sexta-feira, 29 de abril de 2011

Rodoviarium XXVI - O acidente rodoviário de Marcillac em 28 de Abril de 2011

Fiquei profundamente impressionado com o acidente na auto-estrada A10 em França, na provincia da Gironda.
Foi um acidente nosso porque seis das sete vitimas eram portugueses que vinham de férias.
A violencia e as consequencias deste acidente não são frequentes.
O indice de sinistralidade nesta auto-estrada é suscetível de melhorias, que se desejam, mas com facilidade se esquecem os acidentes já ocorridos (choques em cadeia em dias de chuva e de nevoeiro, por exemplo), até porque os acidentes nem sempre acontecem quando se violam as regras de segurança.
A região da Gironda (10.000 km2, 1,4 milhões de habitantes) registou, no primeiro trimestre de 2009, 24 mortos em acidentes rodoviários; no primeiro trimestre de 2010, 14 mortos; no primeiro trimestre de 2011, 28 mortos.
Estamos portanto perante taxas semelhantes às de Portugal, pelo que parece prioritário atacar as causas e as circunstancias.
Tentemos analisar alguns factos já disponíveis (aguardar os resultados dos inquéritos? como, se raramente são publicados):
- o acidente consistiu no despiste de um camião com reboque frigorífico após zig-zags, regressando à via de rodagem e tombando na perpendicular, ocupando toda a largura das vias da auto-estrada no sentido Paris-Bordeus e parcialmente uma das vias no sentido contrário, com a parte inferior do reboque (não iluminada, portanto), virada para montante, seguindo-se a colisão da carrinha

O trator e o reboque depois de terem sido reendireitados; pode ver-se o tamanho das rodas e o comprimento extra do reboque para alem do rodado

Após a reposição na vertical, vendo-se o grande volume do reboque; não parecem aceitáveis estas dimensões para circulação em estrada


- o acidente ocorreu às 00:15, com boas condições atmosféricas, a 500 km de Paris no sentido Paris-Bordeus, e a cerca de 50 km de Bordeus - põe-se a hipótese do condutor da carrinha, por falta de repouso e pressa de chegar, estar a conduzir com um tempo de reação grande
- não existem traços de travagem da carrinha - põe-se a hipótese do condutor da carrinha não ter reagido - em condições de fadiga, é possível conduzir praticamente adormecido embora com os olhos abertos, ou estar sujeito a micro-cortes de atenção; na melhor das hipóteses, o tempo de reação será de 2 segundos, o que permite percorrer 80 metros a 144 km/h sem reagir; em condições normais, e de acordo com as condições de projeto para 120 km/h, serão percorridos 66m em 2 segundos, seguindo-se uma travagem a 4m/s2 durante 140m, i.é, o condutor deve avistar o obstáculo imobilizado na via de rodagem pelo menos a 206 m de distancia; esta é uma razão por que muitas curvas em auto-estrada, percorridas a velocidades superiores a 120 km/h. contêm riscos elevados
- o tacógrafo do camião não acusa excesso de velocidade,comprova o repouso regulamentar, mas mostra também que o turno do motorista estar a terminar, 15 horas depois de ter começado - põe-se  a hipótese do motorista ter adormecido ou efetuado uma manobra brusca;
- analisando a geometria do trator e reboque, as rodas do trator parecem pequenas para o tamanho do reboque e as dimensões deste parecem exageradas - rodas pequenas, embora favoreçam o binário de arranque e diminuam o consumo, aguentam pior as forças de translação ou zig-zag; o comprimento exagerado do reboque após o rodado contribui para o aumento dessas forças de translação; põe-se a hipótese da geometria dos veículos pesados dever ser reduzida (compreende-se que por razões económicas  a redução do consumo e a velocidade sejam produtivos e se tenham adotado estas dimensões, mas os economistas têm de compreender que privilegiar a circulação de mercadorias pelas auto-estradas não é sustentável em  termos de eficiência energética e ambientais, e em termos de segurança rodoviária)
- as condições atmosféricas desfavoráveis devem impor a todos a diminuição dos limites de velocidade, devendo contrariar-se a cultura de pressão para aumento da velocidade de quem vem atrás sobre quem vai à frente; deve aceitar-se a ideia de que reduzir a velocidade não deve ser um perigo para quem vai atrás se quem vem atrás  respeitar as distancias de visibilidade, porque não tem possibilidade de ver os obstáculos ou as dificuldades que quem vai à frente vê (estão ainda por aplicar as alterações ao código da estrada e por disseminar as recomendações decorrentes do inquérito ao acidente dos choques em cadeia  na auto-estrada de Viseu em Agosto de 2010 em dia de nevoeiro)

Em conclusão, parecem ser linhas corretas de orientação:
- reanálise das condições de segurança dos tratores e reboques, nomeadamente resistencia aos movimentos de translação (zig-zag)
- para longas distancias, privilegiar o transporte ferroviário ou aéreo
- para transporte de mercadorias em regime pesado, privilegiar o transporte ferroviário , fluvial e marítimo (haverá aqui que reconhecer as anteriores políticas erradas da UE, desenvolvendo para alem do sustentável o tráfego de mercadorias por auto-estrada, para dar resposta ao clientelismo das empresas de transporte; impõe-se atualmente, da parte da UE, o apoio aos investimentos no transporte de mercadorias ferroviário e maritimo)
- em deslocações rodoviárias, nunca conduzir mais de 2 horas seguidas
- desenvolver a cultura de manutenção de distancias de segurança aos veículos da frente (minimamente a distancia correspondente aos 2 segundos de reação), respeitando a eventualidade de redução brusca da sua velocidade e de imobilização por acidente
- desenvolver  a cultura de redução dos limites de velocidade sempre que as condições atmosféricas ou diminuição de visibilidade o recomendem
- desenvolver a cultura de redução progressiva dos limites de velocidade em auto-estrada, não só por razões de segurança, mas tambem de eficiencia energética e ambientais.

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