segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A polémica das PPP

Declaração prévia:
1 - o que vai seguir-se não é a defesa do modelo das PPP, nem dos governantes, financeiros, empresários e técnicos que as materializaram.
2 - É uma tentativa de registo de factos.
3 - O autor deste blogue detesta campanhas persecutórias e condenações sem análise cuidada de provas.
4 – o autor desconfiou do conceito de PPP quando começou a ouvir falar delas, nos anos 90, a propósito do metro de Londres, que abdicou do conceito de serviço público (conservando-o porem na parte operacional do metropolitano) criando as PPP com 3 grandes consórcios que faziam a manutenção e os investimentos ao arrepio das diretivas europeias (sem concurso público porque adjudicavam diretamente ao fabricante que participava no consórcio), sucedendo que um deles faliu.
5 – A razão da sua desconfiança, e falta de fé nas PPP é continuar a dar a primazia ao conceito de serviço público (prioridade à segurança, eficiência e comodidade no transporte integrado na comunidade, em detrimento do critério do lucro)
6 – essa desconfiança não invalida o respeito por várias experiencias de sucesso de gestão integrada de sistemas de transporte por companhias privadas, porque todos os casos devem ser estudados com as suas especificidades. Porém, uma gestão privada só se justifica se o lucro que ela obtem for inferior ao diferencial do valor da eficiência entre a empresa privada e a empresa pública, o que raramente se verifica na prática
7 – é parecer do autor que os critérios de seleção de grandes empreendimentos que conduziram à presente discussão sobre as PPP começaram por falhar por omissão de um debate alargado: por exemplo, foi dada prioridade às infraestruturas rodoviárias, quando já se sabia que o transporte ferroviário é mais eficiente; igualmente falhou a utilização de critérios de engenharia nessa seleção, isto é, os cálculos fundamentadores não foram suficientemente debatidos
8 – como técnico de transportes, sempre pareceu ao autor deste blogue que a ignorância dos conceitos fundamentais para estabelecimento de redes ou infraestruturas de transportes era muito grande entre os senhores ministros que foram empossados nessa pasta, e que os senhores dirigentes que colocaram à frente dos principais órgãos e empresas o foram, regra geral, não por critérios de competência (aliás, não se realizam concursos públicos para provimento desses lugares) mas como comissários políticos e elementos de ligação com os empresários do setor; tais circunstancias podem gerar promiscuidade entre o serviço público e empresas privadas com apropriação não ética de benefícios  por informação e posição privilegiadas
9 - relativamente à origem dos fundos que permitiriam a construção dos empreendimentos, é parecer do autor deste blogue que os métodos clássicos seriam  preferíveis, desde a utilização de fundos QREN aos empréstimos do BEI e outros financiadores (mesmo que isso reduzisse o numero de empreendimentos possíveis, evidentemente). Por mais “moderna” que pudesse parecer a teoria das auto-estradas sem custos para o utilizador, o princípio da precaução deveria ter feito prevalecer o método clássico das portagens, com fundamento no desperdício energético quando comparado com o transporte ferroviário
10 – se o que se segue pode parecer desculpabilizante para os responsáveis pelas PPP, gostaria de repetir que o modelo das PPP sempre teve a minha opinião contrária; passados estes anos todos, talvez ingenuamente possa dizer que agora se deverá dar ouvidos a quem já  pensava assim desde o início, numa altura em que se agravou a descredibilização dos serviços públicos, numa campanha que visava aquilo que os atuais governantes confessam: que, diabolizando as despesas do Estado, querem ver os serviços públicos reduzidos à sua expressão mais simples (o que evidentemente contraria o conceito de serviço público que defendo)

