Representou-se o Don Carlo, de Verdi, sete vezes no S.Carlos, em outubro de 2011.
Uma produção de nivel razoável, que não desmereceria em teatros de ópera internacionais e que honra quem trabalhou para a realizar.
Mas à entrada, um membro do sindicato dos músicos de cena distribuía um comunicado aos espetadores informando que os cortes decididos pelo governo levaram o orçamento a um nivel inferior aos custos fixos de funcionamento.
Quer isso dizer que não há dinheiro para novas produções, e que os espetáculos programados com a necessária antecedencia estão a ser renegociados com os intérpretes e os respetivos produtores.
O comunicado recordava ainda a definição, por lei, de serviço público no caso do teatro de ópera (e da companhia nacional de bailado) :
- acesso a grandes obras
- divulgação de obras nacionais menos presentes nos catálogos discográficos
- apoio à criação contemporanea
Serviço público esse gravemente ameaçado.
Desceu-se assim mais um degrau, depois das decisões da senhora ex-ministra da cultura, de quem o atual diretor do S.Carlos dizia ser uma senhora inspirada, e apesar da gestão dedicada, inteligente e correta das administrações.
Não deverá cair-se na crítica fácil de responsabilização dos trabalhadores e administradores pelos fracassos.
Penso que o atual governo achará que ópera é um diletantismo para elites ociosas, sem capacidade para atrair os públicos que preferem musica pop ou TV de telenovelas, concursos e reality shows.
E que por isso pode deixar cair-se.
De facto, cada récita só pode acolher 900 espetadores e cada produção ultrapassa a receita de bilheteira.
Talvez se pudesse fazer como em New York. É possivel financiar o teatro e, em troca, o nome do contribuinte aparece no programa. E não mecenas exclusivos.
Mas parece que os mecenas estão reduzindo a sua disponibilidade.
Poderia talvez fazer-se alguma receita com a venda das gravações a televisões estrangeiras e ao cana Mezzo.
Mas ignoro se isso vai poder fazer-se.
Donde, para alem de citar Eduardo Lourenço, para quem cultura é quando o homem se liberta da necessidade inadiável de prover a sua subsistencia, ocorre-me parafrasear o padre Américo. É inutil falar de cultura a quem tem o estomago ameaçado.
Embora as récitas populares de ópera no Coliseu estivessem sempre cheias, consta que a tirania do rebaixamento cultural da TV conduziu a esta situação: a ópera não entra no conceito, esse sim ainda atual, de panem et circenses para desviar a atenção dos eleitores das dificuldades quotidianas.
Nem parece que os comentadores televisivos ou os fazedores de opinião dos jornais, de papel ou da internet, sejam apreciadores de ópera.
Pelo que, dito de outro modo, a barbárie está a tomar conta do panorama operático em Portugal.
Pode ser que aconteça como na lei dos rendimentos decrescentes. Reduzindo os orçamentos estimular-se-á a criatividade dos cantores, musicos, produtores, e serão organizados festivais com patrocinadores que rentabilizem o esforço.
Mas eu não acredito.
É mais fácil aos bárbaros triunfarem e extinguirem a ópera nacional.
Embora me custe aceitar que não há mesmo dinheiro para termos um orçamento da cultura mais próximo de 1% do orçamento total (isto é, não reconheço credibilidade às pessoas que gerem o orçamento, embora isso não queira dizer que elas digam a verdade nem que a estejam a ocultar)
Quem quiser que apanhe um avião "low cost" para Madrid ou Paris e veja ópera por lá.
Ou apanhe o comboio para Madrid com as carruagens-cama de patente Talgo.
É pena que a barbárie triunfe. O maestro Martin André dirigiu a orquestra muito bem, tranquila e rigorosamente. Fez uma coisa que é raro ver-se. Aproveitou o intervalo para adaptar os trombones de varas às condições humidade e temperatura da sala. E assim a violencia castradora e sinistra do grande inquisidor encheu a sala sem falhas musicais.
É para isto que serve a ópera: para mostrar os constrangimentos limitadores nas relações humanas, como a opressão ideológica ou religiosa.
Para isso se ficcionou a realidade histórica (Don Carlo era doente psiquiátrico, de modo semelhante ao seu primo D.Sebastião) e se pôs Don Carlo a cantar pela liberdade da Flandres oprimida pela cegueira (daí a referencia pelos sindicalistas do comunicado aos cortes cegos?) do seu pai Filipe II de Espanha - viva la libertá.
E quanto ao avô de Don Carlo, o celebrado Carlos V , que se endividou até à medula com o banqueiro Fugger, sem grandes preocupações com o seu povo, Verdi e os seus libretistas trataram-no assim: "o seu orgulho foi imenso, o seu erro foi profundo"
É para isto que serve a ópera, para chamar a atenção para que quem tem o poder acha sempre que tem razão.
Orgulho imenso e erro profundo.
Não admira que deixem cair a ópera.
A ópera é subversiva, mesmo quando parece ser contemporizadora e bajuladora do poder.
Veja-se o caso de Mozart.
Políticos, desconfiem da ópera.
Alguns dos melhores artistas que a humanidade produziu dedicaram-se a ela com muito entusiasmo e humanismo.
É natural que os politicos, tão expostos ao complexo de Hubris, não gostem de ópera.
A apresentar mensagens correspondentes à consulta ópera ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta ópera ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Don Carlo, de Verdi, no S.Carlos, em outubro de 2011
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Ópera no S.Carlos
Tarde de domingo de janeiro de 2012.
