Confesso que me emociono com facilidade. Aconteceu-me
ao ouvir a notícia da morte de duas adolescentes por atropelamento a cerca de
900 metros do apeadeiro de Vila Nova de Anços, junto da via da linha do Norte,
possivelmente por efeito de sucção por um comboio de alta velocidade. Escrevi
ao GISAF pedindo a investigação do acidente na espetativa de uma recomendação
de divulgação pública dos perigos perto de comboios de alta velocidade em
movimento, especialmente junto de jovens e de idosos.
Recebi como resposta (facto que em si deve realçar-se como positivo) que
a falta de meios contraindica a afetação de investigadores a casos como este, e
que terá sido “trespassing”, isto é, entrada em terreno de cesso proibido.
Sem discordar da classificação de “trespassing” e
lamentando a realidade da falta de meios, mas relembrando os casos intoleráveis
de atropelamento em passadeiras de peões em estações e apeadeiros, nomeadamento
o recente caso em 16 de janeiro em Carvalheira-Ovar com um jovem de 15 anos que
corria para o comboio que o levaria à escola, insisti enviando ao GISAF o
resultado da minha visita ao apeadeiro de Vila Nova de Anços na linh do Norte,
e de Reveles, na linha suburbana Coimbra-Figueira, o qual serve a povoação de
uma das vítimas. Para mim, não estão reunidas as condições de segurança para os
peões nem na linha do Norte, com comboios de velocidade elevada, nem na linha
Coimbra-Figueira, com o gritante acesso à via férrea sem vedações.
Lamenta-se profundamente a carência de meios
financeiros, embora existam no país meios humanos que poderiam fazer as
investigações. Existem relatórios por concluir de acidentes de 2006. Como
agravante, a junção ao GISAF do gabinete de investigação de acidentes com
aeronaves, o que só se justificaria se ambos os gabinetes estivessem dotados de
meios suficientes. Assim, fica a desconfiança que a decisão do governo teve
apenas como motivo a divergencia com o anterior diretor do segundo gabinete.
No caso das duas adolescentes, por exemplo, as
autópsias deveriam permitir a reconstituição rigorosa do acidente e se foi ou
não efeito de sucção. Deverão fazer-se experiências com manequins.. Igualmente
é urgente um plano consistente e faseado de supressão de passadeiras de peões e
uma campanha na televisão contra os perigos perto da passagem de comboioses especialmente
de velociade elevada. Deveria acabar a sobranceria com que o operador
ferroviário critica as próprias vítimas. Comboios de velocidade elevada devem
circular em canais segregados não atravessáveis e com distancia de segurança a
obstáculos e peões. Ao argumento “não há dinheiro”, só posso responder que o transporte
rodoviário, responsável por importações massivas de combustíveis fósseis, terá
de contribuir mais fortemente para a correção destas inconformidades.
Junto os textos que enviei ao GISAF, incluindo
fotografias com recomendações de correção de inconformidades, como vedações e
avisos insuficientes ou inexistentes (deverá existir aviso de perigo de morte),
cais baixos e hábitos de caminhar junto da via
1ª missiva:
Consultando hoje o vosso site
verifica-se que não está a decorrer nenhum inquérito á
morte das duas adolescentes em Vila Nova de Anços em 7 de dezembro de 2016.
Dada a gravidade do acidente, parecerá que deverão ser
analisadas em profundidade as circunstancias e as causas do acontecido, e
elaboradas recomendações para tornar segura a exploração com comboios de
elevada velocidade.
De facto, a comunicação social criou a ideia de que o
acidente foi causado pelo uso de auriculares, o que poderá ter sido uma
circunstancia que favoreceu o acidente. Mas a tónica poderá ser os riscos de
sucção pelo deslocamento de ar em velocidade elevada, o que implicará a
divulgação pública da distancia de segurança aos comboios com essa velocidade,
nomeadamente nos bordos dos cais. Recordo o acidente que vitimou 2 agentes da
polícia em Santa Iria da Azoia, em zona de elevada velocidade.
