segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Medidas corretivas concretas - Introdução

Deixem-me pôr as coisas assim:  as sociedades foram-se organizando segundo uma divisão do trabalho.
A evolução tecnológica foi provocando uma especialização cada vez maior.
Quer os remadores do Reno que combateram o vapor , os operários têxteis que combateram os primeiros teares mecânicos, ou os 62 desenhadores da sala de desenho de um fabricante automóvel que foram substituidos por 5 postos de computador, tenham tido ou não razão para as suas lutas, a verdade é que a evolução tecnológica conduziu a uma situação em que só uma pequena percentagem da população precisa de ser população ativa e só uma pequena percentagem desta  necessita de estar empregada em atividades essenciais de sobrevivência e de lazer.
Isto é,  o extraordinário aumento da capacidade de produção e de produtividade libertou a população da necessidade de produzir os meios necessários à sobrevivência e ao lazer.
O desenvolvimento da teoria económica e financeira permitiu que apenas uma pequena parte beneficiasse da maior fatia do rendimento, isto é, favoreceu a concentração da propriedade dos meios de produção e dos ativos.
Assim, na base do edifício temos a produção agrícola e depois a industrial, beneficiando da referida grande capacidade de produção e produtividade.
A seguir temos os serviços, em grande parte criando ativos virtuais sem correspondência com valores reais.
Karl Marx previu que os benefícios da evolução tecnológica seriam utilizados para o bem estar das sociedades.
As experiencias do Estado-providencia, relativamente bem sucedidas nos países escandinavos, pareceram dar alguma razão a essa previsão, e assim até se compreenderia o ataque encarniçado dos neo-liberais para redução do papel do Estado na garantia do bem estar.
Os anos recentes parecem configurar uma ameaça grave a esse conceito de bem estar e de Estado-providencia, ilustrada pelo desemprego elevado e expressa pela afirmação de que as despesas públicas são insustentáveis.
Serão ou não, mas o certo é que basta que uma parte minoritária da população produza os bens essenciais para que toda a população sobreviva.
Se se mantiver o atual modelo de propriedade dos meios de produção e de repartição dos rendimentos, uma pequeníssima parte da população concentrará a maior parte do rendimento, uma percentagem inferior a 50% terá as suas fontes de rendimento minimamente suficientes para uma vida  digna, e a maioria viverá abaixo da dignidade, apenas com a garantia de programas assistenciais que impeçam, por exemplo, o crescimento excessivo da criminalidade ou a propagação de epidemias, uma vez que o código genético do 1% que detem os 80% do rendimento é rigorosamente o mesmo dos sem-abrigo.
Esses programas assistenciais beneficiam, igualmente, dos progressos tecnológicos e subsequente elevada produtividade.
Os preços anormalmente altos dos medicamentos para as doenças graves, como  cancro e HIV, são exemplo da pressão dos grandes grupos químico-famaceuticos para reduzir o papel do Estado na assistência contribuindo para o aumento das despesas públicas, consideradas insustentáveis (assiste-se, no entanto, a curiosas experiencias em que o Estado, após o insucesso de negociações com os laboratórios, tomou a iniciativa de “violar” as patentes e produzir os medicamentos caros, a preços muito inferiores; caso do Brasil, África do Sul e  Índia).
Nos anos 30 do século XX, um dos problemas de matemática nas escolas alemãs tinha no seu enunciado quando custava a educação de uma criança com deficiência mental (1800 marcos), uma criança média (350 marcos) e uma criança de coeficiente de inteligência elevado (150 marcos), perguntando capciosamente, em função do orçamento disponível, de quantas crianças deficientes poderia o Estado cuidar.
Esta pequena história recorda a recente interpretação do relatório sobre a ética do racionamento de medicamentos caros em função das caraterísticas do doente, ou a anterior discussão sobre a justificação de tratamentos de hemodiálise a reformados idosos sem rendimentos.
Independentemente das dificuldades financeiras de um Estado, estamos perante graves ameaças à declaração universal dos direitos humanos.
Por isso, deixem-me pôr o problema assim: antes da atual crise, ficou combinado que umas pessoas faziam umas coisas e outras outras; que uns trabalhavam num setor de serviços e outras num setor primário.
Privilegiou-se o setor de serviços não transacionável (concretamente em Portugal, desde as eleições de 1989) e reduziram-se as atividades nos setores agrícola/alimentar e industrial; agora, com o desemprego, existem demasiadas pessoas que são desprezadas  e tratadas indignamente por governos que não colocam o combate ao desemprego como primeira prioridade, apenas porque não precisam de toda a população para a produção de bens e serviços, contentando-se com a pequena parte que tem emprego.
E só isso, essa ameaça de violação sistemática da declaração universal, já é suficiente para que se questione o atual modelo económico-financeiro, procurando medidas corretivas concretas.
Duvida-se que os simples procedimentos formais da democracia em vigor permitam, em países com limitada, no tempo, vivencia democrática, e com as limitações de vida cultural expressas pelos resultados do PISA, alterar no sentido positivo o referido sistema económico-financeiro, de modo a garantir à maioria da população um nível razoável de qualidade de vida.
De facto, a população desempregada tende a engrossar a abstenção sempre que há eleições, e a abstenção não é considerada na composição dos parlamentos.
Estimula-se assim a marginalidade e restringe-se a capacidade eleitoral dos cidadãos.
Poucos têm garantia de emprego, poucos votam, não há votos suficientes para mudar o sistema político, económico e financeiro.
Os cidadãos alemães dos anos trinta demonstraram grande falta de solidariedade entre os vários grupos sociais. Quem tinha rendimentos e quem acreditou nas suas mentiras, deu o poder a Hitler, primeiro por eleições, dando mais votos ao partido nazi, e depois por referendo, dando-lhe poderes absolutos.
Em escala diferente, guardando as devidas distancias, pode acontece o mesmo nas eleições em Portugal, falta de solidariedade para com os grupos marginalizados.
Que não interpretem mal a falta de confiança na democracia para a resolução da crise atual.
Os problemas que lhe estão adstritos têm soluções técnicas que não dependem da ideologia dos técnicos (ou simples cidadãos) e por isso não pode haver exclusivos de partidos ou soluções unicas ou salvadores de pátrias.
Tampouco existem receitas universais (que ideológicas, quer técnicas) para resolver a crise porque as variáveis económicas não estão relacionadas entre si por leis deterministas. Numa dada conjuntura pode ser bom aumentar os impostos, mas noutra pode ser péssimo; o crescimento é normalmente bom, mas pode resultar de ações imorais (venda de armamento, tráfico de droga, estrangulamento do mercado por grupos oligopolistas). E infelizmente são pouco eficazes as armas de que democracia dispõe para enfrentar estes perigos.
Como dizia Churchill, a democracia é o pior sistema, mas os outros ainda são piores. Mais uma razão para o melhorarmos.
E para o melhorar, defende-se a implementação de mecanismos de participação ativa de cidadãos e a apresentação nesse âmbito, de sugestões de medidas corretivas concretas (um exemplo, não necessariamente a seguir,  mas a estudar, sem duvida, para se retirar dele o que possa ser aplicado em Portugal, poderá ser o da Islândia após a crise financeira de 2008)  .
O enunciado de medidas concretas é o objetivo de próximos “posts”, pretendendo-se em cada um apresentar uma medida de grande abrangência podendo envolver o relacionamento internacional, e outra de impacto mais concreto ou de aplicação mais imediata.

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