Para quem discute o tema do aeroporto do Montijo
Embora alguns de nós vão dizendo
que estas trocas de impressões sobre o aeroporto do Montijo não levam a lado
nenhum porque cada um dificilmente altera a sua opinião, pessoalmente eu acho
que sempre vão aparecendo novos elementos ou novas perspetivas.
Além disso, a diversidade de
opiniões pode ter origem em muita ausência de informação disponível ou
deficiente divulgação da informação.
Por exemplo, não se sabe quando é
entregue o segundo EIA. Já li que será em março de 2019.
Não está também esclarecido em
quanto é que a Vinci contribuirá para as acessibilidades (uma vez que o que foi
divulgado é que havia 150 milhões, se não erro, para acessibilidades e para
deslocalização da força aérea).
Também se pode admitir que as
discussões apaixonadas sobre temas conflituosos têm origem na tendência crónica
dos humanos para, perante dois contendores, tomar partido por um deles emocionalmente,
razão fora, e uma vez sentindo-se integrado no grupo que defende essa posição,
tender a reforça-la para resistir aos argumentos adversos, do outro grupo,
precisamente para se sentir mais seguro no seu grupo, tenha ou não ele razão. Aliás,
como quase nada na natureza é certo e determinista abaixo de uma escala, ambos
os contendores têm argumentos certos. É biológico, é assim que se comportam as
espécies, e o nosso cérebro partiu da mesma base dos cérebros das outras
conflituosas espécies. Vejamos o que pensa sobre isto o Miguel Esteves Cardoso,
e que se aplica às nossas discussões: https://www.publico.pt/2019/01/31/politica/cronica/luta-politica-1860058
Mas o que é certo, ou talvez, é que, como dizem, não há dinheiro.
E contudo, há dinheiro para 8.000
milhões de euros para juros, 5.000 milhões para automóveis por ano e 4.000
milhões para a CGD, sem falar no Lone Star. E contudo, como diz o prof Marvão
Pereira, a quem penso que devemos dar atenção até porque assinou o nosso
manifesto da ilha ferroviária, a
abordagem recomendada é estabelecer, ou tentar estabelecer uma correlação entre
o PIB e as verbas para infraestruturas. E diz ele que a fórmula mais simples é
dizer que essas verbas estarão entre 1 e 4% do PIB consoante o grau de
desenvolvimento ou a taxa de crescimento do PIB. Por outras palavras, é difícil
sustentar que não há dinheiro se o país tem um PIB de 200 mil milhões.
Mas aqui entra a questão do
porquê de haver PIB mas não haver unhas para tocar, termos um rating baixo e estarmos dependentes dos Vinci para termos
aumento da capacidade aeroportuária. Socorrendo-me do artigo de opinião do João
Miguel Tavares, (embora não concorde que o objetivo deva ser punir os
responsáveis; como qualquer inquérito a acidentes ferroviários ou aéreos, o
objetivo deve ser entender como e porquê as coisas aconteceram e atuar para que
não voltem a acontecer – se o criminoso for “competente”, a probabilidade de
ser apanhado é pequena, e os castigos exemplares que forem aplicados sê-lo-ão
apenas aos outros, aos menos “qualificados”) penso que ele acertou quando diz
que muitas das decisões erradas das administrações da CGD foram tomadas contra
os pareceres dos técnicos da casa. Curiosamente, é o que acontece em atividades
tão distintas como por exemplo os museus, em que o diretor do museu de arte
antiga mandou passear a senhora ministra e demitiu-se, ou como no caso do
comandante Estevez, que julgo que já tinha criticado o facto dos pilotos não
serem ouvidos na sessão no LNEC em 2017 (https://fcsseratostenes.blogspot.com/2017/09/aeroporto-do-montijo-vii-custos-da.html) , como
no caso do metro, em que a administração e o governo não querem fazer o que os
técnicos que operam e mantêm o metro lhes dizem.
O problema é que quando o governo
sabe escolher os técnicos que lhes dizem o que querem ouvir ficamos encravados,
como no caso da IP e da politica ferroviária.
Com debates abertos e denuncias
públicas estas coisas resolviam-se, mas os profissionais da comunicação social
precisam de receber ao fim do mês, as organizações da transparência têm pouca
audiência e as associações profissionais
estarão ligeiramente entorpecidas ou fascinadas pelo canto de sereia do governo
que, diga-se a verdade, tem jogo de cintura, perícia em marketing e capacidade
de organização em geometria variável (PM-Min Finanças, PM-Min.Planeamento,
PM-Min.Ambiente).
Isto para dizer que sou forçado a
concordar que não temos opção para o Montijo, não temos dinheiro, faça-se a
vontade da Vinci.
Mas isso não impede de fazer umas
reflexões sobre três temas que vêm à baila quando se fala no aeroporto do
Montijo.
