quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Dedicado ao senhor ministro da Economia e Emprego, Álvaro Santos Pereira






a) “…tenciono voltar a viver em Portugal por causa dos meus filhos. Para que eles vivam num país como o nosso, com a nossa cultura e até mesmo com o nosso clima… esperemos que, dentro em breve, os meus filhos possam também viver neste país-com-futuro à beira-mar plantado.”

b) “… as alterações climáticas serão o maior desafio que o planeta e a Humanidade enfrentarão nas próximas décadas. Obviamente, o mesmo se passará em Portugal … não só podemos implementar políticas económicas e ambientais que reduzam as emissões de gases responsáveis pelo efeito de estufa, mas também devemos aumentar os depósitos de carbono, através da plantação e replantação das florestas nacionais … o que poderemos então fazer para minorar os efeitos das alterações climáticas em Portugal? 1) estudos, estudos e mais estudos … 3) politica florestal agressiva; 4) atuar.”

c) “… contrariamente ao que muitas vezes se pensa, a baixa produtividade nacional não se deve exclusivamente ao nosso Estado burocrático e ineficiente. O mau desempenho organizativo dos nossos gestores e os incentivos ao imobilismo inovativo dos nossos sindicatos são claramente penalizadores da produtividade nacional. Qual a solução? Para alem da formação e reciclagem dos nossos gestores, sindicatos e trabalhadores, é importante introduzir um conjunto de incentivos à escala empresarial que melhorem as práticas organizativas e laborais, de modo a aumentar a competitividade e a produtividade das empresas nacionais.”

d) “… economistas-curandeiros anunciam a receita mágica para o fim do males nacionais apresentando projetos megalómanos, tais como a barragem do Alqueva, que iria solucionar os problemas agrícolas do Alentejo, ou a construção de Cabora  Bassa, que iria ser a  mola impulsionadora do desenvolvimento económico moçambicano. Recentemente, os curandeiros apareceram-nos com os projetos milagrosos da Ota e do TGV, os quais iriam gerar um investimento público de tal monta que nos iria resgatar da estagnação económica.”

Em “Os mitos da economia portuguesa”, de Álvaro Santos Pereira, 2007, ed.Guerra e Paz


Citação a) - Este “post” é dedicado ao senhor ministro da Economia e Emprego (e transportes, embora já não explicitamente na designação do ministério) para contrastar com os anteriores “posts” dedicados ao senhor ministro das finanças e ao senhor secretário de Estado dos Transportes.
Porquê?
Porque a citação a) do livro de que o senhor ministro é autor me leva a pensar que o senhor ministro é diferente do senhor ministro Vítor Gaspar e do senhor secretário de Estado Sérgio Monteiro.
Diferente para melhor, embora a alergia de que o senhor ministro da Economia sofre quando exposto a sindicalistas da CGTP ou a deputados dos partidos das bancadas mais à esquerda tenha produzido maus resultados, como aquela entrada de rompante no mundo dos transportes, com taxas de ocupação mal calculadas e vociferando “vamos acabar com as regalias” (bem, ao menos não pode acusar-se o senhor ministro de hipócrata). E tambem não foi bonita aquela de acusar os deputados de que não gosta de repetirem a cassete de há 30 anos, quando o seu próprio governo repete a cassete de Hayeck e Friedman que não parece ter dado muito bons resultados com a crise de desregulação de 2007 e 2008 (refiro-me a economias com dimensão que justifiquem grandes leis macro-económicas, claro, não me refiro a pequeninas tão expostas às condições externas como os mexilhões às marés).
Para melhor porque a citação mostra um cidadão de generosidade quase adolescente e de uma aparente ingenuidade quando mergulhado no vespeiro dos seus colegas de governo.
Por outras palavras, quando um senhor primeiro ministro diz que o Estado social não está em causa  nem a revisão da Constituição (embora confesse que quer alterar as funções sociais do Estado), ou um senhor ministro das finanças diz que o povo português é o melhor povo do mundo, o humilde cidadão deste blogue não acredita que eles estejam a ser sinceros.
Mas quanto ao senhor ministro Álvaro, o cidadão  acredita, acredita que o senhor ministro está a ser sincero (o que não quer dizer que acredite nas propostas que faz), e que o futuro que espera para os seus filhos é o futuro que todos nós desejamos para os nossos filhos e netos, com o país a desenvolver-se e a crescer, e não a empobrecer, como querem os seus colegas de governo; ou, pelo menos,  pensam mais em cortar despesa pública, do que em crescer para arranjar receita para cobrir o défice público; e nem sequer acham bem renegociar os juros que engordam o défice público; nem recomprar divida beneficiando da melhoria dos juros; nem auditar a dívida privada externa e interna; e se recusam terminantemente a reconhecer que as suas medidas de austeridade sem crescimento aumentam continuamente o défice e a dívida.

