domingo, 27 de maio de 2018

Metro do Mondego VI

https://youtu.be/a72rZ8QKGdo

Senhor Diretor

Primeiro que tudo, felicitações pelas excelentes “Opinião da semana” que tem produzido. Igualmente congratulações pelo excelente tratamento dado à questão da expansão do metropolitano de Lisboa (intimamente ligada à questão da linha de Cascais, temendo-se más soluções para ambas).
Porém, reportando-me à sua intervenção sobre o BRT do Mondego, devo por um lado elogiá-lo pelo entusiasmo, pela confiança e pela preocupação pelo bem servir da população envolvida que demonstrou. Mas por outro, infelizmente, não posso acompanhá-lo na confiança que mostrou na solução BRT.
Isto é, estou a fazer de velho do Restelo, embora uma dúvida que me acompanha desde que estudei os Lusíadas no antigo 5º ano seja como de outra forma poderia Camões expressar a sua crítica aos decisores da tragédia marítima de todo um país sem que lhe cortassem a tença ou outra coisa indispensável?
Da sua exposição parece resultar que a opção por um modo LRT será uma questão de fé. Também não posso concordar. Os comboios e os veículos de guiamento por carris não existem por força de convicção. Resultaram do método científico, experimentação, medição, teste, contra-experimentação, referendo. Isto é, da análise e ensaio de dados. E o dado central aqui é a energia específica, por passageiro.km ou por tonelada-km de mercadorias que um modo ou outro consomem para o transporte. Para um domínio de volume de passageiros a transportar em que se insere o requerido  (por mim, de forma pessimista, parto de um valor à volta de 400 passageiros por hora e sentido entre Serpins e Ceira, embora veja no estudo da Engimind o valor de 900), o que determina a maior eficiência do LRT relativamente ao BRT é o menor atrito da roda de ferro com o carril de ferro quando comparado com o atrito  da roda de borracha com o asfalto - menos energia para o arranque e para manter o movimento, mais energia recuperada na travagem com regeneração.
Contas minhas, falíveis como todas as contas, e ainda mais por serem minhas, dão-me em igualdade de circunstancias para o consumo no veículo cerca de 61Wh/pass.km no LRT e 73 no autocarro elétrico (considerando a energia primária necessária, para um país com elevado peso de renováveis e atendendo ao rendimento de carga das baterias, 155 Wh/pass-km para o LRT e 216 Wh/pass-km para o autocarro elétrico).
Por isso, vamos dizer, por formação ou deformação profissional, reconhecendo que fico aqui bloqueado neste fator consumo específico, mas por razões técnicas, não de fé, não posso mesmo acompanhá-lo nem aos entusiastas que saúdam a solução inovadora do BRT.
Deixe-me ainda recordar os fatores mais favoráveis e os mais desfavoráveis no estudo comparado da Siemens:
Mais favoráveis ao LRT : capacidade-conforto-emissões-consumo-longevidade
Mais desfavoráveis: expansão (contudo, dada a sua maior capacidade, a necessidade de uma expansão surge mais tarde) – custos
Isto é, se privilegiamos a população, não podemos escolher a solução menos confortável… estamos a escolher a solução mais económica (só os ricos podem andar mais confortáveis, perdoe-se-me a deriva panfletária).
Mas confesso, a engenharia não é uma ciência exata, e como tal não vou fazer finca pé como faço com a expansão do metro. Não vou dizer que a solução BRT não vai funcionar (no pressuposto de que foi feita uma análise de riscos de acidentes no traçado sinuoso e acidentado, isto é, que os sistemas de guiamento e de proteção são redundantes e pelo menos um deles é uma barreira física resistente, porque se essa análise não foi feita estamos perante uma falha da engenharia encarregada do processo). Não vou dizer que vai ser um novo SATU. Limito-me a dar o parecer que não recomendo por razões energéticas e operacionais.
Finalmente, um apelo. Assim como pediu a divulgação dos estudos que suportam a decisão pela linha circular, assim sugiro que peça a divulgação do estudo do LNEC que serve de suporte à decisão do governo pelo BRT. O referendo é um componente essencial do método científico,  a menos que vivamos em regime escolástico do magíster dixit , ou simplesmente autoritário do “eu é que sou o decisor, eu é que sei”, ou apenas nos movimentemos pela emoção e pela fé, que de facto, se move montanhas, também moverá o traçado acidentado de Ceira para Serpins.
Junto uns links, caso tenha a paciencia de os ver.



