Para entender o debate na
Assembleia da República sobre o metropolitano
em 5 de julho de 2019
Num momento em que está agendado
um debate na Assembleia da Republica para debater o plano de expansão de
metropolitano de Lisboa e em que se aguarda a entrega das propostas para a
construção dos toscos do túnel entre a estação Rato e Cais do Sodré, tentarei
sintetizar as principais razões por que deveria suspender-se este processo e
iniciar um debate aberto e informado, com a participação do CSOP – Conselho
Superior das Obras Públicas, LNEC, Ordem dos Engenheiros, universidades,
instituições e particulares, tendente a, em tempo útil, elaborar um novo plano
de expansão e um calendário de execução. Imediatamente depois deverá
proceder-se à elaboração dos anteprojetos das novas extensões em condições de
obtenção de financiamento comunitário nos quadros de apoio.
1 – O que tencionam fazer o
Governo e o metropolitano?
Criar uma linha circular a partir
da linha verde e da linha amarela, unindo-as no Campo Grande e fechando o anel
ligando a estação Rato ao Cais do Sodré. A linha de Odivelas será ligada à
estação de Telheiras
2 – Então quem vem de Odivelas
e quer ir para o Saldanha vai ter de mudar no Campo Grande?
Sim, é o que está previsto no
caderno de encargos do concurso. O governo e a câmara de Odivelas ainda vieram
dizer que a linha de Odivelas podia “partilhar” a operação da linha circular.
Isso é possível, mas como demonstra o caso da Circle Line de Londres, é gerador
de constantes atrasos e dificuldades de regulação, além de aumentar o intervalo
entre comboios para além dos 3 minutos anunciados. Não admira assim a reação
espontânea de uma senhora passageira ao ser informada, numa ação contra este
projeto à saída da estação Odivelas: “Mas estão
*…”
3 – Como justificam o governo e o
metro a linha circular e a linha Odivelas-Telheiras?
Repetem
os resultados de um estudo que nunca foi divulgado que diz que a linha circular
vai atrair mais passageiros do que o prolongamento de S.Sebastião para Campo de
Ourique, porque a maioria dos passageiros da linha de Cascais e dos barcos que
chegam ao Cais do Sodré destinam-se à zona de serviços da Avenida da República.
Desvalorizam assim várias circunstâncias:
3.1 – as
entradas e saídas de passageiros nas estações entre Odivelas e Quinta das
Conchas atingem cerca de 18 milhões por ano, enquanto na estação do Cais do
Sodré são cerca de 16 milhões
3.2 – o
acréscimo previsto devido à atratividade da linha circular é da ordem de
grandeza que o metro tem vindo a ter anualmente, sem quaisquer obras e com as
limitações operacionais conhecidas
3.3 – se
o critério de comparação é o serviço da zona da Avenida da República em
intenção dos passageiros da linha de Cascais, então a comparação correta
deveria ter sido com o prolongamento a Alcântara Mar que encurtaria o tempo de
viagem
3.4 – a
operação de uma linha circular tem graves condicionamentos, como mostra a
transformação da Circle Line de Londres, de circular para espiral ou laço, em
2009, precisamente no mesmo ano em que foi apresentado o plano de expansão do
metro que incluía a linha circular. Como dizem os ingleses, “continuous
circulating compounds delays,
terminating trains absorb delays”. Ou como diriam os portugueses parafraseando
Ronaldo (no campeonato da África do Sul: “Carlos, assim não ganhamos o jogo”)
“Assim não servimos os passageiros da área metropolitana”
4 – Como
reagem o governo e o metropolitano às críticas?
Não as aceitam.
Desvalorizam imediatamente qualquer argumento técnico contra. Nem atenderam os
pareceres negativos da maioria dos seus técnicos. Provavelmente sentir-se-ão inseguros e a negação será uma
forma de reforçar a coesão de grupo.
Nem
sequer aceitam a sugestão de evitar a obra cara e complexa dos viadutos de
Campo Grande e fazer a linha em laço Odivelas-Rato-Cais do Sodré-Campo
Grande-Telheiras.
5 – Como
chegámos aqui?
A linha
circular fazia parte do plano de expansão apresentado pelo XVII governo nas
vésperas das eleições de 2009 . O plano foi aprovado pelas câmaras municipais
da área metropolitana porque previa ligações às áreas periféricas. Não foi
porém sujeito a consulta pública nem era compatível com o PROTAML de 2002, o
qual previa explicitamente o prolongamento do metro a Alcântara e a criação de
uma grande circular externa em metro de superfície (LRT) Algés-Loures-Sacavém.
A
atribuição de prioridade à linha circular desprezando as outras medidas foi uma
decisão interna do metropolitano, igualmente não sujeita a consulta pública.
Em fins
de 2016 o XXI governo entendeu retomar o plano de 2009 retendo apenas a linha
circular, e apesar de várias manifestações públicas com argumentações técnicas
contrárias, permaneceu até hoje inamovível na sua opção, com o apoio da câmara
municipal de Lisboa
6 – Mas
não foi feito um estudo de impacto ambiental que teve parecer favorável?
