terça-feira, 26 de março de 2024

Mensagem para um senhor jornalista que comentou a questão aeroportuária em Lisboa

 

https://www.dn.pt/7209289510/aeroporto-socrates-ou-aeroporto-montenegro/


Caro senhor jornalista

Não estou seguro de que esta sua análise seja uma boa análise como já lhe tenho visto outras. Não sou especialista de aeronáutica e também por isso não me parece razoável tratar depreciativamente, usando o termo “sábios”, os autores do relatório da CTI. Não aprofundei a leitura dos  relatórios, mas pareceram-me válidas as competências dos seus membros. Houve um tema mais próximo das minhas competências de que discordei e na consulta pública enviei o meu parecer. Porém, colegas meus partilham da proposta sobre esse tema apresentado pela CTI. Apenas posso defender a minha posição com base nalguns pressupostos que não terão o acordo da CTI e de colegas meus, mas a engenharia, contrariamente ao senso comum, não é uma ciência exata e análises multicritério podem conduzir a classificações diferentes.

Passo a comentar algumas afirmações do seu texto que julgo justificam a sua correção.

1 – optar pelo investimento mais barato pode não ser uma boa solução se os custos de operação forem mais elevados (incluindo a amortização) do que o investimento na opção mais cara, ou se não tiver capacidade de crescimento para atender necessidades futuras.

2 – As áreas metropolitanas de S.Paulo e da cidade do México têm  , cada uma, mais de 20 milhões de habitantes, a de Lisboa não chega a 3 milhões. Não creio ser possível comparar, mas toca num tema importante que a imprensa deveria denunciar e que é a necessidade de  atualização do PROTAML.

3 – Como também não sou especialista, procurei informar-me sobre as ameaças para o aquífero que refere no CTFA. Retive a informação de especialistas que a complexidade do assunto não está suficientemente  esclarecida (https://novaresearch.unl.pt/en/publications/pmodelos-e-balan%C3%A7os-do-aqu%C3%ADfero-sedimentar-da-bacia-do-tejo-marge )

A considerar a penetração  da salinidade  estuário acima por rebaixamento do nível do aquífero, mas que os sobreiros não têm a exclusividade da recarga dos aquíferos (segundo algumas informações a área do sobreiral no séc.XIX era um pouco mais de metade da atual)  devendo incluir-se no caderno de encargos essa valência possivelmente com desvio de ribeiras e alargamento das suas bacias, e que evidentemente  a construção das áreas de apoio ao NAL deve ser contida (essencial garantir-se uma boa acessibilidade para quem trabalhar no NAL) tal como novas urbanizações, nomeadamente como se fez para as pontes 25 de abril e Vasco da Gama, fiscalmente através de imposto extraordinário junto com a licença de construção.

 

4 – Sobre Alverca, considere que se encontra em plena Reserva Natural do Estuário do Tejo. Sobre Santarém, considere a proximidade da base aérea de Tancos cuja pista tem um orientação sensivelmente leste-oeste

5 – Sobre as duas bases aéreas de defesa da capital, considere que o Campo de Tiro da Força Aérea não é uma base aérea de defesa, tem uma pequena pista de 1000 m, e que o relatório da CTI mostra no PT5 anexo VII  os valores das compensações à Força Aérea pela deslocalização da BA 6 e do CTFA (no entanto, julgo saber que nada impede a continuidade da BA6 como base de helicópteros de salvação marítima)

  6 – O “estratosférico  e superlativamente caro (mais de 10 milhões)” é o orçamento  da CTI, mas que também diz que para esse custo terá 4 pistas, cuja construção só será decidida se a procura o justificar. A mesma CTI no seu relatório (ver PT2 anexo V) estima menos de 3500 milhões para 1 pista no CTFA cpm o AHD como principal. Apresentar a questão deste modo desqualifica a opção AHD+CTA com ocultação parcial do perímetro dos custos.

7 – Sobre o custo zero considere que o contrato de concessão diz que o concessionário compromete-se a arranjar um financiamento que, ao longo dos anos com o benefício das receitas, daria um retorno positivo, o que desvaloriza o argumento do custo zero (sem significar que o NAL proposto pela CTI seria a custo zero)

8 – comentadores ilustres têm repetido que Canha-Alcochete (também pode escrever Montijo-Alcochete porque a localização preferida das 2 primeiras pistas  do NAL está no município do Montijo e as restantes no município de Benavente) fica  a mais de 50 km de Lisboa. Indo ao Google Earth e  ensaiando alguns percursos possíveis para a ligação ferroviária à gare do Oriente, temos 50km pela ponte Chelas-Barreiro, 41 km pela ponte Beato-Montijo, ou 37 km por uma ponte/túnel pelo norte de Alcochete até à foz do Trancão (pode dizer que este é um projeto megalómano, mas eu limito-me a elencar soluções tecnicamente válidas, neste caso como exemplo a ponte Copenhague-Malmoe ou o túnel em construção Fehmarn; mas não deve dizer que os custos da TTT são custos do NAL, uma vez que ela deve fazer-se, com ou sem NAL)

9 – penso que qualquer cidadão que analise a questão com calma concorda consigo sobre o aeroporto Humberto Delgado, há vantagens em mantê-lo por mais uns anos. Mas há que programar o seu fecho ou a redução substancial dos seus movimentos, não apenas eliminar a utilização noturna, por simples obediência às diretrizes comunitárias. É também o que a CTI diz, investir no AHD e amortizar esse investimento, mas o tempo passa e as obras para aumento da capacidade não avançam. Bem podemos ter fé nos futuros aviões “limpos”, elétricos, de descolagem vertical. A tecnologia tem limites, a origem do ruído é a deslocação das moléculas do ar, sem a qual não há sustentação nem movimento do avião… se substituir todos os automóveis da segunda circular por automóveis elétricos reduz o ruído mas ele continuará a ser incomodativo.