A ocorrencia de acidentes semelhantes, nomeadamente
junto da estação do Fogueteiro, justifica uma análise rigorosa das condições em
que um comboio pode parar fora do cais da estação ou apeadeiro ou em que a
separação entre a zona de paragem e a via não é clara. Pessoalmente, conheço
vários casos na linha Alfarelos-Figueira em que o acesso à via não está
devidamente sinalizado. Em caso extremo, poderá propor-se a instalação de
detetores de descida à via nas extremidades dos cais.
Esta problemática está relacionada com as travessias
pedonais das vias férreas, mesmo as protegidas com semáforos para peões, uma
vez que velocidades superiores a 40 m/s são incompatíveis com o tempo de reação
e a velocidade de deslocação de uma pessoa idosa.
As recomendações saídas desses inquéritos
contribuiriam assim para o aumento da segurança das circulações dos comboios de
velocidade elevada.
Com os melhores cumprimentos
2ª missiva:
Em primeiro lugar, devo agradecer a cuidada resposta ao meu email sobre a
morte das duas adolescentes em Vila Nova de Anços.
Infelizmente, a carência de recursos referida é um fator limitativo
da identificação de causas que impedem melhorias de segurança no transporte
ferroviário.
Porém, o objetivo de qualquer operador deve ser a segurança, a eficiência e
o conforto do seu transporte. E esse objetivo é independente de legislação,
como o DL 394/2007 (cujo preâmbulo é aliás claro na intenção de tornar públicos
os resultados dos inquéritos e que prevê a sua aplicabilidade a acidentes com
pessoas por motivo de material circulante em movimento no art2º-2d) , e é
incompatível com a repetição dos atropelamentos de pessoas, especialmente
jovens e idosos. Como estabelecem as boas práticas, toda a atividade de um
operador ferida de inconformidade deve ser monitorizada por uma entidade
independente.
Mais uma vez, em 16 de janeiro, uma morte de um jovem de 15 anos, em
Carvalheira-Ovar por um comboio de alta velocidade, provavelmente numa passagem
de nível.
Peço por isso desculpa por discordar da vossa argumentação para não
realizar a investigação sobre a morte das duas adolescentes. Pessoalmente
chocam-me as justificações apresentadas pela Refer depois dos acidentes,
mostrando á opinião pública que as vítimas iam distraídas, usavam phones ou
telemóveis, e não cumpriam as determinações de segurança nos locais.
Omitindo um facto muito simples, que é a principal causa dos acidentes: o
canal ferroviário deve estar completamente segregado da circulação pedonal. É
por exemplo impossível, por mais perfeitos que sejam os dispositivos de
segurança (em análise de riscos, impossível é sinónimo de muito pequena
probabilidade de ocorrência, não significa de probabilidade zero) atravessar em
segurança passagens de nível em apeadeiros considerando a velocidade de 40 m/s
(junto uma análise do atropelamento em Riachos, em 2010: http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2010/06/proponho-vos-que-vejam-esta-tabela-word.html) .
É mesmo intolerável que em estações como Coimbra ou Alfarelos, em que julgo
a velocidade imposta para circulações sem paragem será de 20m/s, os passageiros
sejam obrigados a atravessar uma passadeira.
É verdade também aqui a carência de recursos para as obras necessárias, mas
deve destacar-se que a REFER tem realizado obras de melhorias e que é possível
um plano faseado plurianual de melhorias. A estação de Pombal, por exemplo, tem
ligações subterraneas entre os cais (lamenta-se apenas a inoperacionalidade dos
elevadores) e o próprio apeadeiro de Vila Nova de Anços tem uma passagem
subterrânea.
