quarta-feira, 2 de maio de 2012

Acidente em Caxias


Trazeira e testa dos comboios sem danos aparentes. Fotografia do DN
Continuo a discordar das opiniões dos senhores e senhoras relações públicas após um acidente.
Ninguém põe em causa a conveniencia de um inquérito e que se aguardem as conclusões credíveis.
Mas podem e devem por-se hipóteses porque um acidente pode ser indício de que há algo a corrigir, e a pressão da opinião publica, mesmo que não conheça as causas e as circunstancias objetivas, pode ser util para a correção.
Até porque as conclusões do inquérito demoram sempre muito tempo e , quando conhecidas, o impacto mediático será menor.

Relativamente ao acidente de Caxias de 2 de maio de 2012, destaco alguma semelhança com o caso de Sloterdijk (neste caso mais grave, dado a colisão se ter dado testa contra testa, enquanto em Caxias a colisão foi com um comboio parado, circulando ambos no sentido Lisboa-Cascais).
Mais uma vez se comprova que, mesmo a velocidades baixas (neste caso inferior a 20 km/h, uma vez que não houve danos materiais, excetuando a rotura dos engates entre a ultima e a penultima carruagens dos comboio percutido, devido ao impulso do embate), uma colisão, porque não houve espaço para deformação e absorção da energia do choque, provoca feridos que podem ser graves por projeção a alguns G contra os bancos ou paredes do comboio.
Isto é, uma colisão a velocidade baixa não é uma situação segura.

Como hipótese, o cantonamento (sinalização ferroviária) e o controle automático de velocidade estariam em by-pass (por avaria ou por decisão de exploração), isto é, o comboio que embateu circularia em marcha à vista depois de ter passado por um sinal proibitivo, e dependente só do maquinista, que terá calculado mal a distancia de travagem com os carris molhados devido à chuva (repito que é uma hipótese), ou vítima de avaria nos componentes da travagem (idem), que teria reduzido a respetiva desaceleração.
Como quer que tenha sido, não é boa prática fazer recair sobre o maquinista toda a responsabilidade da segurança da circulação, sem equipamentos como o controle automático de velocidade a proteger a circulação.
A decisão de recurso a marcha à vista é sempre perigosa devido à elevada desaceleração em caso de colisão, mesmo a velocidade baixa.
Por isso não se deve mandar avançar em marcha à vista uma composição com passageiros sobre outra, sem deixar um espaço de segurança para a composição seguinte.
Também por isso, do meu ponto de vista, iliba o maquinista da totalidade da responsabilidade.


Pede-se que, a ter havido falha humana, o inquérito não proponha "castigos exemplares" na ótica maniqueísta da "perseguição dos culpados", mas antes investimento em equipamentos de segurança ferroviária, em reforço da manutenção de instalações fixas e de material circulante, com dimensionamento e meios adequados, em formação do pessoal em segurança de circulação, e em procedimentos de circulação que não "facilitem" como o recurso à marcha à vista em situações de falhas de sinalização ferroviária .
Neste caso, penso ser criticável o recurso que se fez à circulação em via unica  nos dois sentidos, logo a seguir ao acidente. Trata-se de uma situação muito perigosa em que não devem ser transportados passageiros, por mais cuidado que os maquinistas possam ter.

E muito apreciaria que se informasse a tutela, em época de plano estratégico de transportes e compressão dos gastos operacionais,  que em ferrovia é muito perigoso  "fazer mais com menos" (idem para qualquer modo de transporte).

Refiro ainda, a propósito deste acidente, que horas antes houve um atropelamento mortal na estação seguinte, Paço de Arcos, que indiretamente contribuiu para o acidente por  ter provocado perturbações na exploração e a preocupação dos controladores em "recuperar o horário". Esta é uma situação potenciadora de "stress" na exploração.
Convirá saber se o atropelamento foi acidente ou suicidio e que, se se tratou do primeiro caso, que se revejam as condições de livre acesso à via, e, se se tratou do segundo caso, que os profissionais de sociologia estudem as correlações do indice de suicidios com o ambiente que se vive no país.
Mais uma vez se verifica que um acidente normalmente não é um caso isolado do contexto.

