sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

The Tokyo Toilet, ou Perfect days, filme de Wim Wenders

Este texto é dedicado aos que defendem a preservação, o engrandecimento e a utilidade pública dos jardins urbanos, em particular aos da defesa do Jardim da Parada, e também aos que no metropolitano contribuem para o serviço público do transporte urbano.


Estando desatento à programação cinematográfica, fui por um acaso feliz alertado para a exibição em Lisboa do filme de Wim Wenders Dias perfeitos:

https://en.wikipedia.org/wiki/Perfect_Days
https://www.publico.pt/2023/12/14/culturaipsilon/noticia/dias-perfeitos-silent-night-filmes-semana-2073346

Wim Wenders e o outro argumentista, o japonês Takuma Takasaki, contam as histórias de um trabalhador da limpeza das instalações sanitárias dos jardins de Toquio (The Tokyo Toilet) que lê William Faulkner (coincidência curiosa, no mesmo dia li um artigo que descrevia a admiração de Faulkner por Sherwood Anderson) e tem uma coleção de cassetes de fita magnética com musica dos anos 60 (The house of the rising sun, por exemplo) que todos os dias põe a tocar na carrinha de serviço. Para além das imagens da urbanização densa de Tóquio, com viadutos rodoviários de 3 níveis, de um troço do rio, das ruazinhas estreitas de bairro humilde são mostradas as instalações sanitárias dos jardins, incluindo alguns mecanismos ainda pouco usados por cá. Tive pena de só aparecerem duas tomadas de vista de uma estação de metro, com a sua linha de torniquetes ao fundo e o restaurante modesto encravado num túnel de acesso onde o protagonista por vezes janta.   

Na origem do filme está  um convite a Wenders para acompanhar a construção de 17 instalações sanitárias em jardins, por alturas dos jogos olímpicos de 2020 (2021), projetadas por vários artistas.

Perante isto, sinto uma ternura especial por uma cultura oriental que valoriza o contacto com a Natureza. Orgulhosa da sua história de desenvolvimento tecnológico e do seu poderio colonial, a cultura ocidental padece duma perceção de supremacia que não tem correspondência com a realidade. Como adolescente imaturo e ignorante do passado, despreza coisas simples como a utilidade pública de instalações sanitárias nos jardins, mas celebra como novidade as ideias dos superquarteirões, das ciclovias, das cidades dos 15 minutos (há quantos anos definiu o metro de Paris a distancia máxima de uma habitação ou de um emprego a uma estação de metro? ou na California se introduziu o conceito de transit village?).

Tenho acompanhado o esforço de pessoas e de associações para introdução de alterações no traçado do prolongamento da linha vermelha do metropolitano, esbarrando na imutabilidade do projeto do metro. Por exemplo, a associação "Salvar o Jardim da Parada" propôs a eliminação de algumas curvas do traçado de modo à localização da estação de Campo de Ourique se afastar do jardim. Curvas e contracurvas foram o resultado dos primeiros tempos do metropolitano de Paris, com a liberalização e abertura do subsolo a companhias diferentes que fugiam com os seus traçados a colisão com os traçados dos concorrentes. Mas os representantes do metro esclareceram sistematicamente que as reuniões eram apenas para dar a conhecer os traçados inamovíveis.

E quando alguém evocou a introdução de quiosques, fontes e instalações sanitárias nas ruas e praças de Lisboa no século XIX, do outro lado veio o remoque de que se tratava de um conceito ultrapassado e que se estava a perder tempo com discussões sem interesse. E ainda que no caso do Jardim da Parada já está tudo previsto, onde hoje se encontra o pequeno edifício sem interesse arquitetónico das instalações sanitárias, ficarão os elevadores para acesso de pessoas com  mobilidade reduzida, devendo quem necessitar dirigir-se a uma pastelaria e aí pedir a chave dos sanitários. Alterar o projeto é que não.

Como é diferente entre nós, parafraseando Julio Dantas na Ceia dos Cardeais, o encarar da utilidade pública das instalações sanitárias nos jardins. E como é também tão fácil para os decisores esquecerem a lei que impõe nos edifícios públicos, como transposição de diretiva comunitária, equipamentos sanitários adaptados a pessoas com mobilidade reduzida (nos termos da lei 125/2017 é essencial a constituição de equipas pluridisciplinares que produzam um plano de instalação de meios mecânicos em falta (e de instalações sanitárias adaptadas e disponíveis) com divulgação pública da calendarização e das soluções propostas).

Contentemo-nos então em admirar no filme de Wenders, ao som da música popular de há 50 anos, a estética das árvores dos jardins de Tóquio e das suas instalações sanitárias. Japão, o país com a dívida pública em percentagem  do PIB mais elevada do planeta, consequência da aversão dos seus cidadãos e cidadãs ao consumo para o desperdício, consequência dos índices de deflação, dos custos da saúde e segurança social, tudo compensado pela capacidade de organização e de produção e por os credores da dívida pública serem os próprios cidadãos e cidadãs japoneses.

あなたに幸せを
Anata ni shiawaseu
(Felicidades para vocês)


PS - para eventuais interessados na problemática das IS públicas, ver https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewxG1Z3DyUwz6bFK_?e=OcYuce

Sem comentários:

Enviar um comentário