Como Mutti declararia ao TIME, houve, já de início, uma incomum ovação, clima que se transformou numa verdadeira "noite de revolução" quando sentiu uma atmosfera de tensão ao se iniciar os acordes do coral "Va pensiero" o famoso hino contra a dominação. Há situações que não se podem descrever, mas apenas sentir; o silêncio absoluto do público, na expectativa do hino; clima que se transforma em fervor aos primeiros acordes do mesmo. A reação visceral do público quando o côro entoa - "Ó minha pátria, tão bela e perdida?" Ao terminar o hino os aplausos da plateia interrompem a ópera e o público se manifesta com gritos de "bis", "viva Itália", "viva Verdi".
Não sendo usual dar bis durante uma ópera, e embora Mutti já o tenha feito uma vez em 1986, no teatro La Scala de Milão, o maestro hesitou pois, como ele depois disse: "não cabia um simples bis; havia de ter um propósito particular".
Dado que o público já havia revelado seu sentimento patriótico fez com que o maestro se voltasse no púlpito e encarasse o público, e com ele o próprio Berlusconi.
Fazendo-se silêncio, pronunciou-se da seguinte forma, e reagindo a um grito de "longa vida à Itália" disse RICCARDO MUTTI:
"Sim, longa vida à Itália mas... [aplausos]. Já não tenho 30 anos e já vivi a minha vida, mas como um italiano que percorreu o mundo, tenho vergonha do que se passa no meu país. Portanto aquiesço ao vosso pedido de bis para o Va Pensiero. Isto não se deve apenas à alegria patriótica que senti em todos, mas porque nesta noite, enquanto eu dirigia o côro que cantava "Ó meu pais, belo e perdido", eu pensava que a continuarmos assim mataremos a cultura sobre a qual assenta a história da Itália. Neste caso, nós, nossa pátria, será verdadeiramente "bela e perdida". [aplausos retumbantes, inclusive dos artistas da peça] Reina aqui um "clima italiano"; eu, Mutti, me calei por longos anos.
Gostaria agora...nós deveriamos dar sentido a este canto; como estamos em nossa casa, o teatro da capital, e com um côro que cantou magnificamente e que é magnificamente acompanhado, se for de vosso agrado, proponho que todos se juntem a nós para cantarmos juntos."
Foi assim que Mutti convidou o público a cantar o Côro dos Escravos.
Toda a ópera de Roma se levantou... O coral também se levantou. Vê-se, também, o pranto dos artistas.
Terá sido, provavelmente, a última ópera apresentada no S.Carlos este ano.
E, se a política cultural do atual governo se mantiver, tão cedo não haverá ópera no S.Carlos.
Estão previstos concertos para ir ocupando os músicos, e rentabilização do espaço, como os economistas gostam, como restaurante, entre outros usos.
S.Carlos como restaurante |
É verdade que existem dificuldades financeiras, mas as manifestações culturais de um povo são também um indicador importante.
Veja-se a imagem do camarote real/presidencial do S.Carlos.
Há muitos anos que não o vejo habitado.
Isso mostra bem a importância que os governos e os presidentes da República dão à cultura.
Os senhores governantes não gostam de ópera |
Farão bem, do seu ponto de vista, em não irem à ópera.
Como já tenho dito, a ópera é subversiva, os compositores e os libretistas têm sempre segundas intenções.
Veja-se o caso desta ópera, Cosi fan tutte (assim fazem todas) que se receia ser a última por muitos anos: Mozart pôs a empregada doméstica a cantar:
"Que vida maldita, a de criada!
de manhã à noite
sua-se, trabalha-se, faz-se e depois,
de tudo o que se faz, nada é para nós.
Há já meia hora que bato;
o chocolate está pronto, e a mim compete-me
cheirá-lo e ficar com a boca seca?
a minha boca não será, por acaso, igual à vossa, ó elegantes senhoras?"
Nada mal, para século XVIII, em Viena, capital do Império.
15 minutos antes do inicio. A sala encheu-se. A taxa de ocupação não justifica os cortes |
Fazem bem, os senhores do governo, em não irem à ópera.
O primeiro ministro hungaro foi vaiado quando entrava na ópera de Budapeste.
Berlusconi, ainda primeiro ministro, teve de ouvir, logo a seguir ao coro dos hebreus, do Nabuco (Vai pensamento, sobre asas douradas...) o maestro Ricardo Muti a protestar contra os cortes na cultura "estou triste com o que se passa no meu país").
Os bárbaros tomaram o poder, mas ainda podemos chamar-lhes bárbaros.
Transcrevo um email recebido:
No último dia 12 de março a Itália festejava os 150 anos de sua criação, ocasião em que a Ópera de Roma apresentou a ópera Nabuco de Verdi, símbolo da unificação do país, que invocava a escravidão dos Judeus na Babilônia, uma obra não só musical mas também, política à época em que a Itália estava sujeita ao império dos Habsburgos (1840).
Sylvio Berlusconi assistia, pessoalmente, à apresentação, que era dirigida pelo maestro Ricardo Mutti. Antes da apresentação o prefeito de Roma, Gianni Alemanno - ex-ministro do governo Berlusconi, discursou, protestando contra os cortes nas verbas da cultura, o que contribuiu para politizar o evento.
Como Mutti declararia ao TIME, houve, já de início, uma incomum ovação, clima que se transformou numa verdadeira "noite de revolução" quando sentiu uma atmosfera de tensão ao se iniciar os acordes do coral "Va pensiero" o famoso hino contra a dominação. Há situações que não se podem descrever, mas apenas sentir; o silêncio absoluto do público, na expectativa do hino; clima que se transforma em fervor aos primeiros acordes do mesmo. A reação visceral do público quando o côro entoa - "Ó minha pátria, tão bela e perdida?" Ao terminar o hino os aplausos da plateia interrompem a ópera e o público se manifesta com gritos de "bis", "viva Itália", "viva Verdi".