PS em 4mai2012 - Parece que o comboio que embateu circulava em "vermelho permissivo". Insisto que, a ser assim, será conveniente rever o regulamento de circulação de comboios. Uma linha suburbana tem tráfego intenso e a circulação sem obedecer à sinalização automática induz a banalização da marcha à vista pelos maquinistas e o "baixar de defesas". É impossível, nestas circunstancias, evitar uma falha de condução. Estatisticamente é possivel, para cada rede, estabelecer os intervalos dessa ocorrencia expressas em 1 vez por ano, ou uma vez por x comboios.km.  Recordo-me, há muitos anos, quando fui admitido no metropolitano de Lisboa, se discutir se se deveria aliviar o rigor do regulamento de circulação em condições de perturbação da exploração e de posterior recuperação do horário, e o colega senior que me admitiu explicar pacientemente aos adeptos do "facilitismo" que não se deveriam deixar aproximar os comboios em marcha à vista sem deixar um intervalo de segurança entre eles, ou "overlap", mesmo à velocidade baixa da marcha à vista (porque ode ocorrer uma circunstancia que reduza  a capacidade de travagem e as consequencias d eum embate a baixa velocidade são sempre gravosas quando não há absorção da energia do choque). Não se deve dizer a um maquinista para ir avançando - os telemóveis não são equipamento de segurança ferroviária. É altamente criticável as relações públicas da CP difundirem a ideia de que "o maquinista conhece em tempo real o estado da linha à frente pelo sistema radio-som, pelos telemóveis e SMS "  , como se fosse acessório e não a essencia da segurança, "a sinalética lateral "(sinalização ferroviária). Corre-se assim o risco de os governantes, contaminados por esta ideia, desprezarem a necessidade de equipamentos de segurança ou de regulamentos prudentes.
Manter um regulamento demasiado permissivo envolve assim quem decidiu mantê-lo na responsabilidade de qualquer acidente.
 A linha deve estar dividida em cantões e dentro de cada um só deve estar um comboio. O cálculo do intervalo de segurança já deve incluir eventuais degradações das condições de travagem, quer por carril molhado, com folhas ou com óleo, quer por avaria nos componentes.
A recuperação de perturbações numa linha carregada não deve ser feita com acumulação de comboios (efeito de harmónio), mas com espaçamnto o mais pssível uniforme.
A capacidade de recuperação de perturbações exige investimento em equipamento de segurança e em material circulante (é já notória a carencia de novo material circuante na linha e Cascais - a beneficiação executada, e bem, na EMEF pressupunha a renovação da frota depois da amortização da intervenção) e em manutenção.

PS (1) em 5 de maio de 2012 - o DN não deixa cair o tema; já imagino os senhores bem postos que são muito seguros do seu sentido de responsabilidade criticar que o resultado do inquérito pode ser influenciado pelas invesigações jornalisticas, nomeadamente a fontes ligadas aos maquinistas.
Segundo o DN, o maquinista em causa terá sido sujeito há pouco tempo a uma operação à coluna. As condições físicas e psicológicas dos maquinistas são extremamente exigentes, pelo que qualquer empresa de transportes que queira garantir niveis elevados de segurança tem de gastar muito dinheiro na sua medicina do trabalho. Tambem por isso é exigivel o investimento em equipamentos de segurança , para controle da condução, e material circulante em boas condições. No caso da lina de Cascais, é urgente a substituição do material circulante. Compreende-se assim, a menos que se queira ser governante cego à realidade, que não é possível uma empresa de transportes apresentar lucros com niveis elevados de segurança.
Aplicar-se-á tambem ao maquinista do acidente, a trabalhar nestas condições, a máxima do senhor ministro "vamos acabar com as regalias"?
Recordam-se do pouso do avião no rio Hudson? o piloto foi considerado heroi, mas na cerimónia que o homenageou chocou os senhores bem postos quando disse que os pilotos americanos eram obrigados a voar em más condições, o que é um risco para a segurança.
Não concordo porém com o DN quando diz que os maquinistas deviam poder comunicar entre eles. A hierarquia das comunicações dá como prioridade a comunicação bidirecional entre uma central de controle e cada maquinista. A segurança da circulação deve repousar prioritariamente na sinalização ferroviária com cantonamento automático e no sistema de proteção automática (ATP) e as marchas de recurso em marcha à vista devem ser excecionais e rigorosamente regulamentadas, nunca devendo ser permitida a aproximação entre comboios, mesmo a velocidade reduzida; se se pretende uma maior aproximação em caso de perturbações, o que há a fazer é colocar mais sinais, isto é, aumentar o numero de cantões (refinamento do cantonamento). Claro que tudo isto custa muito dinheiro. A sinistralidade e o desperdicio de energia no transporte privado e na construção e manutenção de rodovias, também.

PS (2) em 5 de maio de 2012 - Apressou-se a CP em comunicar ao DN que o maquinista do acidente não teve baixas nos últimos meses e que todos os maquinistas dispõem de telemóvel. Embora relembrando a existencia do sistema de radio, nada refere sobre a importancia das comunicações com o posto central de controle. Informa ainda que o programa de manutenção do material circulante foi elaborado em função do grave condicionamento da impossibilidade de aquisição de novo material circulante e que o comboio acidentado tinha as revisões em dia, factos aliás que este blogue nunca pôs em causa.

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