O primeiro tema é o das distancias. Recorrentemente se lê ou se vê
na televisão afirmar que o proposto novo aeroporto no CTA (Campo de tiro de
Alcochete) ficaria a 48 ou 50 km do Campo Pequeno. Segundo umas medidas no
Google Earth, não será bem assim, convindo no entanto recordar que o chamado
NAL de Canha não é a mesma coisa que o proposto aeroporto no CTA, este
localizado no local do atual aeródromo do CTA.
Resumo das distancias comparando
com a base aérea 6 (aeroporto do Montijo):
NAL/CTA-portão na
N118 7km
(estrada nova)
Portão na N118-portagens da PVG 10km (estrada
existente)
Portagens PVG-gare
Oriente 17,5
km ponte existente
Distancia NAL/CTA-gare Oriente 34,5km
NAL/Canha-portão na
N118 13,5km (estrada
nova)
Portão da N118-gare
Oriente 27,5km (estrada
e ponte existentes)
Distancia NAL/Canha-gare Oriente 41km
BA6-portagens PVG
6km (estrada
nova; pela circular externa
existente serão
12,5km)
portagens PVG-gare
Oriente 17,5km (estrada
e ponte existentes)
distancia BA6-gare
Oriente 23,5km
NAL/Rio Frio-portagens Pinhal
Novo 2,5km (estrada
nova)
Portagens Pinhal Novo-portagens
PVG 10,5km (autoestrada existente)
Portagens PVG-gare
Oriente 17,5km (estrada
e ponte existente)
Distancia NAL/Rio Frio-gare
Oriente 30,5km
Dado que vão 7km da gare do Oriente ao Campo Pequeno, temos que são 42 km da
gare do novo aeroporto do CTA até ao Campo Pequeno, comparando com 31 km da BA6
(se, e só se, for construída estrada nova, porque pela existente serão 37 km).
Curioso observar que é possível aproximar 2,5 km o novo aeroporto do CTA do
portão da EN118, sem ferir o corredor secundário das aves (existem processos de
afastar as aves:
e sem colidir com limite da reserva
natural/área primária estruturante. Isto é, a diferença em km pode ser da ordem
de 8 a 3 km . Em anexo imagem do google earth a que tentei sobrepor os limites
da reserva natural e os corredores conforme o PROTAML. Do ponto de vista
ambiental, resta por resolver no caso do CTA a questão da contaminação dos
lençois freáticos (contudo a DIA de 2008 dá o risco como médio) e a eventual
falta de água devido às alterações climáticas, uma vez que não é zona de
sobreiros (sê-lo-á a das ferrovias de ligação), coisas para que possivelmente a
engenharia da especialidade terá soluções.
Por curiosidade, compare-se com Londres: Heathrow está a 25 km de Regent´s
Park, e Gatwick a 47 km (claro que as ligações são melhores, mas repito que se
para aeroportos não há fundos comunitários, para ligações ferroviárias há, pelo
menos para as componentes suburbanas e de alta velocidade, como seria o caso).
O segundo dos temas, porque escolheu a Vinci a BA6 em vez duma 1ªfase
no CTA? É que pode colocar-se a questão, se eles soubessem o que sabem
hoje, talvez não se tivessem entusiasmado tanto com o Montijo. Outra hipótese
que se pode pôr é que afinal a grande aposta no aumento da capacidade
aeroportuária é na Portela . Puxá-la até aos 48 mov./h<>35 milhões
pass./ano (atenção que o taxiway de Figo Maduro ficou no tinteiro e não sei se
se comprou o tal sistema de controle aéreo que permite o e-merge, aliás
incompatível com alguns tipos de avião ainda em serviço) e o Montijo há-de ser
mais para cobrir as pontas, aumentando calmamente e atingindo em 2032 se o
crescimento for de 2% ao ano, os 20 e poucos mov./h<>15 milhões pass./ano.
São números da própria Vinci (https://fcsseratostenes.blogspot.com/2018/10/aeroporto-do-montijo-xii-proposito-das.html),
isto é, para além do Montijo ser uma solução limitada (pista de 2400m e contraindicações
referidas pelo comandante Estevez) é à partida uma solução transitória, própria
de quem não tem dinheiro, como é o nosso caso. E depois de 2032 se vê, nessa
altura talvez a Vinci arranje um plano de financiamento para ser o Estado a
pagar. Coisa que, salvo melhor opinião, era o que o contrato de concessão de
2012 dizia que o concessionário devia fazer e não fez, provavelmente porque era
impossível dado o rating da República. Ninguém lhe emprestava 2.000 milhões de
euros para a 1ªfase do CTA (e não 3600 milhões como foi propagandeado, para uma
pista, um estacionamento e uma gare otimizados não seria preciso tanto dinheiro)
, embora para os 1500 milhões da TTT e linha férrea pudesse haver fundos
comunitários (se, e só se, os anteprojetos estiverem feitos e fundamentados em
análise de custos benefícios). E ninguém emprestava à Vinci Mas reconheço que
para além disto, a dificuldade de mudar os postos de trabalho de tanta gente da
Portela para o CTA é muito grande (embora numa ótica de “brainstorming”, talvez
se pudesse analisar a sugestão em https://fcsseratostenes.blogspot.com/2017/06/aeroporto-do-montijo-v-nao-tirem-o.html
).
