terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Sobre a resolução para mitigação dos constrangimentos do AHD

Parece-me positiva, comparando com as políticas dos ministérios de infraestruturas anteriores, a abordagem do contrato de concessão traduzida por esta resolução. É inegável a preparação e a capacidade técnica do senhor secretário adjunto, apesar de limitado pelas orientações políticas superiores, conforme comprovado no PFN que não cumpre os requisitos de interoperabilidade das redes transeuropeias TEN-T.

Mas também me parece que ainda há fragilidades na interpretação das cláusulas, especialmente dos anexos. Evidentemente que pode ser consequência das minhas limitações jurídicas, mas a interpretação jurídica, como qualquer interpretação, é sempre uma perceção da realidade e esta pode ser diferente.

Ligação para a resolução:

https://files.diariodarepublica.pt/1s/2023/12/24900/0008000084.pdf

Comentários, a inserir na contribuição para a consulta pública do relatório da CTI:

1 - investimentos pela ANA - o contrato não  define  a relação entre o crescimento da procura no AHD e o nível de investimentos pela concessionária ANA, mas diz claramente que esta deve fazer os melhores esforços para isso. Só que diz o mesmo para o concedente ao definir procedimentos de apreciação e negociação de relatórios (ex: clausula 17.3) e do plano estratégico (clausula 21) a elaborar pela concessionária, e os sucessivos ministérios têm sido incapazes de se coordenarem com a concessionária e dar-lhe condições para executar as medidas de desenvolvimento especificadas no anexo 9. Em vez disso preferiram o memorando de entendimento  da solução Portela+1 como alternativa ao NAL ignorando o estabelecido na clausula 42.3 (a alternativa deverá ser mais eficiente do que o NAL especificado no anexo 16 : 90 mov./h no NAL contra 48+24 mov./h em Portela+1)

2 -  parece que a urgencia da ANA na construção do terminal sul (pier 1) estará diretamente relacionada com a supressão da pista 17/35 efetivada em 2019  para obter mais lugares de estacionamento  (a orientação da 17/35 era a ideal para as ocorrências de vento forte de NW). A justificação apresentada na altura foi "permitir o sucesso das obras e a melhoria do estacionamento e da circulação", o que , passados 4 anos, não garantiu nem a conclusão das obras nem a boa classificação  do aeroporto no ranking internacional. Aparentemente tanto o relatório da CTI    https://aeroparticipa.pt/relatorios/relatorio_AHD.pdf     como esta RCM  classificam agora como ação mais urgente a mitigação das dificuldades de processamento de passageiros e de circulação e estacionamento de aviões com a construção do pier 1, em vez da construção imediata do taxiway paralelo ao troço U, do lado norte e nascente da pista, pelo menos até à soleira da pista 20 (21) para eliminação da necessidade de atravessamento da pista pelos aviões widebody (julgo que a completa operacionalização do sistema Topsky/e-merge decorrerá sem interferência com o planeamento das obras eventualmente à exceção da construção de uma nova torre de controle ou remodelação profunda da existente). 

3 - relacionada com o ponto 2 está a questão da remodelação da placa 80 e a desafetação do terminal militar, parecendo continuar a haver alguma indefinição que o relatório da CTI não veio resolver completamente. A desafetação deveria ser completa sem as reservas- de prioridade e gratuitidade para a força aérea do ponto 6 da resolução, devendo a desafetação coincidir com a transferência para uma base militar (Montijo, Tancos, Sintra) incluindo os voos da Presidência da República e dos ministros. (o acidente de 2jan2024 no aeroporto de Toquio vem mostrar tragicamente que num aeroporto de tráfego civil intenso a partilha com serviços de natureza e rotinas diferentes é incompatível com a segurança)

4 -  o ponto  9.c da resolução, de prestação pela concessionária de uma remuneração por expetativa de aumento de receitas, parece de difícil justificação, a menos que se considere como penalização por ter deixado degradar os níveis de serviço vinculativos pelo anexo 7 (embora mesmo assim a responsabilidade do concedente possa ser atribuída). Tratar-se-á então de um assunto para a comissão de negociação referida no ponto 9 da resolução que estudará com  urgência a relação entre a futura utilização da área a desafetar, conforme a planta do anexo II da resolução, e da área imediatamente a sul da plataforma 80, e a construção do pier sul (aliás uma das sugestões do relatório da CTI como revisão da remodelação do terminal 1).

5 - sendo a justificação da construção do pier 1 o congestionamento do terminal 1 existente, sugere-se a instalação de balcões de check-in e despacho de bagagens nalgumas estações de metro e a estruturação do transporte de bagagens para os aviões, o que aliviaria o movimento no terminal 1 

6 - anexo 1 da resolução - inclui as obrigações específicas de desenvolvimento do AHD pela concessionária, conforme o anexo 9 do contrato, e que como referido ficaram suspensas devido à descoordenação entre concedente e concessionária, sendo indispensáveis para o aumento da capacidade do AHD (de 38 para 46 mov./h); a questão não é evidente porque no  anexo 9 não foi incluído o desenho das intervenções, apenas designações das obras que podem suscitar interpretações distintas:

6.1 - entradas  múltiplas na pista 2 (3) de modo a reduzir o tempo de circulação para os aviões com embarque do lado sul 

