O senhor primeiro ministro aproveitou a visita ao novo túnel do metro Estrela-Santos para avisar que o concurso da nova linha Porto-Soure tem de ser lançado até 30 de janeiro para podermos beneficiar do financiamento CEF (Connecting Europe Facility) porque seria uma prova de que o projeto "tem maturidade", condição para receber o financiamento. Curiosamente, quis justificar o lançamento do concurso por a linha ter um consenso alargado e o plano de investimentos na ferrovia ter sido aprovado por 3/4 da Assembleia da República. Curiosamente porque estava exatamente numa obra em que só o seu partido votou pela sua realização em detrimento das ligações do metro às periferias. Por outras palavras, o verdadeiro argumento é o que queremos, não o seu peso (ou ainda dito de outro modo, as decisões tomam-se em função da perceção da realidade, não dos argumentos técnicos sobre a ferrovia):
Comentários:
1 - efetivamente, a maturidade de um projeto é condição para a Comissão Europeia aprovar uma candidatura ao CEF, incluindo o seu processo de contratação (critérios de seleção na pág.21 do convite para candidaturas ao CEF transporte-fundo de coesão: https://ec.europa.eu/info/funding-tenders/opportunities/docs/2021-2027/cef/wp-call/2023/call-fiche_cef-t-2023-corecoen_en.pdf ), mas as candidaturas são para estudos e obras da rede TEN-T "core" definida pelos regulamentos comunitários e implicando o respeito pelos requisitos de interoperabilidade (pág.12 do documento convite). O concurso que se pretende lançar em janeiro de 2024 será apenas um troço da linha Porto-Lisboa que os regulamentos comunitários querem pronta em 2030, não sendo portanto uma ligação completa, ou será um concurso para a elaboração do anteprojeto e caderno de encargos para a execução da obra (eventualmente exploração e manutenção) ?
2 - a falta de respeito pelos regulamentos comunitários tem sido uma estratégia sistemática dos governos do senhor primeiro ministro, patente nas cimeiras luso espanholas ao atribuir a prioridade à ligação Porto-Vigo (prevista nos regulamentos para 2040) em detrimento de Porto-Lisboa-Madrid, previsto para 2030. Não é portanto compatível com a legislação europeia a afirmação do senhor primeiro ministro que a prioridade é Porto-Vigo
3 - outras manifestações dessa falta de respeito estão na insistência em manter a bitola ibérica e o sistema CONVEL/STM nos projetos da alta velocidade quando os regulamentos são explícitos em que na linha Lisboa-Porto deverá estar a bitola UIC em 2030 e ser abandonado até 2040 o sistema anterior ao ERTMS (pág.12) . Para obtenção de financiamento, os governos do senhor primeiro ministro têm insistido no expediente de pedir isenções à Comissão Europeia através de adiamentos dos prazos fixados nos regulamentos de instalação da bitola UIC. Isto é, pretende fazer da exceção regra em vez de assumir, como em Espanha, a gestão independente de duas redes, uma a existente em bitola ibérica, e outra construída de raiz com os requisitos da interoperabilidade em bitola UIC e ERTMS facilitando as exportações para a Europa além Pirineus e reduzindo as emissões na ligação Lisboa-Madrid por substituição das viagens aéreas.
4 - a comissão europeia, através da CINEA (Agencia europeia do clima, infraestruturas e ambiente), aceita até 30 de janeiro de 2024 candidaturas para financiamento de estudos ou obras para desenvolvimento das redes transeuropeias de transporte (vias fluviais, portos marítimos, ferrovia, estradas). Prevê-se para o fundo geral 2650 milhões de euros (taxa de comparticipação 50%) e para o fundo de coesão (pág.14) 2800 milhões de euros (pág.23: taxa máxima de comparticipação 85%). Para a ferrovia é dada prioridade (pág.12 do documento convite referido acima) às ações para as ligações transfronteiriças, eliminação de missing links, circulação de comboios de 740m, intermodalidade com a rodovia (transporte de semirreboques por comboio) e vias fluviais. Aparentemente, por o troço Porto-Soure não ser transfronteiriço nem preencher um missing link, terá dificuldades em ser selecionado para financiamento
5 - conforme a pág.15 do documento convite são documentos obrigatórios na candidatura: o orçamento, o planeamento em gráfico de Gantt, a análise de custos benefícios e a avaliação ambiental. Na pág.22 limita-se a 5 anos a duração máxima das obras. Dado que o troço Porto-Soure não tem a capacidade atrativa da linha Porto-Lisboa completa, que não se prevê s sua execução em menos de 5 anos, e que o facto de ter bitola ibérica configura uma discriminação relativamente a operadores que não disponham do material circulante respetivo (pág.9), provavelmente terá dificuldades em ser selecionado
6 - reconhece-se que é muito extenso o trabalho requerido para a execução dos traçados previstos nos regulamentos comunitários para a rede TEN-T em Portugal, incluindo a coordenação com Espanha, nomeadamente nos troços para Madrid, Salamanca e Irun. Num debate em setembro de 2023 na Ordem dos Engenheiros, foi afirmado por um representante da IP que esta não tinha recursos para executar rapidamente os estudos e anteprojetos necessários. Sugere-se, em vez do recurso sistemático ao pedido de isenções, a dinamização do mercado de gabinetes de engenharia e a formalização junto da Comissão Europeia, através do coordenador do corredor atlântico, de um pedido de assistência técnica. Não faltam outros tópicos de estudos para submeter candidaturas ao CEF Transporte, reformulação do PFN e PNI2030 para conformidade com as redes TEN-T interoperáveis, reformulação da mobilidade nos planos regionais das áreas metropolitanas, fixação da ligação de AV entre Soure e Lisboa, incluindo a quadruplicação da linha suburbana em túnel Alhandra-Vila Franca de Xira, terceira travessia do Tejo, serviço do NAL pela linha AV Lisboa-Madrid ... nisto se concorda com o senhor primeiro ministro, é urgente avançar ...
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