Exmo
Sr Ministro do Ambiente
Exmo
Sr Secretário de Estado Adjunto e do Ambiente
Exmo
Sr Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
Exmo
Sr Presidente do CA do Metropolitano de
Lisboa
Exmo
Sr Vereador da CML João Paulo Saraiva
cc
Exmo
Sr Bastonário da Ordem dos Engenheiros
Grupos
Parlamentares da Assembleia da República
Na
qualidade de técnico de transportes, na situação de reformado, e de cidadão,
tomo a liberdade de enviar a V.Exas um comentário crítico ao projeto de ligação
da linha amarela do metropolitano de Lisboa ao Cais do Sodré.
Ao
tomar conhecimento pela imprensa, em dezembro de 2016, das declarações do senhor ministro do Ambiente e do senhor
presidente da CML sobre o referido projeto de ligação, assente no conceito de
linha circular, enviei à consideração de ambos um texto que julgo justificar a
má aplicação dos dinheiros públicos nessa obra, com os inconvenientes para a
exploração de uma linha circular com as caraterísticas propostas.
Do
ministério do Ambiente recebi um amável ofício informando que a minha
sugestão iria ser considerada.
Da
CML recebi um também amável ofício sugerindo o contacto, por “não enquadramento
do assunto nas competências desta entidade”, com o metropolitano de Lisboa.
Em
16 de janeiro tive oportunidade de participar num interessante seminário sobre
investimento público promovido pela CML, Ordem dos Engenheiros e UACS, e em que
o senhor presidente da CML e o senhor vereador João Paulo Saraiva fizeram pertinentes
intervenções com informação sobre os
investimentos programados, sendo referida, a propósito da gestão da mobilidade
metropolitana, a ligação da linha amarela do metro ao Cais do Sodré.
No
período de perguntas à assistencia foi proposto pelo Eng.Pompeu Santos, notável
técnico de infraestruturas de transportes, a realização de um debate aberto
sobre a expansão da linha amarela, em contraste com o secretismo da tomada de
decisão publicitada pelos senhores ministro e presidente da CML como facto
consumado. O que aliás foi ao encontro das recomendações no próprio seminário
contra a ineficiência nos investimentos, através duma divulgação pública referendada
dos estudos prévios e das alternativas.
Por
razões deontológicas, não devo pôr em causa os colegas que no atual universo do
metropolitano prepararam os estudos prévios que agora serviram de base à
decisão superior. Posso porém comentar as afirmações públicas do senhor
ministro, que fundamentou a decisão no melhor acesso à cidade dos passageiros
do transporte fluvial, no menor custo e
nas estimativas de procura de origem-destino. E contra argumentar:
-
que uma rede de metro diversificada em várias linhas como a existente faz a
ligação à cidade com a correta exploração das linhas e dos nós de
correspondencia, desde que dotados dos recursos próprios de uma rede de
metropolitano, sem necessidade de obra nova para se ter uma linha circular
-
que o custo da ligação Rato-Cais do Sodré é menor na globalidade devido à sua
menor extensão, mas o custo por km é superior, quando comparado com a expansão
da linha vermelha ou da própria linha amarela, a Alcantara, assim como os
custos financeiros por passageiro.km estimados são maiores, por razões de
escala, isto é, a produtividade do investimento é menor
-
que por razões também de escala da área envolvida e que por o sistema da
habitação e dos setores secundário e terciário na cidade se encontrar
desestruturado devido à desertificação e à deslocalização de empresas para as
zonas suburbanas, as margens de erro das estimativas de procura e de origem
destino são consideráveis (isto é, o polo de atração de passageiros
concentrou-se na zona de serviços da avenida da República quando numa
organização normal do território urbano existiriam outros polos, pelo que a
nova rede saída das matrizes origem destino não corrigirá com elevada
probabilidade esta discrepancia)
- que uma linha circular como a proposta tem graves
inconvenientes para a sua exploração e tem
uma área de influencia pequena. As linhas
circulares justificam-se quando o seu “diâmetro” é significativo, de modo a
fazerem o seu papel de distribuição de fluxos de passageiros por vários eixos
de penetração. Entre estações das linhas amarela e verde existem
atualmente distancias da ordem de 600 e 900 metros com uma média, entre
Campo Grande e Baixa Chiado, de 1060 metros. Numa cidade em que a distancia
média dos habitantes a uma estação de metro é superior, parece mal empregado o
dinheiro investido na criação de uma linha circular de “diâmetro” tão pequeno.
Do ponto de vista da topologia, nas zonas de estações próximas a linha circular
corresponde a uma única linha com 2 vias no sentido sul-norte e outras 2 no
sentido norte-sul.
Devo ainda sublinhar, com base na experiência de manutenção e de
exploração da rede, o grave inconveniente de uma linha circular que consiste em
que uma perturbação em qualquer dos seus pontos afeta toda a linha, coisa que
não acontece com 2 linhas independentes. Igualmente uma linha em “V”, análoga à
existente antes das correções dos anos 90 (desconexão da Rotunda e cruzamento
das linhas verde e azul em Baixa-Chiado), com o ponto mais carregado no
vértice, ou linhas com “bifurcações”, enfermam do mesmo inconveniente, por
caraterísticas diferentes da procura em troços em série e sujeição a
contaminação de perturbações (exceso de afluencia numa estação, avaria de um
comboio ou de equipamentos fixos, por exemplo).
