segunda-feira, 11 de abril de 2022

Terceiro email para uma senhora jornalista sobre a guerra - cada vez mais difícil trocar impressões

 

Boa tarde

Continuo a receber emails seus, por isso, apesar de ser cada vez mais difícil conversar, volto ao seu contacto, esperando que as armas de autodestruição maciça existam tanto no PCP como as outras no Iraque dos 4 falcões dos Açores. Talvez os 100 anos de Domingos Lopes deem uma ajuda para que se extingam as armas de autodestruição maciça.

Sobre o assunto do momento, melhor do que eu escreveram os leitores na edição de dia 11 de abril , António Linhan (“Imagine” by John Lennon) e José A.Rodrigues (que temos “nós” a ver com a luta entre dois “robber barons”, vulgo oligarcas?),  e Carmo Afonso repetindo Santos Silva, “Não há atribuições coletivas de culpa em Portugal” (não? então os comentadores de sofá escandalizados com os “notáveis” pela paz não andam a atribuir a culpa de apoiantes da invasão a quem quer manter a cabeça fria e “contextualizar”  a NATO, enquanto apelam ao envio de armas para os heróis resistentes?), mas pode ser que lhe interesse esta evocação de 2012 das Pussy Riot, que cito por vir a propósito os versos de John Lennon, “nada por que matar ou ser morto”:

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2012/08/free-pussy-riot.html

Gandhi ou Mandela pediriam armas para defender os seus ideais? Não o fizeram.

 

Mas deixe-me dizer porque lhe respondo assim. No fundo, é a experiência própria que condiciona o que cada um pensa. No princípio dos anos 70 fui incorporado no exército, na época ocupando terras que eram de outros povos, numa altura em que o primeiro ministro da altura promoveu eleições sem chapeladas e que deram o apoio maioritário dos eleitores à guerra colonial. Como “há sempre alguém que resiste”, fui participando em sessões de canto livre em que se cantava a injustiça da guerra colonial (enquanto em Londres se representava o Hair, contra a guerra do Vietnam), umas vezes com a assistência da PIDE, e outras não. Nunca acharam por bem prender os meus companheiros e companheiras nem muito menos a mim, limitavam-se a mandar bilhetinhos para os comandantes dos quarteis a dizerem para terem cuidado com os milicianos da incorporação (lá está, uns especialistas da atribuição de culpas coletivas, quem não concorda comigo ou é pacifista ou é comunista). Fui um privilegiado por não ter sido mobilizado para as colónias e ainda hoje não sei o que faria, se “cobarde”, fugiria para o norte da Europa, ou se diria ao senhor comandante pode mandar-me prender, não vou, não disparo armas nem na minha terra nem numa terra que não é a minha (ai o Boris Vian). E é por isso que me entristece ver o entusiasmo com que os comentadores de sofá, nos seus gabinetes longe da guerra, culpabilizam uns quantos coletivos e apelam ao envio de armas para a fogueira (para os heróis se cobrirem de glória como eu ouvia na escola na interpretação patrioteira da História) e apelam a mais sanções económicas que nos prejudicam a todos, ou a economia é uma batata. Lembra-se quando Freitas do Amaral propôs um encontro de futebol com os terroristas do ayatola? Mais uma vez escrevo, arranjem um mediador, pode ser a China, a Turquia, a Índia, Israel, a Áustria, deixem-se de guerras, não deixem a NATO decidir, cumpram o nº2 do artigo 7º da Constituição da República Portuguesa, pensem no que fizeram em Dresden,  Nagasaki, Hiroshima, Vietnam, Afeganistão … vítimas civis … “é guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta, é a guerra aquela tempestade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras, é a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades …”, dizia Vieira, a quem a Santa Inquisição culpabilizou coletivamente.

E sim, pensando bem, nada a objetar à admissão à União Europeia, apenas com duas pequenas condições, uma, que os países que estão na fila vejam o seu processo acelerado, e outra, válida para qualquer entrada, que o TFUE seja rigorosamente cumprido, com processos de infração efetivos e imunes a desculpas como as que Portugal tem enviado a Bruxelas quando é alvo de processos de infração, isto é, a Comissão Europeia não pode ser cúmplice do incumprimento das suas regras, desde a falta de assistência técnica ou financeira para novas linhas de comboios de ligação à Europa e tantas infraestruturas em falta até à organização dos sistemas educativo e judicial.

Com os melhores cumprimentos, espero que tenha gostado das Riot.

 


Sem comentários:

Enviar um comentário