Citação b) – Esta citação é interessantíssima, porque revela que o senhor ministro Álvaro compreendeu a importância da parte ambiental do problema. E que, mesmo em contexto de crise, até porque crise está ligada à produção de energia, à produção agrícola e ao ambiente, é mesmo essencial estudar toda esta problemática e avançar com ações.
Estão aqui pistas que colidem violentamente com a incapacidade de alguns colegas do governo.
Por exemplo, quanto à politica florestal, dificilmente entendível nos seus aspetos técnicos (na perspetiva da engenharia florestal) :
- por uma senhora ministra com formação jurídica (esbarrando nesta questiúncula arreliadora, de que só 3% da floresta é mata nacional);
- por um senhor ministro da administração interna tambem sem capacidade técnicia para lidar com a problemática dos fogos florestais (que se vão intensificando com as alterações climáticas) ;
- por um senhor primeiro ministro e um senhor ministro das finanças que ignoram olimpicamente a função dos fundos QREN para melhorar as infra-estruturas e estimular o crescimento económico e que crê de forma religiosa que a iniciativa privada tudo resolverá;
- por um senhor ministro que prefere diplomas jurídicos a entender a função da Marinha na proteção da orla costeira (contra acidentes naturais, inclusive)
Ou, por outras palavras, pobre senhor ministro da Economia, no meio destes governantes…

Citação c) -  É a velha conversa da produtividade e da competitividade. Que teoricamente é muito verdade. E o senhor ministro até já compreendeu na prática que tem de ser adaptada à realidade portuguesa.
- Que o Estado é ineficiente. É, mas também há muita gente que trabalha no Estado e que produz bem. Já viu como os indicadores de mortalidade infantil e de longevidade melhoraram tanto depois do 25 de Abril? Que em vez de se descredibilizarem os funcionários públicos, os professores, os médicos, os técnicos de transportes, se deviam sentar à volta de uma mesa, revendo formas de organização, de trabalho em equipa, de tomada de decisões, de fazer valer os critérios técnicos da profissão sobre os critérios burocráticos e jurídicos? (para quê perder tempo em mudar uma lei se o problema está na forma como se interpreta e aplica a lei, ou nas condições externas à empresa que impedem a sua eficácia)
- que os nossos gestores precisam de formação e reciclagem (com exceções, claro). Nada a opor, mas temos aqui mais uma oportunidade para resolver as coisas à volta de uma mesa.Talvez seja mais aquela questão lugar-comum de ser necessário mudar as mentalidades… mas já viu o paradoxo? Está o governo a querer minimizar o Estado, e depois a iniciativa privada exibe a sua incapacidade…para onde está o governo a lançar a economia? E a propósito, não seria boa ideia o ministério da economia começar a divulgar análises sobre a dívida privada, interna e externa, e compará-la com a pública?
- e que os sindicatos estão anquilosados e são imobilistas, e que os partidos mais à esquerda também. Como dizia o doutor Cunhal, olhe que não, olhe que não. Se o que diz é verdade em demasiados casos, olhe, como dizia Álvaro Cunhal, que há muita gente nos sindicatos e nos partidos de que não gosta (e na sociedade civil, claro, como na iniciativa do congresso das alternativas, na iniciativa da auditoria cidadã…) que têm ideias abertas e propostas concretas para melhorias (a propósito, seria boa ideia o miinstério da Economia estudar o manifesto dos economistas aterrados e propor medidas…) e cuja participação no estudo de medidas seria muito útil ao país (por que cargas de água só o “arco governativo” há-de poder participar? Clari que a forma de participação tem de ser muito bem discutida, mas as ideias e propostas que já por aí a circular merecem debate alargado)

