Há 50 anos atrás, o meu professor de aplicações de eletricidade falou-nos dos processos de transporte e armazenamento de energia.
Já eram conhecidos todos os processos de conversão de energia, embora as tecnologias disponíveis na altura não permitissem a sua aplicação comercial.
Lembro-me de ele falar nos depósitos subterrâneos de gás natural e de ar comprimido.
Passados estes anos, projetos para o desenvolvimento desses depósitos são objeto do planeamento e do financiamento da União Europeia.
Porquê? porque a produção de energia a partir do solar fotovoltaico e das eólicas é intermitente ao longo do dia. O armazenamento permite guardar a energia de modo a fprnecê-la mais tarde à rede, quando houver consumidores.
Este é um mecanismo que os economistas e os juristas, e os políticos, claro, souberam rodear de cláusulas e condicionantes definindo tarifas, rendas e reequilíbrios financeiros que, no contexto da liberalização e da separação das redes de produção, de transmissão e de distribuição, pelo menos para mim, que na cadeira de aplicações de eletricidade só aprendi fórmulas rudimentares de economia de eletricidade, são difíceis de apreender.
Mas o que apreendi também nas aulas de aplicações de eletricidade, talvez afastando-nos do domínio restrito da racionalidade, foi o ideal de serviço público, de aplicação da tecnologia ao bem estar das comunidades.
E disponibilizar às pessoas, às empresas e às instituições a energia elétrica, obtendo-a a partir das suas formas na natureza, desde então me pareceu um objetivo nobre.
E sim, já então havia preocupações ambientais, já se calculava quantos gramas de CO2 tinham de se libertar para produzir 1 kWh e como seria possível reduzir esse número.
Centrais hidroelétricas, na continuação de uma estratégia progressivamente desenvolvida desde o princípio do século XX, era a tecnologia mais difundida.
Era a altura da construção da barragem do Alto Rabagão, e o nosso professor com orgulho, dizia-nos que os grupos eram reversíveis, que podiam bombear a àgua para a albufeira, gastando energia quando havia pouco consumo, para depois ela ser turbinada quando houvesse procura (também nos disse que a altura da barragem tinha sido reduzida, relativamente ao projeto, por razões de segurança sísmica).
Passados 50 anos, queixamo-nos alguns de termos capacidade eólica instalada em excesso, e que não precisamos de desenvolver a solar fotovoltaica (e contudo, a intermitencia da conjugação das duas reduz-se porque quando não há sol pode haver vento) nem instalar mais eólicas.
Precisamos porém de centrais de combustíveis fósseis (gás natural, que é menos poluente do que o carvão, cujas centrais vão ter de fechar) para garantir a compensação da insuficiencia por intermitencia das renováveis.
E aqui eu diria que para isso talvez possamos dispensar as centrais de combustivel fóssil dentro de 10 a 30 anos. Entretanto deveríamos desenvolver as barragens com bombagem (de que é um bom exemplo Venda Nova III), continuar a instalação de eólicas e solar fotovoltaico (talvez também o solar térmico com sais), a produção local de hidrogénio por eletrólise em períodos de excesso de produção que poderá ser utilizado depois em transporte (tração por hidrogéno) e em aquecimento doméstico (redes de bairro, por exemplo, alimentando células de combustível e bombas de calor) e especialmente, escoar pela exportação, não para Espanha (que também tem excesso de produção de renováveis), mas para o resto da Europa, o excedente da nossa produção de renováveis.
Choca-me, emocionalmente, ver o clamor que os ecologistas levantam contra as barragens. Que destroi ecosistemas, biodiversidade e emite metano pelo apodrecimento da vegetação devido à acumulação de água. O recente colapso de uma barragem de barreira de terra que limitava uma bacia de resíduos de mineração no Brasil serve-lhes para agitarem o papão do colapso de novas barragens como a do Fridão, a 13 km a montante de Amarante.
Melhor do que eu poderiam os colegas da especialidade explicar que as barragens das centrais hidroelétricas obedecem a critérios de segurança que não se verificaram no Brasil, nem tampouco nos dois desastres com barragens na Europa: em Frejus, em 1959, que aliás era uma barragem para irrigação, construida sem a análise geológica dos solos, com um projeto minimalista e que colapsou na fase final do primeiro enchimento, quando sobreveio chuva excecional e o operador não foi autorizado pela direção a abrir os descarregadores de cheia; em Vajont em 1963 devido a um deslisamento de terras depois de muitos deslisamentos ignorados pelos técnicos, o qual fez transbordar a água da albufeira sem destruir a barragem. Nos USA ocorreu em 1976 , em Teton, o colapso de uma barragem de barreira de terra construida sem sondagens geológicas.
Choca-me ler o que alguns ecologistas defendem, que os rios devem correr para o mar sem represas. Não só porque se desperdiça energia, mas porque não se regularizam os caudais, com risco de cheias para as populações.
Quanto aos riscos de colapso, eles são estudados e regulados por lei
( https://www.apambiente.pt/index.php?ref=16&subref=7&sub2ref=31&sub3ref=1286 ),
e evidentemente seria desejável reforçar as medidas de segurança. Por exemplo, em Fridão, existe no projeto imediatamente a jusante uma barragem de regularização com descarregadores de cheia. Julgo que será até possível estudar e implementar sistemas de dissipação da energia da onda após rotura e de desvio dessa onda para bacias de retenção e dissipação, para além naturalmente de sistema duplo de alarme. Isso permitiria garantir a obrigação legal de 30 minutos até atingir uma povoação e de limitar a altura da onda ao atingi-la.
