Um colega enviou-me um artigo curioso com uma perspetiva altamente pessimista sobre a viabilidade de uma rede de alta velocidade em Portugal :
Embora reconheça algum fundamento às questões técnicas levantadas pelo autor, engenheiro civil com a especialização de Transportes, julgo que ele deveria expressar-se com mais calma e menos agressividade proporcionando uma eficiente troca de impressões.
Mensagem recebida do meu colega:
Tirando uma confusão (?) do autor com a bitola estreita (a estreita não é a nossa; é a dos outros, se por estreita se quiser dizer bitola UIC), concordo com a ideia de que Portugal não deveira dar um passo maior do que a perna. Há anos que ando a dizer que acho que Portugal não deve passar das 2h45 Lisboa-Porto, para 1h15m, o que obrigaria a velocidade máximas de, de... vá, digam lá!... não se acanhem!
A prioridade, para mim, vai para a velocidade elevada para passageiros (240km/h máxima e 200 de média); e para o direito de Portugal a atravessar Espanha em bitola europeia, importando e exportando de forma muito mais barata e ecológica.
Meu comentário:
Meu caro
Tem razão, internacionalmente referem-se à bitola UIC como estreita quando se fala na ibérica de 1668mm ou na russa de 1520mm. Exceção em Espanha que chamam estreita à via métrica.
Quanto às velocidades, deixe-me adivinhar, 300 km/h de
velocidade operacional máxima para fazer 290km Lisboa-Porto em 1h15min, o que
implicaria uma velocidade de projeto de mais ou menos 310 a 320 km/h. Não
encareceria muito a obra em terrenos favoráveis, mas tem custos de energia na
operação e, como diz Lucena Gaia, na manutenção.
Concordo com a proposta de 240km/h de velocidade operacional
máxima (velocidade máxima de projeto 250 km/h) que, com um coeficiente de 0,8 (há
sempre troços com curvas ou zonas de agulhas em que deve abrandar-se, vejam-se
as curvas de Santo Ovídio para a Campanhã de mais um arquiteto genial, tem
razão Lucena Gaia quando diz que uma linha de alta velocidade não é para ter
paragenzinhas umas atrás das outras) dá uma viagem Lisboa Porto de cerca de
1h30min, o que me parece bem e concorrente com o avião.
Curiosamente, os nossos “concorrentes” bálticos, que já têm
o projeto da Rail Baltica de 870km a andar em obra, devagarinho mas a andar,
optaram por velocidade máxima de projeto
249km/h para terem uma velocidade máxima operacional de 234km/h (haverá que multiplicar
por 0,8 para ter a média, e chegando à Polónia impõem limites mais apertados).
De facto, quando se fala em ferrovia, também me parece que o
essencial era trabalhar a sério para antecipar o mais possível o exercício do
direito de atravessar Espanha com as nossas mercadorias de exportação em bitola
UIC. Mas quem decide prefere namorar a Galiza. É bom que se namore a Galiza (e
já agora a Extremadura), mas com o tempo que vai demorar a construir a ligação
em UIC para atravessar Espanha devia estar-se a trabalhar em força nisso.
Agora permitam-me um comentário ao artigo do colega Lucena Gaia,
que, para além dum excelente técnico, tem uma faceta muito interessante de
escritor.
Mas eu com os meus cabelos brancos atrevo-me a sugerir um
pouco de calma e menos agressividade nas suas análises, por mais que as falhas
que refere sejam motivo de escândalo.
Efetivamente, o acidente de Soure revelou uma falha grave,
aliás recordada pelo gabinete de investigação de acidentes no seu relatório. A probabilidade
de um acidente acontecer é grande quando se verificam várias causas ou circunstancias.
Para além de falha na comunicação entre o veículo de manutenção e o centro de
comando e incumprimento dos regulamentos, houve a circunstancia da posição dos
semáforos gerar confusão, iludindo o condutor do veículo que além disso não
reagiu ao forçar da agulha que estava na posição de não acesso à via principal.
Mas a principal falha foi a ausência no veículo de dispositivo de travagem
automática por ultrapassagem de sinal vermelho. Nisso tem razão Lucena Gaia.
Outro exemplo de falta de manutenção seria o acidente na Adémia, com avaria de
um vagão de mercadorias. Ainda outro exemplo foi a queda de motores na linha de
Cascais provocando um descarrilamento. Foi na altura das cativações, dos cortes
no pessoal e na aquisição de peças … Parece-me que a forma um tanto alarmista
como a questão é apresentada não corresponde à competência técnica que ainda
existe nas oficinas da CP . Obviamente que se se perder essa competência o
risco de acidentes aumenta, quer na ferrovia convencional, quer na desejada
alta velocidade, mas isso terá como consequência o tráfego fugir para a rodovia
onde as análises de custos benefícios mostram que as externalidades (aumento de sinistralidade e de custos
energéticos por passageiro-km) acabam por ficar mais caras do que o que se
poupa.
Tem razão Lucena Gaia quando refere os custos elevados da manutenção. No entanto, terá de se considerar um efeito de escala, isto é, os custos unitários baixarão com o crescimento da rede. Estimando 1000km de bitola UIC a instalar em Portugal num período de 20 anos a 20 milhões de euros por km (possível financiamento comunitário se dentro das especificações do regulamento 1315 entre 30% e 85%) e custos de manutenção de 5% a 10% do investimento, teremos ao fim de 20 anos uma despesa anual de 1000 a 2000 milhões de euros. É efetivamente muito (comparar todavia com o consumo anual de cerca de 3000 milhões de raspadinhas e jogos da Santa Casa, ou 5000 milhões de automóveis novos, ou 6000 milhões em viagens e turismo ao estrangeiro, ou 14000 milhões em jogos on line por um terço da população), mas deve comparar-se com a manutenção das autoestradas fustigadas pelo peso dos camiões cada vez mais e mais carregados, não esquecendo os frequentes cortes por deslizamento de terras por falta de manutenção das drenagens (IC2 em 2024, A14 e A41 em 2016, avenida de Ceuta em 2017). Concordo com o Tribunal de Contas Europeu (ECA), análises de custos benefícios preferem a rede única ferroviária europeia em bitola UIC. Aliás, faço parte de um grupo que em julho de 2022 apresentou no 10ºcongresso rodoferroviário português, no LNEC um estudo sintético de justificação da rede de bitola UIC em Portugal, incluindo uma análise de custos benefícios com uma TIR de 2,23% (não é muito, mas é qualquer coisinha). Foi pena não ter havido uma discussão de prós e contras centrada em argumentos consistentes. Pode consultar-se essa apresentação pesquisando na internet por “As linhas da rede transeuropeia TEN-T e os desafios para o transporte ferroviário internacional de mercadorias (e passageiros) além Pirinéus”.
Sem comentários:
Enviar um comentário