6.2 - remodelação dos curbsides (conclusão prevista 2025)- julgo que se refere às zonas de chegadas e de partidas nos acessos de e à rodovia. Aparentemente, o acesso ao pier 1 seria menos fluido em termos de acesso rodoviário do que  a ampliação do terminal 1 existente para o parque de estacionamento imediatamente a norte, ou a construção de novo terminal 3. Note-se que a resolução nada diz sobre a proposta da CTI para este terminal 3 com ligação ao taxiway novo paralelo ao troço U, que implicaria a demolição do  hangar da força aérea e as expropriações de armazéns. Sugere-se, como medida para melhoria do acesso e saída dos passageiros ao e dos terminais o projeto de uma ligação tipo people mover ligando os 3 terminais e, do lado poente, ligando à estação de metro do Campo Grande, e, do lado nascente e norte, à estação da CP de Sacavém

6.3 - saídas rápidas da pista 2 (3) (conclusão prevista 2026) - esta é, julgo, a medida essencial para aumento da capacidade do AHD em conjunto com a construção do taxiway paralelo ao troço U, aliás previsto pelo Eurocontrol (pág.25 do relatório do AHD da CTI). Discorda-se da anotação, no anexo 1 da resolução, de que devem ser executadas sem recurso à plataforma 80 e à área desafetada do aerodromo AT1 porque a rápida saída do novo taxiway para essas áreas  melhoraria a fluidez do tráfego; a descrição desta intervenção, que exige um aterro significativo, encontra-se nas páginas 142 a 144 do livro "Grandes projetos de obras públicas" de Pompeu Santos, ed.Scribe 2019.

6.4 - entradas múltiplas na pista 20 (21) (conclusão prevista 2027) - ação complementar da anterior (saídas rápidas da pista 2(3)) com a mais valia de, iniciando a corrida para a descolagem junto da soleira na extremidade norte da pista, afetar com menos ruído a cidade  (recordo o incidente do arranque mais a sul da pista com as coordenadas da extremidade norte, o que levou a uma descolagem a poucos metros de altura relativamente à avenida do Brasil) 

6.5  - expropriação de armazéns (conclusão prevista 2025) - ação simultânea com o arranque das ações dos pontos 6.3 e 6.4 e cuja definição ficou difusa no contrato, esperando-se equilíbrio na negociação concedente-concessionária prevista

7 - obrigações de desenvolvimento não especificadas no contrato mas listadas no anexo 1 da resolução:

Embora o texto da cláusula 17 possa subentender quaisquer medidas que contribuam para o desenvolvimento do AHD, contrariamente ao que é dito no segundo quadro do anexo 1 as seguintes medidas não são especificadas na cláusula 17 (que remete o desenvolvimento por conta e risco da concessionária para o contrato, a lei aplicável, o anexo 9, o crescimento da procura, o nível de serviço, as boas práticas e o plano estratégico, tudo monitorizado através de relatório anual da concessionária)

7.1 - ampliação do terminal 1 com o pier sul (conclusão prevista 2027) - reitero que desde o fecho da pista 17/35 já tinha havido tempo para iniciar a obra, o que será da responsabilidade mútua de concedente e concessionária entretidos com a hipótese não prevista no contrato Portela+Montijo. Sem querer atrasar ainda mais a obra, justificada pelas dificuldades de circulação e atendimento dos passageiros nos terminais, deverá a comissão de negociação comparar esta solução com a ampliação do terminal 1  para norte através do parque de estacionamento e com a construção do terminal 3 e aproveitamento da plataforma 80 e da área desafetada do AT1.

7.2 - plataforma de estacionamento sul (soleira da pista 35) (conclusão prevista 2027) - obra complementar de 7.1; critica-se a não realização desta intervenção 4 anos depois do fecho da pista 17/35 com as respetivas consequências operacionais negativas

7.3 - remodelação interior do terminal 1 (conclusão prevista 2026) - desconhece-se o projeto e se houve divulgação deste

7.4 - ampliação do corpo central do terminal 1 (conclusão prevista 2029) - desconhece-se o projeto e se houve divulgação deste (será a ocupação do atual parque de estacionamento a norte do terminal 1?); considero pertinentes as considerações no relatório de curto prazo da CTI, nomeadamente se o volume de investimento é compatível com o período de amortização subordinado  à evolução da procura determinante de uma nova pista ou de duas novas pistas no local do NAL  e a uma eventual data de fecho do AHD ou da sua limitação a 2 mov./h  (2035?).

8 - pequeno exercício sobre evolução das receitas e sua partilha conforme a cláusula 27 do contrato - partindo da receita de 2022 de 903 milhões de euros, se não houver crescimento da procura o total da partilha de receitas com o concedente será de 2023 a 2062   1806 milhões de euros (recordo o pagamento inicial pela concessionária de 1200 milhões mais a dívida anterior da ANA perfazendo 1900 milhões). 
Para um crescimento de 0,5% ao ano a receita em 2062 seria 1102 milhões e o total de 2023 a 2062 seria 2073 milhões.
Para um crescimento de 1,0% ao ano a receita em 2062 seria 1344 milhões e o total de 2023 a 2062 seria 2383 milhões


Em resumo: a execução da resolução tem algumas indefinições para resolver na negociação prevista, nomeadamente a pormenorização das obras a desenvolver, a sua calendarização, a ponderação da sua oportunidade em função da eventual data de encerramento ou redução drástica do tráfego do AHD, eventuais compensações para o concedente ou para a concessionária e , naturalmente, o acordo sobre o NAL e sua execução conforme o contrato e anexos ou alteração. 








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