Mas os nossos concidãos ecologistas não contemporizam, opõem-se simplesmente, dizem não, quer seja uma solução mitigada para a barragem do Tua (recusaram a proposta da cota de 140m em vez da cota de 175m com que foi construida) e localização mais a montante evitando a destruição do viaduto das Presas, quer seja a instalação de mais eólicas, devido aos acidentes com aves. Opõem-se a qualquer plano de barragens. Ingenuamente sustentam que basta melhorar a eficiencia dos consumos para que não seja necessário produzir mais energia. Não querem portanto mais capacidade instalada, nem querem centrais elétricas de gás natural. Recusam a relação entre o PIB, o desenvolvimento civilizacional e a produção de energia.
Estes sintomas não são exclusivos de Portugal. Os movimentos ecologistas francês e alemão congratularam-se com a reprovação pelos reguladores francês e espanhol do projeto do gasoduto de gás natural do leste dos Pirineus. Acham que as atuais fontes de abastecimento são suficientes e que o gás natural deve ser banido rapidamente. Os reguladores basearam-se num estudo finlandês que diz que não há mercado para o gasoduto, e que ele só seria economicamente viável se não houvesse os atuais circuitos de fornecimento de gás à Europa, os gasodutos russos (de que aliás se prevê a construção de novos) e o transporte marítimo com origem nos USA e na Nigéria. Espanha recebe gás da Argélia por gasoduto com interligação a Portugal. Portugal recebe também gás natural por via maritima, através de Sines, com origem na Nigéria, Qatar e Guiné Equatorial.
De facto, no caso da eletricidade não existe viabilidade da instalação de mais renováveis sem garantir a possibilidade de exportação. Não são necessárias ligações diretas de Portugal a França, basta ter as interligações com Espanha e esta tê-las com França, com capacidade suficiente (contudo, seria razoável a instalação de cabos submarinos para transmissão de energia elétrica a muito alta tensão contínua entre o Minho e a costa francesa da Biscaia).
Isto aplica-se não só á eletricidade, mas também aos gasodutos de gás natural.
Não desenvolver as ligações transfronteiriças significa assim manter um nível de exportações de energia muito inferior às potencialidades. Potencialidades essas, no caso da eletricidade, exportando o excesso da produção renovável para suprir a retirada progressiva das centrais nucleares de França e Alemanha e das centrais nucleares e de carvão da Alemanha. No caso do gás, exportando para constituir uma alternativa ao gás russo na Europa central, valorizando o porto e as instalações de tratamento de gás de Sines como ponto de chegada do gás por via marítima. O investimento poderá ser assim amortizável por um prazo de 10 a 30 anos considerando a utilização do gás não só para produção de eletricidade mas para tração rodoviária, ferroviária e marítima (é essencial substituir por gás natural o combustível dos navios, rico em enxofre e óxido de azoto responsáveis pelo agravamento de doenças como a obstrução respiratória crónica, não é apenas o problema da emissão de CO2) num programa coerente com a progressiva descarbonização. O cofinanciamento comunitário está previsto, aguardando propostas concretas, e é importante que seja combatida e revertida a resolução imobilista dos reguladores francês e espanhol e sobretudo evitar a retirada do gasoduto do leste dos Pirineus da lista de cofinanciamento comunitário.
Tudo isto, penso,devia merecer mais atenção da comunicação social e dos partidos e dos cidadãos, e ilustra bem a afirmação de Daniel Gros, há 4 anos, definindo o conflito de interesses, as forças em oposição, a oposição local, que tornam quase impossível uma consistente integração de Portugal na União Europeia, consolidando o seu carater de economia periférica e dependente, com o subsequente prejuízo do bem estar das suas populações:
"A razão pela qual ainda não existe uma boa interligação entre as redes de energia espanhola e francesa não é a falta de financiamento, mas a falta de vontade dos monopólios de ambos os lados da fronteira de abrir os seus mercados. Muitos projectos ferroviários e rodoviários também avançam lentamente, devido à oposição local e não à falta de financiamento. Estas são as verdadeiras barreiras ao investimento em infraestruturas na Europa. As grandes empresas europeias podem facilmente obter financiamento a taxas de juro próximas de zero." (ver:
https://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/economistas/daniel-gros/detalhe/a_europa_e_a_mania_dos_investimentos_mal_orientados )
E é esta triste verdade, a de grupos de interesses, económicos ou não, se oporem ao interesse comum e ao desenvolvimento das infraestruturas, que seria muito bom que fosse denunciada pela comunicação social.
https://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/economistas/daniel-gros/detalhe/a_europa_e_a_mania_dos_investimentos_mal_orientados )
E é esta triste verdade, a de grupos de interesses, económicos ou não, se oporem ao interesse comum e ao desenvolvimento das infraestruturas, que seria muito bom que fosse denunciada pela comunicação social.
mais informação:
projetos de interesse comum, interligações de eletricidade, gás, ar comprimido:
gasoduto do leste dos Pirineus
gas pipelines russos:
atualização em 20 de maio de 2022:
Sem comentários:
Enviar um comentário