Participação na consulta pública sore o troço Porto-Soure
O presente comentário é uma discordância e consequente reclamação por o proposto, do meu ponto de vista como cidadão de um país integrado na União Europeia, se afastar do ordenamento jurídico em que a ligação de alta velocidade Lisboa-Porto deve inserir-se. Os países da UE acordaram, através do regulamento 1315/2013 (atualmente em fase de revisão), tendo como objetivos a coesão, a promoção do comércio e a redução das emissões com efeito de estufa, a construção até 2030 de redes de transporte (TEN-T transeuropean network - transport) com destaque para a rede ferroviária única europeia de fusão do tráfego de passageiros e de mercadorias e suas ligações com os centros urbanos principais. Desta rede faz parte a linha Lisboa-Porto, de alta velocidade para passageiros e tráfego de mercadorias no período noturno, ambos os serviços com ligação internacional segundo os padrões de interoperabilidade claramente definidos no regulamento e ignorados pela presente proposta no que concerne à bitola standard UIC, de 1435 mm.
A discordância refere-se principalmente ao conceito base, que é o de uma ligação partilhada com ligações regionais que veio substituir o anterior conceito da RAVE de uma ligação direta numa linha nova com parâmetros de maior eficiência energética e de acordo com os critérios de interoperabilidade ferroviária definidos nos regulamentos europeus, incluindo o ERTMS e a bitola 1435mm, com vista à melhoria da coesão, estímulo das exportações e redução das emissões com efeito de estufa através da redução das viagens aéreas de curto curso e da transferência do tráfego de mercadorias rodoviário para a ferrovia.
O projeto da linha Lisboa-Porto não poderia fazer-se, segundo as boas práticas, sem considerar o âmbito mais vasto dum plano que inclua as ligações à Europa para além dos Pirinéus. Como referido acima, esse plano já existe no contexto jurídico sob a forma das redes TEN-T, cobrindo as ligações internacionais ferroviárias de passageiros e de mercadorias, tal como definido no regulamento 1315 em fase de revisão, perante o qual a posição oficial do governo e da IP é a de procurar sistematicamente medidas de isenção para fugir ao seu cumprimento. Por outro lado, aprovar um lote do traçado de cada vez, sem considerar o conjunto da linha com variantes verdadeiramente alternativas (isto é, eficientes em termos de engenharia de transportes), encerra o risco de incompatibilidade com as sucessivas fases de desenvolvimento dos lotes seguintes. Aliás, o regulamento 1315 revisto propõe a data de 2030 para a linha Lisboa-Porto completa e não apenas o troço Porto-Carregado, e para isso há financiamento comunitário sem necessidade de recorrer a PPPs.
Por exemplo, deveriam ser comparadas as hipóteses de ligação a Lisboa pela margem direita e pela margem esquerda do Tejo depois de executados os estudos prévios com alguma aproximação. Igualmente no Porto, terá sido uma lacuna nos estudos prévios não se ter encarado uma travessia do Douro partilhada com o metro (linha rubi) e seguimento para o aeroporto, sem desvio para Campanhã. A mesma crítica se aplica ao traçado em desvio para Coimbra B em vez de seguir a direito construindo um sistema eficiente de metropolitano ferroviário rápido. Neste caso privilegiou-se o sistema BRT, ignorando-se que o seu rendimento energético é inferior ao do metropolitano ferroviário devido à maior resistencia ao rolamento pneu-asfalto em comparação com a roda de aço-carril, e constituindo-se assim um grave erro de planeamento.
As razões anteriores, do foro jurídico e do foro ambiental, são suficientes para justificar a alteração radical do proposto e, no caso da persistência do Governo e da IP em ignorar o regulamento das redes TEN-T ou adiá-lo indefinidamente de forma falaciosa, justificar a denúncia pública e queixa à UE do incumprimento assumido. Como fundamento jurídico para a queixa, considere-se a natureza vinculativa dos regulamentos comunitários, que obrigam os Estados membros à sua observância.
Devo sublinhar, para evitar interpretações distorcidas, que a minha crítica não é à qualidade do trabalho executado pelos técnicos que produziram os documentos desta consulta. A sua competência técnica e o seu brio profissional não estão em causa, cabendo ao Governo e à direção superior da IP o ónus das decisões que, se a minha análise está correta, estão erradas e prejudicam gravemente a economia do país e a imagem que do exterior dele se forma, ao mesmo tempo que levam o país a perder uma oportunidade de correção do erro e a ter uma rede ferroviária de bitola diferente da bitola normalizada na Europa.
Compreende-se a preocupação dos sucessivos governos em evitar os elevados investimentos associados a uma nova rede ferroviária do objetivo TEN-T/2030. São cerca de 1000 km cujo custo de construção incluindo os sistemas de tração, de sinalização e de telecomunicações (sem o material circulante cuja aquisição compete ao operador) poderá, caso se mantenha a tendencia da inflação, atingir de 30 a 40 mil milhões de euros a diluir num período de 20 a 30 anos, de projeto, construção e início da exploração. Considerando os benefícios das novas linhas, que numa análise de custos-benefícios podem ser contabilizados enquanto melhoria da eficiência energética do transporte por transferência de tráfego aéreo e rodoviário para o modo ferroviário e comparando com os troços da rede existente com menor eficiência energética devido à presença de gradientes e curvas, será altamente provável que um investimento daquela ordem seja justificado com custos anuais de menos de 1% do PIB.
Sucessivas análises de custos benefícios têm sido realizadas na UE por iniciativa da Comissão e do Tribunal Europeu (ECA) incidindo na lentidão com que os Estados membros desenvolvem as respetivas partes da rede TEN-T e concluindo pela justificação dos investimentos. Estranha-se a quase absoluta ausência de abordagem semelhante em Portugal, um país em que se gasta anualmente em jogo on line cerca de 11 mil milhões de euros, e a realização confidencial (porque só são mostrados os resultados e não os cálculos) de análises de custos benefícios de âmbito específico e limitado no espaço e no tempo que concluem sistematicamente pela superioridade de soluções com bitola ibérica sem provavelmente contabilizar as perdas futuras (por exemplo, haverá alguma vantagem a curto prazo no faseamento com bitola ibérica, mas isso será prolongar no tempo os inconvenientes duma bitola diferente da norma, com repulsa de investimento estrangeiro, limites ao crescimento das exportações, maior consumo energético e produção de emissões).
Em resumo, destaca-se a oposição entre o PFN e o regulamento 1315 em revisão, consubstanciada na manutenção da exclusividade da bitola ibérica, para serviço de ligações regionais em detrimento da integração da linha Lisboa-Porto na rede TEN-T com interoperabilidade plena com a Europa, nos desvios do traçado para serviço de estações existentes, e na recusa de admissão do tráfego de mercadorias (desejavelmente, de acordo com o regulamento 1315,em bitola 1435mm) na nova linha Porto-Soure, limitando assim o acesso do porto de Leixões à prevista no regulamento nova linha Aveiro-Salamanca.
Embora sem qualquer esperança de ser acolhida a sugestão, mas no exercício da liberdade de expressão, propõe-se, para ultrapassar o risco de processo de infração, por incumprimento do regulamento, e de privação de fundos comunitários por esse motivo, a compatibilização do projeto com os parâmetros de interoperabilidade do regulamento, incluindo a bitola 1435mm, ao menos sob a forma de alternativa para comparação com a opção oficial.
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