Não sendo usual dar bis durante uma ópera, e embora Mutti já o tenha feito uma vez em 1986, no teatro La Scala de Milão, o maestro hesitou pois, como ele depois disse: "não cabia um simples bis; havia de ter um propósito particular".
Dado que o público já havia revelado seu sentimento patriótico fez com que o maestro se voltasse no púlpito e encarasse o público, e com ele o próprio Berlusconi.
Fazendo-se silêncio, pronunciou-se da seguinte forma, e reagindo a um grito de "longa vida à Itália" disse RICCARDO MUTTI:
"Sim, longa vida à Itália mas... [aplausos]. Já não tenho 30 anos e já vivi a minha vida, mas como um italiano que percorreu o mundo, tenho vergonha do que se passa no meu país. Portanto aquiesço ao vosso pedido de bis para o Va Pensiero. Isto não se deve apenas à alegria patriótica que senti em todos, mas porque nesta noite, enquanto eu dirigia o côro que cantava "Ó meu pais, belo e perdido", eu pensava que a continuarmos assim mataremos a cultura sobre a qual assenta a história da Itália. Neste caso, nós, nossa pátria, será verdadeiramente "bela e perdida". [aplausos retumbantes, inclusive dos artistas da peça] Reina aqui um "clima italiano"; eu, Mutti, me calei por longos anos.
Gostaria agora...nós deveriamos dar sentido a este canto; como estamos em nossa casa, o teatro da capital, e com um côro que cantou magnificamente e que é magnificamente acompanhado, se for de vosso agrado, proponho que todos se juntem a nós para cantarmos juntos."
Foi assim que Mutti convidou o público a cantar o Côro dos Escravos.
Toda a ópera de Roma se levantou... O coral também se levantou. Vê-se, também, o pranto dos artistas.
Etiquetas:
cultura,
Ópera,
Ricardo Muti,
S.Carlos
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Uma noite na ópera - Portugal e a Hungria
Como já se disse neste blogue, a ópera, para alem de criar mecanismos injustificados de rejeição junto de alguns cidadãos e cidadãs, tem uma forte componente interventiva e está intimamente ligada à forma como a sociedade se organiza.
Além de que, apesar de tudo, é um espetáculo popular.
Em Portugal
Em Portugal criou-se a ideia de que não é, o que só ilustra um dos aspetos do pensamento português, de deixar que um grupo restrito dite o que todos devem pensar.
Ora, já é possivel ir ao S.Carlos à ópera, sem gravata.
Verdade que raramente lá se vê o senhor presidente da Republica e nunca o senhor primeiro ministro.
Este é tambem um sintoma do nivel cultural dos cidadãos que desempenham esses cargos e não deve portanto escandalizar ninguem.
As pessoas que não têm cultura são cidadãos como os outros e podem desempenhar esses cargos, sujeitos naturalmente ao juízo e à classificação na história em função da ausencia de nivel cultural nas suas decisões.
Em Portugal, o ataque cerrado dos bárbaros que tomaram conta do poder sobre questões de cultura de âmbito nacional, insistindo na tecla de que "não há dinheiro" (pode ser verdade, mas não de forma absoluta; além de que, sendo verdade, esperar-se-ia a declaração do estado de emergencia, porque um país sem cultura é uma situação de emergencia, salvo melhor opinião, que será talvez a dos governantes), conseguiu anular a apresentação de 3 espetáculos de ópera já programados para o S.Carlos (a programação de ópera é contratada com 2 anos de antecedencia, e os economistas queriam forçar os produtores estrangeiros a reduzir custos, dentro daquela velha máxima de fazer mais com menos, que evidentemente não foi aceite pelos produtores).
E o curioso desta história é que as pessoas do S.Carlos reagiram como eu costumo dizer aos meus jovens colegas que continuaram no ativo: não baixem os braços e criem estratégias de recuo, como o quadrado do condotieri Nuno Álvares.
E assim vamos ter ópera em janeiro: Cosi fan tutte, já programada, e outra em maio, La rondine de Puccini.
Perderam-se as outras, mas ainda temos ópera no S.Carlos, pode ser que os bárbaros tropecem ao longo da temporada, como os inimigos do condotieri em Aljubarrota.
A orquestra, o coro e o cantores vão ainda realizar alguns espetáculos para manter a atividade e não faltará o festival do largo, no verão, para espanto dos turistas que nos visitarem nessa altura, e que estarão à espera de que a cultura tenha desaparecido pelos fundos do orçamento.
O programa que recebi em casa, em carta que começa assim: "Caro assinante: Perante as contingencias provocadas pela delicada situação financeira e económica do país, e na sequencia das indicações do ministério das finanças referentes ao orçamento de 2012 ..." (eu que pensava que o S.Carlos recebia indicações da secretaria da cultura ou da presidencia do conselho de ministros ...) leva-me portanto a aplaudir quem toma decisões e quem trabalha no S.Carlos, e a não ir já este ano ao teatro da Zarzuela em Madrid ou ao da Bastilha em Paris, para ver ópera, o que é bom para a balança de pagamentos.
Na Hungria
Na Hungria, a tradição musical tem outra implantação na classe politica, e o primeiro ministro dirigiu-se ao teatro de ópera para assistir a um espetáculo.
Tenho pena de não saber que ópera era. Talvez o "crepusculo dos deuses", não sei.
