A notícia do Público era clara (https://www.publico.pt/2024/03/08/economia/noticia/transporte-passageiros-recuperou-niveis-prepandemia-2023-metro-excepcao-2083010) segundo os números do INE,o metro de Lisboa, contrariamente aos metros do Porto e do Sul do Tejo, ainda não atingiu o volume de passageiros transportados em 2019. Em 2023 166 milhões de passageiros, em 2019 183 milhões.
É importante tentar perceber porquê, sem o complexo futebolístico de querer substituir o treinador, neste caso a administração. Esta, como ela própria reconhece, limita-se a executar as determinações da tutela. Aliás, quando foram nomeados, os seus membros não tinham experiência de operação ou manutenção de metropolitanos. Então, voltando à analogia futebolística, não é preciso afastá-la, mas apenas rever os níveis de decisão das equipas técnicas ou de validação de informações técnicas junto da administração, distinguindo entre quem tem as competências técnicas adequadas e quem não assessora convenientemente a administração ou, pelo menos, não as equipa com os argumentos certos quando da tutela vem o esquecimento da urgência na aquisição de material circulante, de admissão de maquinistas e técnicos de manutenção (ficou na história do metro a paralisação em 2016 de 30 comboios porque a febre das cativações impediu a aquisição de menos de 1 milhão de euros de rodados), ou a crença em razões subjetivas para justificação de uma linha circular.
Deu-se até o caso, em 2023, da taxa de utilização do metro de Lisboa (quociente entre os passageiros-km transportados e os lugares-km disponibilizados) ser a melhor dos três metros: média 24% , atingindo 26% em maio de 2023. Isto é, embora a procura possa ter sido reduzida relativamente a 2019, ela é ainda suficientemente forte para se poder discordar de medidas de "ajustamento" da oferta à procura como por exemplo o recurso ao término intermédio de Campo Grande, com um número significativo de passageiros a apearem-se compulsivamente, porque alguém vendeu à administração a ideia que fora das horas de ponta não há procura para Odivelas: Ver figura (5 minutos de espera também por motivos de segurança da manobra).
Por outras palavras, parece aplicável a lei de Say, se aumentarmos a oferta, estimulamos a procura. Porém, o problema existe se não conseguimos aumentar a oferta e se não o reconhecermos.
Vejamos então as possíveis razões por que o metro de Lisboa ainda não atingiu os valores de 2019:
1 - Limitações em termos de material circulante disponível e do quadro de maquinistas o que implica menos comboios em linha, intervalos entre comboios maiores e afluência maior de passageiros, desincentivando a procura. Em 2020 foi assinado o contrato para o fornecimento de 7 comboios de 6 carruagens a fornecer na totalidade até ao fim de 2025. Em novembro de 2023 foi lançado o concurso para mais 12 comboios de 6 carruagens (com opção para mais 6 comboios). Isto é, teremos 55+19=74 comboios de 6 carruagens por volta de 2028 . Em 2023 foi concluido mais um curso de maquinistas.
Mas vejamos quantos comboios de 6 carruagens seriam necessários na rede existente e na rede após a inauguração da linha circular para garantir um intervalo de 3 minutos entre comboios em todas as linhas, contando cerca de 10% para reserva e manutenção.
Rede atual, nº de comboios de 6 carruagens por linha para intervalo de 3 minutos:
Odivelas-Rato 19Telheiras-Cais Sodré 16
Linha Vermelha 18
Linha Azul 23
total 76 problema: só existem 55 comboios de 6 carruagens
Rede após a linha circular, nº de comboios de 6 carruagens por linha para intervalo de 3 minutos:
Linha circular 25Odivelas-Telheiras 11
Linha Vermelha 18
Linha Azul 23
total 77 problema: contando os 55 existentes e os 19 contratados e anunciados (sem a opção de mais 6) teremos apenas 74 comboios de 6 carruagens | |||
O cálculo do material circulante necessário (pode substituir-se o intervalo entre comboios no quadro Excel para ver o efeito no número de comboios necessário) pode ver-se em: |
https://1drv.ms/x/s!Al9_rthOlbwezTny_D0PP5sGiRuz?e=JFq0NV
2 - A imprensa técnica especializada na ferrovia apressou-se, quando do desenvolvimento da pandemia de 2020, a divulgar sugestões de melhoria do interior dos comboios para contrariar a disseminação da doença. O metro de Lisboa adotou medidas eficazes de desinfeção e de limpeza das carruagens. Porém, não foi suficientemente longe, não se chegou a melhorar a ventilação no interior das carruagens (ela existe e tem vários níveis de intensidade, mas é difícil para o maquinista adequá-la à ocupação das carruagens). Teria sido desejável melhorar a ventilação com orifícios na parte inferior da carroçaria forçando a circulação do ar o mais longe possível dos rostos dos passageiros. Quando o comboio vem cheio, ao abrirem-se as portas quem entra sente o bafo quente e terá de o respirar (por isso é recomendável o uso de máscara). O ar viciado deveria ter sido expelido no percurso entre estações onde os ventiladores dos postos de ventilação principais fixos extraem o ar para o exterior, enquanto nos postos de ventilação das estações o ar fresco é injetado nos cais a partir do exterior. Desconhece-se se o novo material circulante vem equipado desta maneira. A ponderar também a instalação de lâmpadas germicidas.
É compreensível que para muitas pessoas haja uma retração por este motivo para utilização do metro. Evidentemente que com mais comboios nas linhas e comboios menos cheios haveria maior poder de atração. Deveria aprofundar-se esta questão.
3 - A desestruturação urbanística em curso em Lisboa (nomeadamente a subida das rendas, a falta de habitação acessível, a gentrificação, o crescimento do alojamento local para turistas, o abandono da Baixa por agencias bancárias, outras empresas e entidades governamentais, a deslocação de atividades económicas dos setores secundário e terciário para as periferias) contribui para a deslocação das pessoas para os concelhos limítrofes com crescimento da sua população e decrescimento da população de Lisboa, como confirma o censo de 2021 .
O predomínio do transporte individual (nomeadamente sem portagens junto de parques dissuasores nos limites da cidade com alternativa de transporte público de modos pesado e complementar, e sem uma rede reticular de modos complementares desde LRT em vias segregadas e pistas segregadas para transporte autónomo a pedido), apesar dos incentivos tarifários introduzidos, completa o efeito da desestruturação urbanística.
Só um planeamento correto de toda a área metropolitana de Lisboa poderá corrigir, a médio prazo, esta inconformidade, incluindo a elaboração em modo participativo até dezembro de 2027, conforme os regulamentos comunitários do SUMP (sustainable urban mobility plan - https://transport.ec.europa.eu/transport-themes/urban-transport/sustainable-urban-mobility-planning-and-monitoring_en) .
Infelizmente, até agora não tem sido visível da parte das tutelas dos transportes urbanos e suburbanos a plena adesão a estes objetivos, preferindo-se intervenções por fases, eventualmente incompatíveis, sem uma visão integrada e de longo prazo (exemplos: a linha circular em vez do prolongamento da linha amarela do metro à estação de Alcântara Mar, a ligação da linha de Cascais à linha de cintura em vez do prolongamento da linha vermelha do metro a Algés/Carnaxide/ Jamor, a linha violeta em U em vez do prolongamento do metro de Odivelas ao Hospital Beatriz Ângelo).
Mas como se diz acima, se prevalecerem "justificações" subjetivas e se não houver participação e escutados técnicos experientes, não será otimista a previsão.
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