Sim,
foi. Mas é o próprio EIA que explicitamente diz que o que estudou foi a linha
circular, sem considerar qualquer outra opção. Isto é, sujeitou-se a consulta
popular um projeto que resultou de uma decisão que não foi sujeita a consulta
popular, e os validadores do EIA dizem que nada têm a haver com outras opções.
Mais reconhece a APA, ao validar o EIA, que os fatores relevantes para emissão
do parecer favorável não incluíram as razões técnicas de operação e de
manutenção de redes de metropolitano. Por outras palavras, os consumos e custos
adicionais de energia, de operação e de manutenção não foram considerados
relevantes na apreciação pela APA.
7 -
Serão evidentes os inconvenientes da linha circular quando entrar ao serviço?
O que
será mais sensível para os passageiros, apesar da melhoria que advirá de termos
mais comboios e um sistema de sinalização de maior rendimento (CBTC de cantão
móvel), e que também seria patente se se mantivessem as linhas independentes, é
que, atualmente, se ocorrer uma avaria ou perturbação na linha amarela, a
probabilidade de ocorrer outra na linha verde é pequena. No caso da linha
circular, qualquer ocorrência num troço da anterior linha amarela refletir-se-á
em toda a linha circular, portanto no troço da anterior linha verde.
Existe
outro inconveniente menos sensível, é que o km de construção, dada a
complexidade técnica da obra, vai ficar mais de 50% mais caro do que a
construção em terrenos normais. Os 210 milhões de euros já autorizados pelo XXI
governo, incluindo material circulante e CBTC, são manifestamente
insuficientes.
8 - Que
complexidade é essa?
Trata-se
de aspetos técnicos de construção já identificados no EIA e portanto não é caso
para alarmismos, mas é exigível uma monitorização da obra todo o ano, 24 horas
por dia, sábados, domingos e feriados incluídos e estado de prontidão para
equipas de injeção de cimento e pregagens para estabilização de solos.
No caso
do troço da av.24 de julho, o terreno é de aluvião e de aterro e a construção
será a céu aberto, com os inconvenientes para o transito evidentes, mas já
existe experiência deste tipo de trabalhos como na construção da estação de
Cais do Sodré.
No caso
da colina da Estrela e na zona adjacente à av.D.Carlos I, o risco é encontrar
bolsas de água ou de terreno pouco consistente que possam originar
deslizamentos de solos que afetem habitações ou o ISEG. Por isso são
necessárias garantias de que a referida monitorização será assegurada.
No caso
dos viadutos de Campo Grande, em que se prevê a ligação aos existentes de dois
novos viadutos, trata-se de uma agressão arquitetónica, em que por razões de
técnica de via férrea será necessário deslocar o cais da estação de Campo
Grande para nascente e garantir uma monitorização dos tabuleiros préesforçados
mais frequente do que o habitual durante e após a obra , situações pouco
recomendáveis.
9 - Que
vai acontecer no debate na AR?
É sempre
melhor falar como historiador do que como profeta, mas provavelmente, dado que
no Parlamento não existe entre o partido do governo e o BE um acordo específico
sobre a expansão do metro como na CML, é provável que do debate saia uma
recomendação ao governo para que se abra à contraargumentação técnica e proceda
a uma revisão do plano e redefinição das prioridades, até porque existe
disponibilidade financeira do fundo ambiental, do POSEUR e possibilidade de
empréstimos do BEI e de candidatura a fundos comunitários. Porém, as
recomendações da AR não têm efeito vinculativo e pela dificuldade já revelada
pelo XXI governo em aceitar argumentos contrários e pela obsessiva defesa do
projeto pelos senhores deputados do partido do governo, receia-se que a obra vá
mesmo para a frente, com adjudicação dos toscos Rato-Cais do Sodré ainda em
2019, esperando-se que o mesmo ocorra à pobre estação de Arroios.
Fernando Santos e
Silva
Ex-técnico do metropolitano de Lisboa
Textos dos projetos de resolução 1271/XIII e 2124/XIII e da petição:
Mais informação:
PS em 28 de junho de 2019 - Graças à recordatória por amável comentador, junto a ligação para o projeto de resolução 1974/ XIII que resume muito bem a situação, chamando a atenção para a não inclusão no PNI32030 de um plano de expansão do metro, e propõe a reconsideração da decisão pela linha circular e a prioridade aos prolongamentos a Alcântara e a Loures . Tendo dado entrada em 6 de fevereiro de 2019, julgo que ainda não estará agendada, e possivelmente não o será nesta legislatura, amenos que, a exemplo da 2124/XIII seja anexada à agenda do debate de 5 de julho:
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43399
Está esquecida este projecto de resolução: https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43399
ResponderEliminarObrigado pela informação. Acrescentei em PS a referência. De facto, tal como o pjr 2124/XIII, poderia ser incluido na agenda do debate de dia 5 de julho, porque os três podem ser fundidos.
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