Mas o facto é que os manifestantes aguardavam-no à entrada e eram muitos, com cartazes a dizer "eleg volt", que em bom hungaro significa "basta".
"Basta" porque o senhor primeiro ministro quer alterar a constituição para controlar melhor o banco central hungaro, para controlar melhor os meios de comunicação social incluindo a inernet, e para evitar a representação proporcional dos partidos menores que possam opor-se-lhe, numa prática que em Portugal tambem há quem defenda: alterar as regras eleitorais ao arrepio da matemática para conservar o poder.
Engraçado que a comissão europeia tambem não gostou das medidas do senhor primeiro ministro hungaro, embora não tenha autoridade moral para o fazer porque os dirigentes do BCE tambem não submeteram a sua politica a discussão e sufrágio universal.
Aguarda-se a evolução da ópera em Portugal e na Hungria.
Além de que, apesar de tudo, é um espetáculo popular.
Em Portugal
Em Portugal criou-se a ideia de que não é, o que só ilustra um dos aspetos do pensamento português, de deixar que um grupo restrito dite o que todos devem pensar.
Ora, já é possivel ir ao S.Carlos à ópera, sem gravata.
Verdade que raramente lá se vê o senhor presidente da Republica e nunca o senhor primeiro ministro.
Este é tambem um sintoma do nivel cultural dos cidadãos que desempenham esses cargos e não deve portanto escandalizar ninguem.
As pessoas que não têm cultura são cidadãos como os outros e podem desempenhar esses cargos, sujeitos naturalmente ao juízo e à classificação na história em função da ausencia de nivel cultural nas suas decisões.
Em Portugal, o ataque cerrado dos bárbaros que tomaram conta do poder sobre questões de cultura de âmbito nacional, insistindo na tecla de que "não há dinheiro" (pode ser verdade, mas não de forma absoluta; além de que, sendo verdade, esperar-se-ia a declaração do estado de emergencia, porque um país sem cultura é uma situação de emergencia, salvo melhor opinião, que será talvez a dos governantes), conseguiu anular a apresentação de 3 espetáculos de ópera já programados para o S.Carlos (a programação de ópera é contratada com 2 anos de antecedencia, e os economistas queriam forçar os produtores estrangeiros a reduzir custos, dentro daquela velha máxima de fazer mais com menos, que evidentemente não foi aceite pelos produtores).
E o curioso desta história é que as pessoas do S.Carlos reagiram como eu costumo dizer aos meus jovens colegas que continuaram no ativo: não baixem os braços e criem estratégias de recuo, como o quadrado do condotieri Nuno Álvares.
E assim vamos ter ópera em janeiro: Cosi fan tutte, já programada, e outra em maio, La rondine de Puccini.
Perderam-se as outras, mas ainda temos ópera no S.Carlos, pode ser que os bárbaros tropecem ao longo da temporada, como os inimigos do condotieri em Aljubarrota.
A orquestra, o coro e o cantores vão ainda realizar alguns espetáculos para manter a atividade e não faltará o festival do largo, no verão, para espanto dos turistas que nos visitarem nessa altura, e que estarão à espera de que a cultura tenha desaparecido pelos fundos do orçamento.
O programa que recebi em casa, em carta que começa assim: "Caro assinante: Perante as contingencias provocadas pela delicada situação financeira e económica do país, e na sequencia das indicações do ministério das finanças referentes ao orçamento de 2012 ..." (eu que pensava que o S.Carlos recebia indicações da secretaria da cultura ou da presidencia do conselho de ministros ...) leva-me portanto a aplaudir quem toma decisões e quem trabalha no S.Carlos, e a não ir já este ano ao teatro da Zarzuela em Madrid ou ao da Bastilha em Paris, para ver ópera, o que é bom para a balança de pagamentos.
Na Hungria
Na Hungria, a tradição musical tem outra implantação na classe politica, e o primeiro ministro dirigiu-se ao teatro de ópera para assistir a um espetáculo.
Tenho pena de não saber que ópera era. Talvez o "crepusculo dos deuses", não sei.
Mas o facto é que os manifestantes aguardavam-no à entrada e eram muitos, com cartazes a dizer "eleg volt", que em bom hungaro significa "basta".
"Basta" porque o senhor primeiro ministro quer alterar a constituição para controlar melhor o banco central hungaro, para controlar melhor os meios de comunicação social incluindo a inernet, e para evitar a representação proporcional dos partidos menores que possam opor-se-lhe, numa prática que em Portugal tambem há quem defenda: alterar as regras eleitorais ao arrepio da matemática para conservar o poder.
Engraçado que a comissão europeia tambem não gostou das medidas do senhor primeiro ministro hungaro, embora não tenha autoridade moral para o fazer porque os dirigentes do BCE tambem não submeteram a sua politica a discussão e sufrágio universal.
Aguarda-se a evolução da ópera em Portugal e na Hungria.
domingo, 9 de junho de 2019
A ópera e as greves no S.Carlos, la Boheme
Gosto muito de ópera. Não gosto da maior parte das encenações, as tradicionais porque são uma estética pesada e que não compensa as ingenuidades do libreto. As modernas porque muitas vezes são pretenciosas, põem os cantores a cantar descalços (é mau para a voz) e têm tendencia para o "epater le bourgeois".
Delicio-me com a musica, não toda, claro, dispensava as cedencias dos compositores aos maus gostos de cada época, mas deslumbra-me a capacidade vocal dos cantores. Como eles próprios dizem, são atletas de alta competição.