10 – o contrato de concessão  -  Precisamente para tornar o AHD menos intrusivo da cidade (a rota de descolagem quando está vento SW passa por cima de 5 hospitais, um deles psiquiátrico …) é que o contrato de concessão previu obrigações de desenvolvimento no anexo 9 ,  especificando para o AHD obras entre 2018 e 2021 para 13. saídas rápidas da pista 3, 14.entradas múltiplas na pista 21 e  17.expropriações para ampliação do taxiway U5

(ver https://fcsseratostenes.blogspot.com/2022/10/alguns-elementos-sobre-capacidade.html )

Essas obrigações permitiriam aumentar a capacidade, mas a Vinci/Ana preferiu fazer finca pé na ampliação do pier sul e no aproveitamento do Montijo e da parte do governo caiu-se naquela do Montijo ser a custo zero e assinou-se um memorando de entendimento em vez de cumprir simplesmente o contrato quando determina ao concessionário, se quiser uma alternativa ao NAL, que ela seja mais eficiente e menos onerosa do que a especificação do anexo 16 contrato, 90 movimentos por hora. 24 movimentos por hora da solução Montijo mas 48 do AHD não é mais eficiente do que 90 especificados. Logo, foi gestão danosa ter andado a acarinhar a solução Montijo.

11 – Eis por que me parece exagerada a preocupação da CTI em querer rever o contrato. Embora não seja admirador de quem o assinou pelo governo em 2012, ele não está tão mal redigido como isso, e considere-se a partilha de receitas em andamento.

12 – sobre as acessibilidades  - nestas coisas de transportes, não há custos zero, há-de haver sempre uma externalidadezita, é como nos almoços que nunca são grátis. Ainda que o promotor privado de Santarem pusesse por sua conta um ramal a servir uma estação da linha do Norte, ou que construísse um ramal de 30km até à linha de AV, ainda assim a perturbação causada pelo aumento da afluência de passageiros motivaria investimento adicional público (idêntica limitação da capacidade da linha de AV na solução proposta pela IP/CTI de chegar a Lisboa pela margem esquerda passando pelo NAL). Vamos que o “mais pequeno aeroporto”, como diz, tem 12 desembarques na hora de ponta ou 2400 passageiros. Se metade quiserem apanhar o comboio para Lisboa temos necessidade de mais 3 comboios por hora numa linha saturada. Se os outros 50% escolherem a autoestrada, estarão a aumentar o congestionamento e o risco de sinistralidade. Aumentando o tráfego aéreo …

13 -  continuando a falar de transportes, parece inquestionável que a área metropolitana de Lisboa precisa de fazer o planeamento a sério do ordenamento e da mobilidade do seu território. Para isso há que atualizar o PROTAML, agora integrado no PROTLOVT. Como referi no ponto 8, a construção da TTT (ponte, túnel ou mista) terá de se fazer para serviço ferroviário de AV, mercadorias, inter-regional, suburbano e eventualmente rodoviário, a linha de AV Lisboa-Madrid terá de se fazer, é um imperativo comunitário, haverá ainda a considerar a quarta travessia Trafaria-Algés. São investimentos não imputáveis na totalidade ao NAL.

14 – ainda falando de transportes - Apesar de tudo, faço uma apreciação geral positiva do trabalho da CTI, com análises técnicas que me parecem bem fundamentadas e com aplicação correta da avaliação multi critérios. Mas não posso concordar, possivelmente por deformação profissional, com a proposta pela margem esquerda. Cingiram-se ao que a IP lhes disse para a AV e a TTT. Deviam ter estudado alternativas  ( ver pág 231 e pág.281 em                       https://aeroparticipa.pt/relatorios/relatorio_consulta_publica.pdf    ).            Neste  caso particular acho que andaram mal.  A proposta de acessibilidade ferroviária que apresentaram não é aceitável, a IP não tem competências para decidir, nem qualquer governo que é executivo e constitucionalmente sem competências legislativas neste assunto, se a AV é pela margem esquerda ou direita nem decidir o local da TTT. É necessário primeiro aprovar o PROTALOVT como aliás refere a CTI, embora sem se comprometer.

 

Conclusão – não parecerá que AHD e Montijo, ou Santarem, sejam dois bons aeroportos, um por estar no meio da cidade, outro por não ter capacidade de expansão, outro pela distancia. Também não parece que atualmente haja duas bases aéreas próximas da capital. A escolha de um novo aeroporto, ou mais corretamente, o planeamento do aumento da capacidade aeroportuária da região de Lisboa deve fazer-se de uma forma integrada e escalonada no tempo permitindo tomar as opções reais mais indicadas em cada fase de desenvolvimento, eventualmente com desistência de opções que se revelem desadequadas, em vez de tomar decisões avulsas (método de planeamento com opções reais ou “do corredor progressivo”)..

 

Apresento os melhores cumprimentos e votos de saúde e de sucesso profissional

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