Factos:
1 – assiste-se neste momento a um clamor vingativo contra o governo anterior e contra alguns responsáveis pelas PPP, que, como qualquer clamor vingativo, pouco considera  factos
2 – a primeira PPP em Portugal foi a ponte Vasco da Gama, projetada durante um governo de cor diferente do governo anterior ao atual, e cujo ministro dos transportes passou a presidente da concessionária (ver artigo da wikipedia sobre cronycapitalism)
3 – segundo a auditoria recentemente encomendada pelo atual governo, o numero de PPP contratadas pelo Estado português foi de 22
4 – das 22 PPP contratadas, 8 foram-no pelo governo anterior ao atual, em consonância com orientações da união europeia para estimulo da economia (pessoalmente, já registei acima a minha discordância deste modelo)
5 – de acordo com a auditoria referida em 3, os encargos para o Estado das 22 PPP atingem o montante de 11.700 milhões de euros durante 30 anos, incluindo IVA
6 – a acusação que foi feita publicamente ao anterior governo é que o compromisso das PPP atingia 50.000 a 70.000 milhões de euros (dada a complexidade e a renegociação evolutiva, será expetável que o valor real se encontre entre o calculado pela auditoria e um valor mais baixo do que o valor mais baixo da “acusação”)
7 – tomando como base um cálculo expedito comparativo do eng. Pompeu dos Santos entre a ponte Vasco da Gama e a ponte das Lezírias, uma extrapolação também expedita, desprezando variáveis financeiras e custos de recursos humanos para as entidades públicas necessários à sua capacitação técnica, conduzirá á suposição  de que um modelo clássico, com recuros a concursos públicos e controle das empreitadas pelos serviços públicos, permitiria a construção das mesmas infraestruturas por metade do preço, isto é, 6.000 milhões de euros
8 – é assim provável, com a reserva de que a complexidade do caso exige  estudo por grupos pluri-disciplinares que poderão inutilizar esta estimativa ou demonstrar a inutilidade de algumas infraestruturas construidas, que os governos anteriores, desde 1993 (governos de Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates)  só poderão ser acusados de uma má gestão correspondente à geração de encargos dispensáveis de 6.000 milhões de euros/30 anos =200 milhões de euros/ano.
9 – recorda-se que o conceito de PPP é a construção da infraestrutura não ter custos para o Estado, sendo o empreiteiro ressarcido posteriormente ao longo de 30 anos,  quer por uma renda, quer por portagens, quer por lucros de exploração; no fundo, é como se o empreiteiro se constituisse em financeiro do Estado, com a vantagem,  para ele, de dominar a parte financeira do negócio e assim poder prejudicar o Estado sob a capa do respeito pela ordem financeira internacional
10 – um exemplo do que se diz no ponto 9 é a acusação tornada pública de que 705 milhões de euros foram negociados como compensações contingentes sem conhecimento do Tribunal de Contas; afinal, parece que esses 705 milhões de euros resultam diretamente da subida de taxas de juro
11 – como se sai deste imbróglio?  Possivelmente ninguém saberá, dada a pouca força negocial perante a banca e os 4 grandes (dois empreiteiros e dois bancos) , mas podia tentar fazer-se mais do que desistir de alguns troços anteriormente projetados, e evitar a passagem dos custos de operação e manutenção para o Estado sem que disponha de recursos técnicos, humanos e financeiros para isso  e, naturalmente, considerando que o esforço tem de ser repartido, mediante uma taxa direta sobre os concessionários que continuem a explorar e manter (já sei, vão invocar que assim abrem falência e têm de se deslocalizar para o estrangeiro; chega sempre uma fase nas negociações em que tem de se dizer a frase maldita: “é pegar ou largar”)
12 – é ainda de assinalar que o atual secretário de Estado dos transportes participou ativamente na negociação do financiamento das PPP rodoviárias enquanto diretor da Caixa/Banco de Investimento, e que foi também administrador do consórcio que assinou o contrato para o TGV, não parecendo portanto que possa vir a negociar a indemnização com o referido consórcio por não cumprimento do contrato pelo Estado (pessoalmente não tenho fé no argumento de que o contrato não era válido por falta de um visto do Tribunal de Contas, mas é assunto de jurídicos) - ver artigo da wikipedia sobre cronycapitalism.

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