Caro colega e amigo
Aprecio o entusiasmo e o conhecimento “por dentro” com que
fala do LRT, ou Light rail transit, ou como gosta de dizer, tram-train, e das potencialidades desse modo de
transporte para resolução dos problemas das nossas áreas metropolitanas.
Sem prejuízo, claro, das interligações com os outros modos
caraterísticos das áreas metropolitanas, o MRT (metro rail transit) e o CRT
(commuter, ou suburbano, rail transit).
E invoca, como palavra chave, a interoperabilidade, ou
utilização por veículos de modos diferentes, a mesma infraestrutura
ferroviária. E justifica com os fluxos, ou capacidades horárias de transporte.
O fluxo (capacidade horária por sentido) não é de facto o único critério, mas
acho estranho dizer que nunca se atingiram os 15000 passageiros por hora e
sentido. Confesso que não tenho os
números de exploração da altura, mas os engenheiros servem para dimensionar em
função das sobrecargas, e não devemos confundir velocidades médias ou fluxos
médios, com velocidades máximas ou fluxos máximos instantâneos, e muito menos
fluxo real com fluxo potencial, sendo que o que une estas duas grandezas é a taxa
de ocupação, que em transporte metropolitano já é boa se estiver compreendida
entre 20 e 30% (ficou célebre a ignorancia de um senhor ministro da economia
quando chegou ao seu ministério e criticou a taxa de ocupação do metropolitano
de Lisboa, equiparável à das redes homólogas). Os engenheiros devem pôr à
disposição da comunidade meios e
equipamentos, ou, invocando uma imagem evangélica, entoar endeixas e tocar
flauta; se a economia não cresceu para tirar todo o proveito dos investimentos
convinha ver bem porquê, talvez nos esquemas fraudulentos bancários e na excessiva dependencia
das importações, por exemplo.
Com intervalos inferiores a 3 minutos, que praticavamos no
princípio do século, com composições de 6 carruagens tinhamos 16000 passageiros
por hora e sentido. Salvo melhor opinião, uma área metropolitana com 2,8
milhões de habitantes e uma densidade populacional de 940 habitantes/km2 (1500
habitantes/km2 na área metropolitana norte) com 40% do PIB justifica um metro
pesado no seu núcleo.
Quanto à interoperabilidade, já a temos, é ver os atrasos
que mutuamente se provocam os suburbanos da margem sul, o pendular de Faro-Lisboa e os mercadorias.
Aproveitar a mesma infraestrutura para modos diversos só quando o que se requer
de cada um é suficientemente espaçado.
Além disso, partilhar, no caso do LRT, a infraestrutura com
o modo rodoviário traduz-se em sinistralidade e acumulação de atrasos devido
aos conflitos nos cruzamentos e consequente dilatação dos intervalos entre
comboios e menor velocidade comercial. A considerar ainda menor longevidade do material circulante
ou maiores custos unitários de manutenção quando sujeito a serviços intensivos
por fadiga de material, a menos que se opte por material com a mesma ordem de
grandeza do metro pesado.
Por outro lado, referindo o metro do Porto, convirá
referir-se que, de acordo com os números disponíveis em 2015, o serviço da dívida
por passageiro-km, que é o produto “vendido”de uma empresa de transportes, é
mais desfavorável no Porto do que em Lisboa (34 contra 20
centimos/passageiro-km, assim como a receita operacional (13 contra 15
centimos/passageiro-km).
Cita o exemplo de Karlsruhe, os pioneiros da interoperabilidade.
Um sucesso. Sem dúvida, mas o princípio da precaução recomenda prudencia ao
adotarmos sucessos estrangeiros. Insisto na questão da sinistralidade. Não
podemos comparar a disciplina dos peões e dos condutores alemães e portugueses
(citei-lhe já há uns anos o exemplo dum pastor alemão que tive: duma vez
fugiu-me e correu para uma família de turistas alemães; fizeram o ”paralítico”,
como se diz no teatro, especialmente o rapazito; de outra vez eram dois miúdos
portugueses; levantaram os braços, que é coisa que não deve fazer-se a um cão;
felizmente eu consegui apanhá-lo a tempo; é por estas e outras que não fico
deslumbrado com as imagens que chegam de Karlsruhe) . E além do mais, o distrito
de Karlsruhe, com uma área de 1100 km2, tem uma densidade de 400 habitantes /km2.
Karlsruhe tem uma população de 310.000 habitantes e a sua região um terço da
densidade populacional da area metropolitana de Lisboa norte (1300 km2).
Recomenda-se portanto prudencia (eu devia estar a juntar argumentos para martelar
a cabeça dos decisores em vez de consultar a wikipedia).
Tentando centrarmo-nos no problema, porque os bárbaros sitiam
a cidadela e nós estamos dentro dela a discutir fluxos, e invocando a
necessidade de planeamento estratégico, parece manter-se, dada a insistência do
próprio governo no interface com a linha de Cascais, a atualidade do plano estratégico de 1974 que
previa a expansão da rede do metro para Alcantara.
Concordo consigo que para ligar Cais do Sodré a Rato melhor
que o túnel do metro será uma linha LRT pela rua de S.Bento (tráfego rodoviário
exclusivo para moradores e sentido único) ou a promoção a LRT da existente linha de elétrico por Santos, S.João da Mata e
pela S.Domingos à Lapa (mesma restrição rodoviária). Até porque de Rato a Cais
do Sodré são menos de 2 km, o que para o critério TOD (transit oriented
development) de distancia máxima a uma estação de metro, é um pouco mais do que os 800m que proponho
para Lisboa. Mais uma razão para prolongarmos de S.Sebastião a Alcantara.