E ainda por cima, a ópera tem uma vertente política, de intervenção. Já houve revoluções logo a seguir ao fim do espetáculo. E mesmo óperas centradas em questões passionais pode ser interpretada, o compositor e o libretista que num caso ou noutro nos perdoe, mas a ópera que fizeram passou a ser património universal e eu uso o que é meu, como intenção politica. Por exemplo, a Tosca, Scarpia é a corporização do tirano, o inimigo da liberté, égalité, fraternité... até a ópera Bankster de Nuno Corte Real, a musica, e Vasco Graça Moura, o libreto, sobre o Jacob e o anjo, de José Régio, bastou-lhe associar banqueiros a gangsters (não todos, claro, claro) para informar com a devida antecedencia a sociedade portuguesa de como são as coisas.
Ou o D.Carlos de Verdi, sobre a peça de Victor Hugo, tratando o imperador Carlos V e o filho Filipe I de Portugal como eles eram, tiranos com cegueira apoiados na Inquisição.
Banksters:
https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=banksters
A ópera é subversiva:
https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=%C3%B3pera
Por tudo isto, choca-me que a greve em curso impeça a apresentação das várias récitas da Boheme.
Pressurosa, a administração do Opart vem dizer que estavam bem encaminhadas as negociações e que os sindicatos não quiseram aceitar as propostas, que se limitam a uma equiparação entre trabalhadores da opera e do bailado.
Sõ que os sindicatos tinham sido muito claros, era preciso um compromisso escrito do ministério das Finanças e ele não veio. Por isso não houve ópera. Os portugueses aprenderam com os comboios que só há peças para repará-los com visto do ministériodas Finanlas. Mesmo que esteja no orçamento. Sabe-se como os senhores ministros das Finanças gostam de puxar as cativações até aio fim do ano para abrilhantar os indicadores.
Sem contestar a justeza da greve, nem as ideias do encenador, nem o interesse histórico do registo social da vida boémia e dificil (tuberculose, rendimentos não garantidos, dificuldade de reconhecimento do trabalho artistico, riscos da prostituição) , e portanto do parte subversiva da Boheme, parece-me contudo que uma interpretação da lei da greve permitiria algumas saídas.
Por exemplo, serviços mínimos, reduzindo a apresentação a uma versão de concerto com menos instrumentistas (no limite, um piano, para aproveitar a presença dos cantores). Quem não quisesse, devolvia o seu bilhete e recebia o seu valor. Mas quem gostasse de ópera, como eu, podeia assistir. Não era a mesma coisa, pois não, mas interessava-me ouvir aquelas vozes... Peço muita desculpa aos intérpretes e aos instrumentistas que diriam assim não, mas a lei tambem fala em requisição civil, não é? E porque não récitas completas independentes com a receita a ser retida pelos trabalhadores? Pensem nisso...uma espécie de cativação au contraire.
"Che gelida manina" (que manhã gelida), que tempos frios se vivem neste momento, em que os senhores governantes não gostam nem sentem a musica. Parecem funcionários com uma chave de brinquedo de corda nas costas, sempre a repetir que têm razão...
https://www.youtube.com/watch?v=OkHGUaB1Bs8
PS em 11 de junho - parece que vai ser cancelada a 3ª récita da Boheme como as duas primeiras, por falta de acordo OPART_Ministerio da Cultura- Ministerio das Finanças e Sindicato. Este contabiliza os prejuizos até agora em 100 mil euros prevendo um total de 300 mil se se mantiver a intransigencia. A atualização /equiparação salarial, pedida desde 2017, importará em cerca de 70 mil euros anuais (se ouvi bem). Faz-me pena ver o camarote presidencial do S.Carlos servir apenas para apoio técnico, não ver lá nenhum representante dos titulares de cargos públicos decisórios. Embora devesse não estranhar. Recordo as caras enfiadas, de quem vai para uma sessão de mortificação, uma estopada, no recente XIX governo, num concerto no Palácio da Ajuda. Os decisores da nossa coisa pública gostam pouco de cultura. Bem se esforçou o então secretário de Estado, ainda por cima tutelando cultores de quintaizinhos e quintinhas, até que perdeu a paciencia e pediu a demissão.
Agora, o silencio dos decisores, que interessa a ópera ?(e contudo, a ópera é subversiva, tenham cuidado). Mas estarão esquecidos que a greve abarca tambem o Festival ao Largo. É provável que na véspera, alguém vá a correr a instancias decisórias e que estas demovam o chanceler do Tesouro e consigam que ele aponha a sua chancela à autorização do que já está orçamentado. É só o que os grevistas pedem, a assinatura do ministro das Finanças, quer ele goste quer não goste de õpera ou bailado, quer ele pense para que precisamos de ópera se os programas do Mezzo são tão bons, quer pense o contrário.
Claro que se continua sem aplicar a lei, os serviços mínimos, a requisição civil, quer sejam os barcos do senhor ministro do Ambiente que já tinha resolvido tudo e afinal parece que há greve a 18 de junho, quer seja uma ópera em versão reduzida de concerto.
Delicio-me com a musica, não toda, claro, dispensava as cedencias dos compositores aos maus gostos de cada época, mas deslumbra-me a capacidade vocal dos cantores. Como eles próprios dizem, são atletas de alta competição.
E ainda por cima, a ópera tem uma vertente política, de intervenção. Já houve revoluções logo a seguir ao fim do espetáculo. E mesmo óperas centradas em questões passionais pode ser interpretada, o compositor e o libretista que num caso ou noutro nos perdoe, mas a ópera que fizeram passou a ser património universal e eu uso o que é meu, como intenção politica. Por exemplo, a Tosca, Scarpia é a corporização do tirano, o inimigo da liberté, égalité, fraternité... até a ópera Bankster de Nuno Corte Real, a musica, e Vasco Graça Moura, o libreto, sobre o Jacob e o anjo, de José Régio, bastou-lhe associar banqueiros a gangsters (não todos, claro, claro) para informar com a devida antecedencia a sociedade portuguesa de como são as coisas.
