junto da locomotiva; a retaguarda da 3a carruagem foi impulsionada para a esquerda depois de percorrer quase 2 km descarrilada




No caso de Pioltello, os carris estavam para ser substituidos, encontrando-se o novo carril depositado ao lado da via. As normas dizem que os carris devem ser substituidos depois de se atingir 200 e 400 milhões (dependendo do peso unitário do carril) de toneladas de comboios passando por cima, contando com 13 a 22 toneladas por eixo. Mas há um fator que enfraquece o carril : a soldadura dos terminais dos cabos pelo  aquecimento requerido. Por isso devia ser mandatório que essa ligação só se faça por furação e casquilho de aperto.
Tivemos no metropolitano de Lisboa uma fratura semelhante, durante as obras de remodelação da zona entre S.Sebastião I e a Praça de Espanha.
Quando visitei a obra, reparei que as esferas e restos de solda ao pé dos cabos soldados revelavam inexperiencia do soldador. Mas limitei-me a chamar a atenção do empreiteiro. Pouco depois deu-se a fratura do carril junto da eclisse. O maquinista comunicou que tinha sentido uma vibração estranha e o assunto foi imediatamente resolvido e inspecionadas as zonas com montagens semelhantes. Mas podiamos ter tido um descarrilamento e um acidente grave e eu sentir-me-ia responsável. Mostrei as fotos aos meus colegas dos outros metropolitanos e todos concordámos que não se devem fazer soldaduras deste tipo (a soldadura aluminotérmica e a soldadura eletrotérmica dos topos dos carris são de outra natureza).
No caso de Pioltello devemos tirar as seguintes conclusões:
1 – nunca soldar os terminais das bardets, antes recorrer a furações na alma dos carris e casquilhos de aperto
2 – nunca aumentar os períodos de substituição de carris em função da tonelagem
3 – assegurar as rotinas de inspeção da via, nomeadamente com ultrassons
4 – nunca impulsionar o comboio, traccioná-lo sempre (o comboio acidentado levava a locomotiva atrás, tal como no acidente do Metro North em Nova York numa curva)
5 – estudar o afastamento de obstáculos como postes ou pilares do contorno (gabari) do comboio
6 – estudar a instalação de contracarris carriladores antes de obstáculos adjacentes à via
7 – estudar a hipótese de detetores de integridade da composição associada à deteção de perda de contacto roda-carril nas carruagens com emissão de ordem automática de travagem
8 – estudar a hipótese de detetores de lanças de agulhas forçadas com emissão de ordem automática de travagem





Análise do acidente de Bretigny, também com origem numa eclisse:

http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/07/o-descarrilamento-de-bretigny.html

PS em 31 de janeiro - junto a foto de uma eclisse entretanto eliminada pela instalação de via nova com carris soldados e travessas de betão bibloco em Alfarelos. Era grande a vibração e o ruido à passagem de comboios com risco de corte dos pernos de fixação. Nota-se tambem a indevida soldadura dos cabos de continuidade. Ainda bem que foi eliminado este ponto crítico. Mantem-se a proximidade de elevado risco entre caminhos pedonais e a via férrea.


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