As pessoas não gostam de mudar. Por outro lado, os apetites imobiliários
ligados à cidade aeroportuária são fáceis de aplacar, existem leis para
expropriação por interesse público, e a um nível mais simples, existe a possibilidade
de taxação extraordinária dos licenciamentos de novas construções (o que foi
feito com as duas pontes sobre o Tejo). Em resumo, quando a Vinci diz que foi impossível
arranjar um financiamento para o CTA, é verdade, mas convinha explicar em que
circunstancias.
Sobre o terceiro tema, a questão jurídica, que não domino, é
provável que a análise seguinte esteja errada por falta de outras informações
ou falta de conhecimentos jurídicos. Nesta ligação o contrato de concessão de
2012, o qual foi alterado pelo acordo recente com a Vinci, mas que chamo à
colação na tentativa de perceber o que correu mal:
https://www.anac.pt/vPT/Generico/Noticias/noticias2013/Paginas/ContratodeConcessaodeServicoPublico.aspx?FrList=true&pagenr=6
https://www.anac.pt/vPT/Generico/Noticias/noticias2013/Paginas/ContratodeConcessaodeServicoPublico.aspx?FrList=true&pagenr=6
Vejamos o que diz (dizia) o
contrato no seu anexo 16, especificações mínimas para o novo aeroporto: “a capacidade deste sistema estima-se em 90
a 95 ATM/hora”. A cláusula 42.3 do contrato diz “a concessionária deve … apurar…se
o desenvolvimento de locais alternativos…se afigura mais eficiente e menos
dispendioso do que o desenvolvimento do NAL”.
Como se sabe, a alternativa
Montijo não cumpre o contrato, por ser menos eficiente (72=48+24 movimentos por
hora).
Nas
cláusulas 45.3 e 46.1d fala-se na
obrigação do concessionário apresentar um plano de financiamento para a
construção do novo aeroporto: “O relatório … deve incluir uma proposta
indicativa de desenvolvimento da capacidade aeroportuária para a área de Lisboa,
de acordo com as especificações mínimas … do anexo 16, ou de especificações alternativas
exigidas pelo concedente… compreendendo… propostas de financiamento da
construção…”. “ A candidatura ao NAL deve compreender…um relatório financeiro
que inclua a solução de financiamento proposta para o NAL e a confirmação da
disponibilidade das entidades financiadoras para financiar a construção do NAL”
.
Deduzo
eu, talvez mal dada a minha dificuldade de interpretação de um texto jurídico,
que o contrato não obrigava o concessionário a pagar o novo aeroporto ou a
alternativa, mas sim a apresentar uma proposta de financiamento. O que não fez,
provavelmente porque os negociadores e o governo, acharam que podiam contentar-se
com especificações menos eficientes, e porque não arranjaram financiadores,
preferindo que fosse a Vinci a pagar a obra e a ressarcir-se com as receitas de exploração. Isto é, os
negociadores e o governo terão achado a “oferta” da Vinci de pagar a obra
compensadora da perda de eficiência. .
Na verdade, o contrato de concessão não estava assim tão mal redigido como isso, uma vez que prevê a resolução do contrato de concessão no caso da concessionária não rever o processo de candidatura ao NAL conforme as especificações mais eficientes (cláusula 51) ou por não ser do interesse público (47.2c). Reconheço que juridicamente é dificil sustentar essa resolução. E para resgatar a concessão seria preciso dinheiro para devolver o investido pela concessionária, e depois seria preciso gerir a concessão devolvida. Isto é, é impossível.
Na verdade, o contrato de concessão não estava assim tão mal redigido como isso, uma vez que prevê a resolução do contrato de concessão no caso da concessionária não rever o processo de candidatura ao NAL conforme as especificações mais eficientes (cláusula 51) ou por não ser do interesse público (47.2c). Reconheço que juridicamente é dificil sustentar essa resolução. E para resgatar a concessão seria preciso dinheiro para devolver o investido pela concessionária, e depois seria preciso gerir a concessão devolvida. Isto é, é impossível.
Pelo
que dirá a Vinci, e com alguma propriedade, que por já não podermos dispor dos
3000 milhões recebidos pela venda da ANA por 50 anos para construir um novo
aeroporto com 2 pistas, e por termos uma proposta de solução que, apesar
de precária e com graves limitações, funcionará, teremos de engolir a solução
que nos é pro(im)posta, no fundo, por quem os pagou.
Mas eu acrescentarei que é
bom que o façamos sem nos calarmos.
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