Ou o D.Carlos de Verdi, sobre a peça de Victor Hugo, tratando o imperador Carlos V e o filho Filipe I de Portugal como eles eram, tiranos com cegueira apoiados na Inquisição.
Banksters:
https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=banksters
A ópera é subversiva:
https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=%C3%B3pera
Por tudo isto, choca-me que a greve em curso impeça a apresentação das várias récitas da Boheme.
Pressurosa, a administração do Opart vem dizer que estavam bem encaminhadas as negociações e que os sindicatos não quiseram aceitar as propostas, que se limitam a uma equiparação entre trabalhadores da opera e do bailado.
Sõ que os sindicatos tinham sido muito claros, era preciso um compromisso escrito do ministério das Finanças e ele não veio. Por isso não houve ópera. Os portugueses aprenderam com os comboios que só há peças para repará-los com visto do ministériodas Finanlas. Mesmo que esteja no orçamento. Sabe-se como os senhores ministros das Finanças gostam de puxar as cativações até aio fim do ano para abrilhantar os indicadores.
Sem contestar a justeza da greve, nem as ideias do encenador, nem o interesse histórico do registo social da vida boémia e dificil (tuberculose, rendimentos não garantidos, dificuldade de reconhecimento do trabalho artistico, riscos da prostituição) , e portanto do parte subversiva da Boheme, parece-me contudo que uma interpretação da lei da greve permitiria algumas saídas.
Por exemplo, serviços mínimos, reduzindo a apresentação a uma versão de concerto com menos instrumentistas (no limite, um piano, para aproveitar a presença dos cantores). Quem não quisesse, devolvia o seu bilhete e recebia o seu valor. Mas quem gostasse de ópera, como eu, podeia assistir. Não era a mesma coisa, pois não, mas interessava-me ouvir aquelas vozes... Peço muita desculpa aos intérpretes e aos instrumentistas que diriam assim não, mas a lei tambem fala em requisição civil, não é? E porque não récitas completas independentes com a receita a ser retida pelos trabalhadores? Pensem nisso...uma espécie de cativação au contraire.
"Che gelida manina" (que manhã gelida), que tempos frios se vivem neste momento, em que os senhores governantes não gostam nem sentem a musica. Parecem funcionários com uma chave de brinquedo de corda nas costas, sempre a repetir que têm razão...
https://www.youtube.com/watch?v=OkHGUaB1Bs8
PS em 11 de junho - parece que vai ser cancelada a 3ª récita da Boheme como as duas primeiras, por falta de acordo OPART_Ministerio da Cultura- Ministerio das Finanças e Sindicato. Este contabiliza os prejuizos até agora em 100 mil euros prevendo um total de 300 mil se se mantiver a intransigencia. A atualização /equiparação salarial, pedida desde 2017, importará em cerca de 70 mil euros anuais (se ouvi bem). Faz-me pena ver o camarote presidencial do S.Carlos servir apenas para apoio técnico, não ver lá nenhum representante dos titulares de cargos públicos decisórios. Embora devesse não estranhar. Recordo as caras enfiadas, de quem vai para uma sessão de mortificação, uma estopada, no recente XIX governo, num concerto no Palácio da Ajuda. Os decisores da nossa coisa pública gostam pouco de cultura. Bem se esforçou o então secretário de Estado, ainda por cima tutelando cultores de quintaizinhos e quintinhas, até que perdeu a paciencia e pediu a demissão.
Agora, o silencio dos decisores, que interessa a ópera ?(e contudo, a ópera é subversiva, tenham cuidado). Mas estarão esquecidos que a greve abarca tambem o Festival ao Largo. É provável que na véspera, alguém vá a correr a instancias decisórias e que estas demovam o chanceler do Tesouro e consigam que ele aponha a sua chancela à autorização do que já está orçamentado. É só o que os grevistas pedem, a assinatura do ministro das Finanças, quer ele goste quer não goste de õpera ou bailado, quer ele pense para que precisamos de ópera se os programas do Mezzo são tão bons, quer pense o contrário.
Claro que se continua sem aplicar a lei, os serviços mínimos, a requisição civil, quer sejam os barcos do senhor ministro do Ambiente que já tinha resolvido tudo e afinal parece que há greve a 18 de junho, quer seja uma ópera em versão reduzida de concerto.
segunda-feira, 17 de junho de 2019
Ópera e greves
![]() |
aviso afixado nas portas do S.Carlos |
Sou apenas um dos compradores de título de acesso à programada quinta récita da ópera La Boheme. E que, tal como os restantes espetadores, viu gorada a sua expetativa.
Não será caso grave. se nivelarmos por baixo e dissermos que nós, portugueses, não gostamos de ópera.
Talvez, mas eu recordo-me de ver o Coliseu cheio de pessoas de todos os níveis de rendimento para verem ópera.
Não será caso grave, se omitirmos o canto do coro dos escravos do Nabuco, Va pensiero su l' ala dorata, à presença no Scala de Berlusconi e as palavras que Ricardo Muti pronunciou sobre os cortes na Cultura.
A ópera pode ser subversiva, já têm caído governos por causa dela.
