segunda-feira, 18 de abril de 2011

O capuchinho vermelho e a economia

Introdução - Humberto Eco deu uma entrevista em que se declara fascinado pela estupidez humana.
E que por isso coleciona as obras que sobre o oculto a humanidade foi produzindo.
O que fascina Humberto Eco é a capacidade de construir o falso.
Na sua biblioteca não tem Galileu, mas tem Ptolomeu, porque este estava enganado.

Tema - O oculto foi gerando uma série de lendas que têm sido tratadas e desenvolvidas no cinema fantástico.
O oculto será em princípio o inexplicável e o incompreensível, o que, de forma aparentemente pouco racional, leva o cérebro a preencher o vazio e a acreditar nele.
Digo aparentemente porque todos os mitos, lendas e fenómenos religiosos aparentam responder a mecanismos, necessidades ou criações cerebrais.
Depois de nova moda dos vampiros, temos agora o regresso do capuchinho vermelho e do seu lobo-mau, em versão lobisomem atacando nas noites de lua cheia.
Assim vamos entretendo a juventude e os apreciadores de cinema fantástico.

A psicanálise e a religião do sacrifício - Como apesar de tudo os realizadores (neste caso uma realizadora) e os argumentistas são pessoas de cultura, as histórias são tratadas com alguns aspetos interessantes da psicoanálise.
Além disso, o culto dos admiradores assume aspetos de religião, com os seus dogmas e os seus procedimentos.
Na versão do capuchinho vermelho de Catherine Hardwicke temos, por exemplo, o complexo de Electra quando a menina descobre que o lobo mau é o próprio pai (ou, mais precisamente, à boa maneira de uma telenovela brasileira, o pai legal, que não o biológico); temos o drama da escolha da menina entre os dois pretendentes, hesitante entre as convenções sociais e ela própria, sendo que o escolhido vem também a tornar-se num lobisomem, com plena satisfação da menina; e temos mais uma versão da religião dos sacrificios humanos (já Teseu quis acabar com isso no mito grego).
Este aspeto dos sacrifícios humanos à divindade ou a um monstro que ameaça a cidade é muito interessante de analisar ao longo da história.
Por exemplo, pensou-se durante muitos anos que um dos dogmas fundamentais da religião cristã era o sacrifício redentor  na cruz. Existe porém um texto do teólogo J.Ratzinger, atual papa, que declara falsa essa interpretação, porque isso equivaleria a um sacrificio humano (já Saramago dizia que não podia um ser infinitamente misericordioso pedir a Abraão o sacrificio do filho Isaac).
Curioso.
Na atualidade, as comunidades sublimaram estas práticas sacrificiais através da condenação de quem defenda ideias politicamente incorretas.
Quando não se sublima, desviam-se essas tendencias para a guerra, através de intervenções armadas, de preferencia a distancia.
Até certo ponto, manter procedimentos de sacrifícios humanos, como não combater taxas exageradas de sinistralidade rodoviária ou de criminalidade homicida, responde a esta religião ancestral e assassina.
Mas o facto é que este filme do capuchinho vermelho lá traz os sacrificios humanos como fator de atração.

A metáfora da economia - É fácil  ver que não gostei do filme e que tambem não aprecio a sua estética. Mas gosto de analisar as questões à volta.
E deu-me para imaginar que a menina do capuchinho podia ser a nossa pobre economia hesitante entre um pretendente ou outro, cada qual defendendo os seus sistemas económicos, que um ou outro podiam ser lobisomens à espera da oportunidade de cobrar o sacrificio, como sempre pago pela comunidade.
E afinal, depois de chamado o exorcista e deste se mostrar nada eficaz na ajuda que pretendia trazer à aldeia, é o filme que conta,  a pobre economia descobre que é o ancião que desempenhava as funções de pai que era o lobo-mau e, depois de se livrar dele, entrega-se, por sua livre vontade, como se votasse numas eleições, a outro lobo-mau mais jovem.
Pobre economia desta aldeia já global mas ainda medieval, que até parece querer viver com o lobo-mau e com os seus critérios; pelo menos no filme...
Salvo melhor opinião, que história tão pouco edificante.

3 comentários:

  1. A história do capuchinho, coloca uma mensagem no nosso raciocínio mas, raros são os casos de análise periférica daquela história.

    As florestas têm lobos e continuarão a ter.
    Pode o lobo comer algo que seja excedentário?
    Claro que sim. A natureza é mãe e devemos a ela os seus milhões de anos de evolução.
    Interferir na sua evolução é o mesmo que comprometer a nossa evolução.

    O que faz o caçador em propriedade alheia?
    Ilegal, ninguém o chamou. Só vai introduzir acção do seu juízo e desiquilibrio.

    O capuchinho tem que ser vermelho?
    Errado, ninguém vai para a selva com uma cor que até os tubarões no mar conseguem ver a miuda.

    A avó está doente e sozinha?
    Isto é protecção social?
    Ou a ideia é deixar os velhos morrerem para não ter que construir mais casas e equilibrar as finanças da segurança social?

    Se calhar é preferível deixar o lobo comer a velha do que a carne apodrecer e só dar conta por histórias do género:

    "Ah deixei de ver a vizinha há 7 anos e começou a cheirar mal !"

    Isto é que é a verdadeira história?
    Subvertemos os principios da sociedade.
    Depois queixem-se que já se ouvem os tambores à noite.....

    ResponderEliminar
  2. Quando era garoto contavam-se na aldeia histórias fantásticas de lobos! esperas que os lobos faziam à saída da aldeia. O fulano que fora comido e só ficaram os pés dentro das botas!.. Coisas de gelar o sangue.. Os poucos, muito raros, que tinham conseguido enganar os lobos...
    Só não me ensinaram que os lobos, agora, usam fatos Armani, os capuchinhos vermelhos são eleitos (?)e os lenhadores e as avózinhas são sempre os mesmos!!

    ResponderEliminar
  3. Amigos
    Como diz o outro, quem conta uma história não conta exatamente a mesma história que o leitor ou o ouvinte "recriaram".
    Os contos ditos infantis ou as lendas tem esta vantagem: são muito flexiveis, e cada um pode interpretar e recontar como quiser e como os amigos fizeram, a realizadora fez e eu próprio fiz.
    A realizadora, com a colagem kitch da lenda dos lobisomens (de facto, quando a minha avó contava histórias de lobisomens eu gelava, mal eu sabia o significado que eu próprio iria dar aos lobisomens 60 anos depois) sobrepondo-se ao vulnerável capuchinho, tem uma bela malha com o problema psicanalítico do desdobramento da personalidade.
    E este humilde escriba tomou a liberdade de tornar elegivel o lobo-mau que durante o periodo eletoral sofre de um desdobramento que o faz bom, mesmo bom, revelando-se mau depois de obrigar o capuchinho eleitor a pagar as custas do processo. E o problema é que o capuchinho continua a dar o seu voto aos mesmos lobos escondidos com os dentes de fora. Donde, a interpretação do filme é capaz de estar correta, é o próprio capuchinho que tambem se transforma em lobo-mau.
    Evoé, como dizem os brasileiros.

    ResponderEliminar