Porém aqui temos o grande problema das prioridades dos
decisores. Para o governo, o considerar tabu os grandes investimentos em
infraestruturas de transporte (pese embora o seu marketing do acordo com a
oposição para os fundos comunitários), para a CML a promoção imobiliária
(atenção, não estou a dizer que a CML é uma promotora imobiliária). Neste caso os
projetos imobiliários condicionam a solução para Alcantara (como classificar a
venda por 20 milhões de euros do triangulo dourado, um terreno ideal para
interface com a linha de Cascais?), obstaculizando o recurso à construção da
linha de metro em viaduto para reduzir os custos de exploração através da
redução das pendentes (notar que o atual plano de urbanização de Alcantara prevê
estações enterradas da linha de Cascais e do metro, a custos proibitivos,
portanto diferidos no tempo).
Então, se é mais importante o imobiliário do que uma rede de
metro corretamente projetada, e se é mandatório o serviço circular associando
os percursos das linhas verde e amarela (certamente porque uma vitória
eleitoral confere aos ganhadores o dom da infalibilidade e a dispensa de
apresentar os “estudos de procura” fundamentadores da decisão), então os
decisores já receberam alternativas limitadoras de danos, evitando a
intervenção nos viadutos poente de Campo Grande: 1 - linha em laço
Odivelas-Campo Grande-Rato-Cais do Sodré-Alvalade-Telheiras; 2- prolongamentos
Cais do Sodré-Amoreiras e S.Sebastião-Amoreiras-Campo de Ourique; 3 –
prolongamento Rato-Santos e interface através de passadiços cobertos e com
tapetes rolantes entre as estações Cais
do Sodré e Santos do metro e Santos da linha de Cascais. Como listei em:
Perante a pergunta: com os 200 milhões de euros anunciados
pelo governo para o fecho em linha circular (não devem chegar, considerando a
natureza dos trabalhos na 24 de julho e no Campo Grande), que fazer?
Primeiro, talvez para responder a
possíveis objeções de que “não temos dinheiro”, e evocando o exemplo das
reivindicações da Cultura (1% do orçamento de Estado), e a prática corrente nos paisses desenvolvidos
de dedicar 2 a 3% do PIB a investimentos em infraestruturas, direi que parece
sensato prever em Portugal cerca de 0,5% do PIB para investimento anual em
infraestruturas. Admitindo que o PIB da região de Lisboa é cerca de 40% do
nacional e visando uma quota de passageiros-km para o metropolitano de 20%,
teriamos para investir anualmente no metro:
0,4 x 175.000 x 0,005 x 0,2 = 70
milhões de euros por ano. Isto para não voltar a dizer que que uma
transferencia na área metropolitana de Lisboa de 10% do transporte individual
para o transporte ferroviário induziria, dada a maior eficiencia energética
deste, uma poupança anual de 30 milhões de euros.
Segundo, eu direi que antes de se escolher um percurso
devem-se estimar os custos e os benefícios de várias hipóteses e compará-las. Embora
pareça correto executar o plano estratégico de 1974 e avançar para Alcantara.
Então deixo aqui 4 hipóteses. Claro que os guardiões que nos
protegem contra os impactos visuais rasgarão as vestes, perdoe-se-me nova
invocação bíblica. Disparate, dirão eles, viadutos nas avenidas de Alcantara,
um deles para os comboios de mercadorias do terminal operado pela Ylderim em
Alcantara (sigo uma sugestão do presidente da Medway, concessionária da ex-CP
Carga, de que o nó de Alcantara só se resolverá com um plano (plano no sentido
topográfico, a uma cota mais elevada) para suportar tráfegos diferentes em níveis diferentes).
Ver os desenhos. Não pretendo que sejam as melhores
soluções. Pretendo apenas que rapidamente se estudem estas ou outras soluções e
se apresentem os respetivos anteprojetos como candidaturas aos fundos
comunitários.
Hipótese 1 – ligação direta da linha de Cascais
progressivamente (bitolas diferentes) à linha vernelha em viaduto ao longo da
rua de Cascais e em paralelo com uma linha de mercadorias; estudo de
prolongamento da linha amarela com interface no Alvito e prosseguimento para Ajuda,
Belém e Algés
Hipórese 2 – prolongamento
de S.Sebastião da linha vermelha com interface em viaduto sobre a estação de Alcantara
Mar da linha de Cascais; estudo de prolongamento da linha amarela com interface
no Alvito e prosseguimento para Ajuda, Belém e Algés
Hipótese 3 – – ligação direta da linha de Cascais
progressivamente (bitolas diferentes) à linha amarela em viaduto ao longo da
rua de Cascais e em paralelo com uma linha de mercadorias; estudo de
prolongamento da linha vermela com interface no Alvito e prosseguimento para Ajuda,
Belém e Algés
Hipótese 4 - prolongamento
de Rato da linha amarela com interface em viaduto sobre a estação de Alcantara
Mar da linha de Cascais; estudo de prolongamento da linha vermelha com
interface no Alvito e prosseguimento para Ajuda, Belém e Algés
Desenhos com mais pormenor:
Com um grande abraço, ao mesmo tempo que cito a frase final de um artigo de Wolfgang Munchau, no DN de hoje, sobre o descalabro da política financeira da UE: "se a alternativa é um grande salto na direção errada, ficar quieto será um progresso relativo".
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