Os melhores cumprimentos e votos de continuação dos sucessos da Transportes em revista

PS em 29 de maio . Sr Diretor, fico grato por me ter respondido por outro meio, reafirmando a posição de defesa da solução BRT por estar ao alcance da nossa bolsa e por o estudo da solução BRT prever um defice de 10 milhões de euros anuais. Ou um defice por passageiro entre 1 e 3 €, deduzo eu, embora reafirme o meu desejo que os estudos que afirmam isso e os que calculam que o defice operacional da solução BRT eletrico/baterias será de 0,5 milhões de euros deveriam ser disponibilizados aos cidadãos.
Como afirmei, não vou fazer finca pé, apenas registo a minha falta de confiança e o meu parecer negativo. Mas gosto de trocar impressões, e se estiver enganado, lá terei de reconhecer o erro, assim viva o suficiente para ver os resultados e as estatísticas da operação, manutenção e execução financeira. No entanto, gostaria de chamar a atenção para que dos 100 milhões gastos muito será aproveitado pelo BRT, diminuindo o diferencial. Igualmente  devemos considerar os gastos na adaptação dos viadutos e as  vultuosas verbas gastas na rodoviária da Lousã, incluindo a A13, que são um estímulo ao desperdício em combustíveis fósseis. Dir-se-á que os 100 milhões de euros não foram rentabilizados e foram desperdiçados face aos gastos com a  frota do transporte individual (cujas importações reduziram o PIB do ano emque foram feitas) e com a infraestrutura rodoviária. E esses valores, mais o desperdício energético devido aos combustíveis fósseis em rodoviasa,  deviam ser contabilizados no cálculo do "value for money" ou dos "custos-benefícios". 
Aliás, não vou contabilizar, porque embora não pareça, não gosto de falar sózinho, o atentado que é, do ponto de vista da arqueologia industrial (eu sei que a maioria das pessoas ainda não considera que uma solução tecnológica do século XIX, como o viaduto das Presas demolido nas obras do Tua, por exemplo, ou a ponte D.Maria no Porto, tem valor museológico), mexer nos viadutos da linha da Lousã (além de ser exigível um rigoroso escrutínio às condições de segurança dessa adaptação). Mas estou de acordo, o custo de um LRT na linha da Lousã por habitante será extremamente elevado, mais do que no caso de  Cascais (que também corre o risco de soçobrar ao canto da sereia do BRT na A5), por isso não faço finca pé, embora recorde sempre que o custo em energia do passageiro-km vai ficar mais caro.
Diz-me ainda que a solução BRT é inovadora. Tem razão, é inovadora, tal como a solução ferroviária, pesada ou LRT, também vai beneficiando do progresso tecnológico. Quando comecei a trabalhar no metro, apenas havia notícia de uma rede em que era utilizado um trator para reboque de composições avariadas ou em manutenção, movido com baterias. De chumbo... Nos tempos que correm, já é possível eliminar em redes suburbanas médias, os custos das catenárias e de toda a alimentação de tração (não sei se os decisores da linha de Cascais, ou do seu BRT, estarão a ler isto). Já há material circulante ferroviário suburbano equipado com baterias de 5 toneladas de lítio-ferro, o que dá cerca de 1000 kWh ou 700 kWh úteis, ou autonomia de 80 km para uma composição de  4 motoras e reboques. Dava para uma ida e volta, ou duas se a composição fosse de uma motora e um reboque. Se vou propor? não, não vou, ainda está numa fase experimental, tal como o BRT será, dadas as caraterísticas do percurso, uma fase experimental, mais uma razão para não subscrever a proposta. Proporia sim a tração por hidrogénio, mas os bem pensantes e os decisores não querem uma rede de produção descentralizada de hidrogénio a partir de geradores de energias renováveis, a uns estragavam-lhes os protestos contra o excesso de produção intermitente (até contra as fotovoltaicas, de custo de instalação de menos de 1 € por W protestam, dificultando a ligação das centrais à rede da REN ...) e aos outros ameaçavam a coleta fiscal sobre o consumo de combustíveis fósseis e naturalmente, as  famigeradas rendas. E quando os bem pensantes e os decisores não querem, nada feito.

Voltando à linha da Lousã, volto a chamar a atenção para a necessidade, num percurso acidentado como o da Lousã, de um guiamento redundante. Por razões de segurança não posso concordar com a poupança na redundancia ou nas guardas de proteção (no LRT era mais fácil, contracarril...). A administração da operadora pode assumir o risco, mas tem o parecer negativo dos técnicos, assume-o sozinha.

Por falar em finca pé, outra coisa em que faço finca pé é na questáo da interoperabilidade ferroviária no corredor Atlantico, por discordar da politica imobilista e aproveitadora da bitola ibérica da IP. Um dia destes envio-lhe uns textos. Gostaria de ver o assunto tratado na Transportes em Revista.

Um abraço, ferroviário

2 comentários:

  1. A Transportes em Revista promoveu um debate sobre o Metro do Mondego, patrocinado e onde a maior parte dos oradores faziam parte de empresas interessadas no BRT. A CP nem foi convidada a estar presente.

    Faz parte do grupo de pressão que quer afastar o comboio (explorado pela CP) para instalar um sistema experimentar com autocarros eléctricos. No fundo querem fazer o desenvolvimento de um novo produto com dinheiros do Estado.

    Infelizmente quem o Governo, apesar de se dizer de esquerda, vai na conversa e vai escolher o BRT. Ainda vamos ver algum ex-governante a gerir a empresa.

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