Citação d) – as receitas mágicas dos investimentos públicos. Ai, aqui todos sabemos que o senhor ministro Álvaro não é keynesiano.  Ninguém deve ser obrigado a ser uma coisa que não quer. Eu também não gostava que me obrigassem a ser seguidor de Hayeck, Friedman, Reagan ou Tatcher. Ficava pior que sei lá o quê. Não quero portanto que o senhor ministro Álvaro seja keynesiano à força. Mas, já que estamos na União Europeia, isso não é só para ter de aturar a superioridade germânica. É também para aproveitar os fundos de coesão para equipamento de infra-estruturas.
E muito gostaria que o ministério da Economia desse toda a atenção à prioridade 3 dos corredores da rede ferroviária  trans-europeia : Lisboa –Europa. Uma linha de alta velocidade pode ser mista, para passageiros e mercadorias  (embora seja mais cara do que apenas para passageiros, devido ao reforço do leito de via para suportar as mercadorias), e neste momento as duas valências são essenciais (porquê? Por razões ambientais, o que vem ao encontro da citação b),  a eficiencia energética do transporte ferroviário é muito superior à do transporte aéreo, desde que a  produção de energia elétrica  por combustíveis fósseis seja inferior a 60% , e há mais de 14 aviões Lisboa-Madrid por dia…) . A União Europeia pode elevar a sua participação até 90%. Mas são necessários os projetos completos. Porem, os senhores governantes não têm a perceção das variáveis técnicas (perspetiva de engenharia) em jogo, os senhores empreiteiros é aquele problema do lucro que têm de apresentar aos acionistas, não lhes interessa poupar nos percursos, e os projetistas, ai que já no IST me fazia tanta impressão os colegas quererem despachar os projetos sem os debater com trocas de impressões ou análise de alternativas, sem fugir à cópia dos projetos de anos anteriores...
Mas como se disse e diz o lugar-comum, é preciso mudar as mentalidades, alargar a participação e o debate…
O QREN é essencial para o crescimento, e pará-lo induziu prejuízos (retomar uma obra depois de a parar traz sobrecustos); substitui-lo apenas por formação não ajuda muito. No caso do TGV, é urgente refazer o projeto, agora que se pretende uma linha mista (o projeto anterior previa no troço português duas linhas, uma para mercadorias e outra para passageiros; conviria ainda renegociar no sentido de escolher melhor e mais curto  percurso em Espanha).
Aparentemente, o senhor ministro Álvaro já compreendeu a necessidade de relançamento do QREN, mas não pode enfrentar os sacerdotes do anti-investimento seus colegas (temos aqui outro paradoxo, os sacerdotes da iniciativa corajosa, inovadora e desafiadora dos riscos, são o cúmulo da prudência ao não quererem correr riscos em investimentos de infra-estruturas de utilidade pública).
Digo aparentemente, porque o senhor ministro Álvaro já veio a público lamentar a desistência do empreendimento turístico do Alqueva.
É que o projeto “megalómano” do Alqueva, como dizia o senhor ministro em 2007, não era só o regadio que ainda hoje está por concluir, era também a produção de energia elétrica renovável que neste momento conta com cerca de 450 MW instalados, e, como complemento, o turismo.
Tanto o Alqueva, como o novo aeroporto, como o TGV, como o porto de Sines, integravam-se num conjunto de empreendimentos de interesse público planeados ainda antes do 25 de Abril de 1974.
E estava correto, o plano, não era megalomania, como se prova com o sucesso do porto e das refinarias de Sines e com a produção de energia elétrica no Alqueva.
Pena ficar a faltar o regadio para contribuir para a autonomia alimentar do país, o TGV para cortar nos desperdícios do transporte aéreo de curta distancia (dado que o percurso em velocidade e altitude de cruzeiro é curto, a eficiência do transporte aéreo neste caso também é), e o novo aeroporto, já que o da Portela está a rebentar pelas costuras em termos de numero de passageiros.



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