Outro argumento que quanto a mim justifica o inquérito é o conhecimento e a
prática que as duas meninas teriam das infraestruturas ferroviárias. Estariam
habituadas ao ramal entre Alfarelos e as estações que servem as povoações em
que viviam, Reveles e Montemor o Velho, em que o acesso à via não está vedado,
pelo que os avisos existentes em Vila Nova de Anços se poderão considerar
insuficientes.
Sem contestar a classificação jurídica de “trespassing”, os letreiros
de proibição de acesso à via e sinais de proibição para peões existentes
em Vila Nova de Anços ( não existentes em Reveles e parcialmente em Montemor)
não são complementados com vedações expressivas. Aliás, quando se anunciam
coimas deverá existir a possibilidade de fiscalização, ainda que aleatória, o
que não é o caso (o letreiro diz “sujeito a coima”, não refere “perigo de
morte”).
Por exemplo, existe um espaço de cerca de 40 cm entre a guarda longitudinal
e a borda do cais, por onde é fácil passar . Seria aplicável uma cancela
do tipo da usada no metropolitano ou uma cancela amovível apenas pelo pessoal
técnico. Os vestígios de um cais antigo, mais baixo, ajudam à perceção de
caminho possível. A baixa altura do próprio cais facilita a descida à via
(compreende-se a dificuldade para o material circulante de mexer na altura dos
cais, mas há espaço para os subir um pouco). No caso da via ascendente
(Po), junto do muro da passagem subterranea, a vedação de rede foi arrancada
possibilitando o caminho do lado da via. Do lado da via descendente (Na) a
altura do muro que limita ao norte o acesso ao cais é insuficiente. No
caso da via descendente, onde julgo que se deu o acidente, é visivel um
carreiro indiciador de passagem de pessoas.
Junto algumas fotos mostrando a deficiencia de vedação dos cais cuja
correção ou melhoria, por induzirem habituação do acesso à via, poderia ser uma
das recomendações do inquérito, juntamente com a necessidade de uma ampla
campanha nos meios de informação sobre os riscos de proximidade dum comboio em
alta velocidade e a inclusão nos letreiros da informação de risco de morte.
Relativamente ao acidente em Carvalheira Ovar, espero que eventual
investigação recomende a interdição de atravessamento e a construção de
passagens aéreas ou subterraneas.
Com os melhores cumprimentos
Fotos com observações:
Vila Nova de Anços, lado sul; a corrigir pequeno espaço entre a guarda e a borda do cais, e a pouca
altura do cais
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Vila Nova de Anços lado norte: a corrigir pouca altura do muro limite, pequeno espaço entre a guarda e o bordo do cais, pouca altura do acesso ao cais |
via descendente a norte do apeadeiro de Vila Nova de Anços: carreiro
ao lado da via; a corrigir o acesso à via
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Vila Nova de Anços via ascendente lado norte: a corrigir vedação arrancada junto
de um caminho técnico e caminho técnico no enfiamento do cais
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a corrigir pequeno espaço entre a guarda e o bordo do cais, a pouca altura do
cais e do acesso pedonal, a pouca altura dos muros
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a corrigir a pouca altura dos cais |
em Verride a corrigir a passagem livre do cais e da envolvente para a via férrea |
em Reveles acesso direto à via; tabuleta antiga de proibição
de circulação
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extremidade poente do cais de Reveles
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em Montemor o Velho passagem livre da rodovia para a via férrea
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em Alfarelos, ausencia de proibição de descida à via nas
extremidades poente dos cais (acessos técnicos)
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PS em 2 de fevereirode 2017 - Depois de enviar o texto e fotos acima à IP/REFER, recebi uma resposta cortês, mas informando que o assunto não era com a IP/REFER mas sim com a polícia judiciária, uma vez que as infraestruturas estavam corretas. Só posso lamentar que se dê uma resposta destas. Continuaremos a assistir a atropelamentos em passagens de nível e em infraestruturas que não segregam os comboios rápidos das pessoas. Lamentável não podermos modificar esta cultura.
Como sempre, um trabalho notável em prol da Pátria!
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