Não será caso grave se omitirmos o programa de ontem, na RTP2 sobre os cortes sofridos pelo teatro de La Monnaie, em Bruxelas. Veja-se o extraordinário documentário:
https://www.rtp.pt/play/p5934/atras-do-palco
E evidentemente, não será caso grave se desprezarmos o trabalho de quem torna possíveis os espetáculos, das senhoras da limpeza, das senhoras costureiras, de todos os técnicos e, claro, o trabalho das disciplinas artísticas. Numa perspetiva elitista, desprezando também o que o compositor e o libretista quiseram dizer (ai as encenações do D.Giovanni com segadeiras erguidas como sombras chinesas para ceifar nobres... , as óperas interventivas de Verdi, a Kovantchina de Mussorgsky...), dir-se-á que estão ao serviço dos tradicionalistas apreciadores de ópera e portanto que façam o seu trabalho.
Não escrevo para a culpar ou tentar convencê-la seja do que for. A senhora faz parte de um grupo coeso, em que cada membro tem uma confiança cega nos outros membros, que estão primeiro, sempre primeiro, do que qualquer cidadão. E cada membro desenvolveu uma capacidade de justificação das suas ações, aproveitando aquela caraterística da natureza, umas vezes indeterminista outras dual, que permite que qualquer opinião, por mais errada que seja, tenha sempre algo de positivo ou certo. Outros diriam que em tal grupo se prefere dar a prioridade à posição oficial do decisor principal do grupo, ou do decisor de serviço, sempre estribada no referendo dos poucos técnicos afins que foram eleitos para assessorar o grupo na respetiva especialidade, ainda que em clara oposição ou alheamento da realidade, logo batizada de incómoda quando alguém diz "o rei vai nu" (impressionante a sabedoria das multidões, ao diagnosticar há séculos as falhas dos decisores). Inútil aduzir argumentos técnicos e demonstrações físicas, porque são rejeitados liminarmente, sem discussão, sem querer saber como as coisas funcionam.
Qualquer amador de psicologia concluiria que é impossível fazer um membro do grupo mudar de opinião ou sequer reconhecer um pingo de responsabilidade pelo insucesso (que neste caso não é pequeno, uma ópera programa-se com 2 a 3 anos de antecedencia, trabalha-se para a sua produção, e depois, cancelam-se 5 récitas...), talvez porque receie sair da norma se pensar pela sua cabeça. Opor-se à opinião geral do grupo da coesão, como explicaria Freud, estaria associado à incerteza das razões e à insegurança do elemento do grupo, e é essa insegurança que reforça a coesão.
Por isso não serei eu quem contrariará o psicólogo.
Mas sinto-me na obrigação de explicar então porque escrevo, pese embora nunca se ser bom em introspeção.
Simples desabafo de quem tem a imodéstia ou ilusão de pensar que entendeu alguma coisa, pequena parte da realidade que tenha sido.
Penso saber do que falo. Por ter tido uma atividade profissional numa empresa pública, sei que os ministérios que tutelam têm como regra geral nomear e considerar os administradores como comissários políticos que estão ali para cumprirem os objetivos definidos top-down. Toda ou qualquer semelhança com princípios democráticos é pura coincidencia. Noto que há exceções, e
provavelmente os dois vogais que a senhora demitiu terão decidido pelas suas cabeças, no uso da autonomia que deve presidir à gestão de qualquer empresa pública, mas que o grupo coeso que referi considera uma heresia. Porque o mantra é o cumprimento do défice, e para isso existem as cativações, encanar a pata à rã até chegarmos ao fim do exercício e conseguir assim o melhor indicador . Sei do que falo, Esteve um terço dos comboios parados no metropolitano porque o ministério das finanças não deixava comprar os rodados necessários para substituir os desgastados. Conseguiu-se recuperar no metro. Mas na CP não, nos barcos do Tejo não. E é impossível cumprir o serviço público de transporte, como impossível é cunprir os objetivos da saúde pública se não se paga aos hospitais privados as cirurgias porque não vem o visto do ministério das finanças.
No seu artigo no Público de 16 de junho, a senhora ministra alinha as suas razões. São razões de um formalismo impecável face às peripécias das negociações, que ao "resolver problemas de décadas com soluções de futuro" (o grupo coeso é fértil neste raciocínio, os comboios podem faltar, as pessoas não são convenientemente servidas, mas nunca se investiu tanto na ferrovia...) faz lembrar a frase de Lao Tse na parede da estação de metro do Parque: "Quem renuncia ao presente ganha o que está longe". Mas que são uma manobra de diversão digna de Sun Tzu, porque a questão que o sindicato dos trabalhadores e artistas do S.Carlos disse simplesmente, foi que queria a autorização escrita do ministério das finanças para as verbas já orçamentadas para 2019, e que sem essa autorização escrita haveria greve. Cativações não. Paralisam o país.
Lamenta a senhora ministra que os melómanos tenham ficado sem a sua ópera, e que os trabalhadores não tenham compreendido que "tudo fizemos para isso (para que houvesse récitas). Identificámos problemas e criámos soluções" (?!), que não tenham compreendido que a senhora ministra está a fazer um trabalho "estrutural".
Eu lamento que desde março os decisores tenham ignorado, com a exceção dos dois vogais demitidos, o que os técnicos e artistas pediam, a autorização escrita do ministério das finanças, que tenham ignorado os pedidos de audiencia. Será que à aproximação do Festival ao Largo, que tem impacto turístico (e contudo, as récitas de ópera também o têm, que terão ficado a pensar os melómanos das colónias estrangeiras ?), algum decisor de topo aparecerá na televisão a resolver o problema?
Eu lamento o desinteresse deste governo. O outro não era melhor, se nos lembrarmos das caras de enfado com que os membros do XIX governo se sentaram na plateia improvisada no Palácio da Ajuda no concerto comemorativo da sua entrada em funções e nas peripécias da demissão do seu primeiro secretário de Estado da Cultura. É sintomático o camarote presidencial ser utilizado normalmente como apoio técnico, raramente por senhores governantes.