-
que é um erro privilegiar critérios financeiros em
detrimento de razões técnicas. Compreende-se que é dificil preparar
processos de financiamento e encontrar financiamentos. Mas é um
erro justificar uma expansão só porque se obteve financiamento, como é dito
agora. Um exemplo desse erro foi a expansão da estação Oriente ao Aeroporto,
envolvendo uma obra complexa e carissima, com curvas e declives contraindicados
em linhas de metro, quando teria sido muito mais económico construir uma linha
independente parcialmente em viaduto, do Campo Grande a Oriente, com
correspondencia nestas estações com as linhas verde e amarela, e a linha
vermelha, respetivamente.
- que uma das
principais causas apontadas no seminário referido para os erros em
investimentos, citando-se Flyvbjerg
consiste no “divórcio” entre projetistas e responsáveis pela
exploração e manutenção das infraestruturas. Ou por outras palavras, “quem
projeta uma instalação não é quem vai explorá-la ou mantê-la”, ou simplesmente
não tem a experiência da sua exploração ou manutenção, e por isso pode não ter
sensibilidade para sentir os inconvenientes referidos, ou facilmente ignora os
sobrecustos que recaem sobre outras entidades ao longo da vida útil da
infraestrutura, considerada numa perspetiva de LCC (life cycle cost). Por
exemplo, o declive elevado entre Rato e Cais do Sodré implica um consumo
adicional de energia; a profundidade da estação Estrela implica gastos
adicionais na ventilação e escadas mecânicas. Numa altura em que o
metropolitano é tão acusado de fornecer um serviço com perturbações, convem sublinhar
este aspeto, apesar de, obviamente, se poder explorar a linha parcialmente,
enquanto o troço com avaria está desativado. Porém, isso exige tempo com toda a
linha parada e envolve alguns riscos. A inexistencia de términos numa linha
circular limita ainda a capacidade de recuperação do intervalo entre comboios
(a otimização da oferta depende da regularidade da exploração) após
perturbações por excesso de afluência ou por avarias.
Porém,
a deontologia não me condiciona na critica ao atual plano, reconhecidamente elaborado
por técnicos competentes, enquanto derivado do plano do MOPT de 2009, dada a
distancia a que nos encontramos desse tempo. De facto, e afirmo-o como
testemunha, o plano de 2009 foi elaborado no metropolitano de Lisboa ao arrepio
dos pareceres dos colegas com mais experiência na exploração da rede, e sua
manutenção e desenvolvimento de infraestruturas. É verdade que a engenharia não
é uma ciência exata e os resultados dos estudos prévios e análises custo
benefício dependem de pressupostos e variáveis que podem ser medidos ou
avaliados de maneiras diferentes e que muitas vezes só podem ser confirmados
depois da obra executada. Por isso no seminário foi citado Flyvbjerg e por isso saiu do seminário a ideia,
contrária ao facto consumado da decisão pelo prolongamento da linha amarela ao
Cais do Sodré, que só um debate alargado com a consideração e a não desvalorização
de alternativas poderá conduzir a uma boa decisão.
Existem
de facto alternativas, como aliás referido pelo senhor ministro, e que
independentemente de poderem ser menos classificadas em estudos de procura, os
quais não são necessariamente de decisão determinista considerando a sua margem
de erro, têm vantagens, pelo menos a médio prazo, nomeadamente em menores
custos unitários de construção, operação e manutenção, e de indicadores operacionais e financeiros. Inclusivamente,
podem realizar-se de forma faseada, por exemplo Rato-Alcântara, poderá
dispensar numa primeira fase a construção das estações Estrela e Infante Santo;
na alternativa S.Sebastião-Alcântara (ou Alvito) poderá resumir-se a primeira
fase à construção da estação Campo de Ourique/Amoreiras (dispensando a estação
Campolide) com “park and ride” em Campo de Ourique-Norte para serviço da A5.
Gostaria
ainda de sublinhar que qualquer investimento em metropolitanos deverá
considerar de forma integrada a problemática da área metropolitana,
alertando-se para o risco de que outros projetos para o nó de Alcântara possam
impedir o acesso do metropolitano a Alcântara e a correspondência com a linha
de Cascais e a linha da ponte 25 de abril. A extensão do metropolitano a
Alcântara é compatível com a ligação de serviço entre a linha de Cascais e a
linha de cintura (alerta-se que esta é uma linha já congestionada, não vocacionada
para o serviço comum entre as linhas de Cascais e de Sintra) e o serviço
ferroviário do terminal de contentores de Alcântara, desde que os projetos
sejam desenvolvidos de forma integrada e não separadamente.
Por
tudo isto, apelo a V.Exas no sentido de autorizarem a promoção do referido
debate alargado, não para publicitar a primazia do conteúdo de um facto
consumado, mas na procura da solução mais adequada e fundamentada do ponto de
vista de serviço e interesse público.
Ao
dispor para eventuais esclarecimentos, apresento os melhores cumprimentos
Fernando
Santos e Silva
especialista
de transportes pela Ordem dos Engenheiros, nº 10973
ver tb:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2017/11/a-expansao-da-rede-do-metropolitano-de.html
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http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2017/11/a-expansao-da-rede-do-metropolitano-de.html
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