domingo, 21 de outubro de 2012

A incultura de quem não vê, não ouve, não fala




Diz quem está dentro destes assuntos que o orçamento que atribuíram à RTP2 de 3 milhões de euros é uma forma de a estrangular, de impedir o seu trabalho.
Mas como os bárbaros dizem, o numero de espetadores é muito reduzido e não se pode gastar muito dinheiro.
Eu penso que se deve responder com o exercício da competência e da intervenção, pelo menos enquanto seja humanamente possível com um mínimo de dignidade.
Entretanto Jorge Wemans já se demitiu do cargo de diretor da RTP2.
Programas como as sete irmãs (as grandes companhias de petróleo) conseguiram passar, como o documentário "Os donos de Portugal":
http://www.rtp.pt/programa/tv/p28826/c81758
Mas não existe só a RTP2, existe ainda a Antena2, a quem já amputaram programas de análise e intervenção cívica (recordo “Um certo olhar”), mas que ainda produz serviço cultural de qualidade, nomeadamente no campo da chamada musica clássica.
Hoje aprendi (devemos aprender sempre) que Luigi Nono, compositor falecido em 1990, também ele era interventivo.
Graças ao programa Caleidoscópio – A idade do génio

ouvi um excerto da obra de Luigi Nono dedicada à memória de Luciano Cruz, militante chileno do MIR (movimento de esquerda revolucionaria) , morto em circunstancias não esclarecidas em 1971, antes da eleição de Salvador Allende.
O texto intitula-se “Como una ola (onda)  de fuerza y luz”, e declara a perenidade do ideal de liberdade em que Luciano Cruz acreditava, numa altura em que a generosidade e  a ingenuidade faziam crer num futuro melhor para as pessoas :

Tudo ponderado, boas razões para as pessoas crescidas, muito sérias, muito competentes e bem postas, que decidem por todos nós, acharem que os orçamentos da RTP2 e da Antena2 são alvos a abater.
É mais ou menos o argumento do filme Farenheit451: depois dos bárbaros tomarem o poder, grupos de cidadãos reuniam-se para celebrar a cultura, cada um com a incumbência de decorar um livro.

Isso esperamos da incultura e do complexo de salvador único do primeiro ministro, que cantou a Nini vestida de organdi,  mas nunca sentiu as canções de Ari, nem ultrapassou as canções estouvadas das Doce.
Da incultura e da incompreensão do ministro das finanças, que acredita que os seus modelos são mais reais do que a realidade, que cita imagens literárias que se viram contra ele como o otimismo de Pangloss ou a história trágico-maritima, e que conjuga o verbo precluir como se fosse anglo-saxónico.
Da incultura e da incapacidade do presidente da República de realizar a análise, segundo todas as perspetivas que o povo português votou, e a síntese das ações a tomar, talvez porque, como dizia Saramago, confundia Tomas More com Tomas Man.

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