Os senhores governantes acham que a ópera é um serviço para privilegiados, desocupados e improdutivos.
Negarão, claro, em estado de negação. É preciso cumprir o défice.
Termino evocando a lei da greve e os mecanismos dos serviços mínimos. A enumeração na lei da greve dos setores em que devem organizar-se serviços mínimos não é exclusivista nem exaustiva, é apenas exemplificativa. Nada impediria a DGERT e o Conselho Económico e Social de promover serviços mínimos, reduzindo por exemplo o àmbito da produção, tipo versão de concerto ou cortando partes da ópera. Dirão os puristas que isso desvirtuaria a ópera. Quem não quisesse assistir solicitaria o reembolso. Eu diria que não, que é a lei, e que podia ter-se transformado um insucesso total em 5 encontros em que se ouviriam trechos da Boheme, e se pudesse dialogar com os cantores, os técnicos, os artistas, alternando a música com a discussão da cultura em Portugal (La Monnaie, 33 milhões de euros; Paris, 140 milhões; Staatsopera de Munique, 100 milhões...a ópera é um espetáculo caro, requer coproduções, planificação a prazo de vários anos ... e subversivo).
Mas será talvez a minha parte de utopia a falar.
PS em 17 de junho :
https://www.publico.pt/2019/06/16/culturaipsilon/noticia/tres-milhoes-euros-sao-carlos-nao-pacificam-trabalhadores-salvam-opera-ficou-estrear-1876563
Posição da ministra da Cultura:
https://www.publico.pt/2019/06/16/culturaipsilon/opiniao/resolver-problemas-decadas-solucoes-futuro-sao-carlos-cnb-orquestra-sinfonica-1876547
Posição do Cena-STE e representantes sindicais do Opart :
https://www.publico.pt/2019/06/17/culturaipsilon/opiniao/resolver-presente-futuro-opart-1876618
PS em 21 de junho de 2019, fim da Primavera - de manhã, o sindicalista manifestou esperanças na conversa que ia ter com a senhora secretária de Estado. Terá pensado que o senhor primeiro ministro teria estado muito ocupado no agri-doce conselho da Europa e que não gostará de ópera e por isso teria delegado na senhora ministra da Cultura, que também terá andado muito ocupada com a transcendente pasta que sobraça e que possivelmente, por dar mais importancia ao formalismo das coisas do que à representação da Boheme, não apreciará ópera, pelo que delegou na senhora secretária de Estado.
À tarde a voz do sindicalista era de desilusão. Por mais que tivesse explicado que o problema era quando pagavam a harmonização que está no orçamento mas cativada, a senhora secretária de Estado não saiu da sua estratégia, obviamente cheia de razão, como não poderia deixar de ser num grupo tão coeso como é o XIX governo, estratégia essa que segue os critérios de Sun Tzu como manobra de diversão. Não era isso que se discutia. Descobriu-se no ministério que a decisão de passar os bailarinos para 35 horas em 2017 tinha sido ilegítima, logo havia que criar um banco de horas para "harmonizar". Consta até que a senhora ministra já não tem confiança no próprio presidente da Opart, mas pode ser só um rumor. Parafraseando o senhor ministro dos Transportes urbanos/Ambiente, eu diria harmonizar coisissima nenhuma, dissonancia, dissonancia é o que é. Perante tal manobra de diversão, comento que é mais uma manifestação de desrespeito por técnicos e artistas, mais uma imposição das cativações, mais uma indignidade. Mas pode ser que arranjem uns serviços mínimos para o Festival do Largo. Entretanto o senhor ministro das Finanças foi muito cumprimentado por ter sido mandatado para encontrar financiamento para 17 mil milhões da União Europeia para investir (para ver se a inflação anima, penso eu). Conhecido o seu pensamento sobre investimentos em infraestruturas, é capaz de ser o mesmo que pedir ao raposo para comprar vedações resistentes para o galinheiro.
PS em 27 de junho de 2019 - A notícia do Público de 26 de junho diz que o diretor artístico do S.Carlos não quer renovar o contrato. Se fosse um treinador de futebol encher-se-iam os noticiários com comentários de entendidos. Não admira, só 45 mil pessoas asssistiram a espetáculos de ópera em 2018:
Mas não se culpem as pessoas. A desistencia de Patrick Dickie é apenas consequencia da política cultural deste e dos anteriores governos. Os senhores governantes não acham que se deva investir neste tipo de cultura. Não sabem o que perdem, mas sabem que vão privar pessoas do prazer de ver e ouvir ópera.
É impressionante a postura da senhora ministra e da senhora secretária de Estado. Lembraram-se da manobra de diversão de Sun Tzu , capítulo VII da arte da guerra - as manobras, ação 4: "tome um caminho indireto e distraia o inimigo", vulgo manobra de diversão, distrair o inimigo, enganar todos com falinhas mansas, do tipo: passar de 40 para 35 horas semanais em 2017 foi ilegal, logo acaba-se com isso. Salvo melhor opinião, seria necessário uma decisão de tribunal para tal, mas o XXI governo está acima disso. Uma análise psicilógica diria que se um detentor de poder ouve uma coisa (o que estava em causa era o pagamento de uma igualização salarial que estava no orçamento de 2019 mas cativada, à espera da autorização do senhor dos excedentes ou defices pequenos) e responde outra diferente para centrar a discussão nesse tema é porque se sente inseguro. Desde Freud que se sabe isso. Mao dizia que o poder corrompe, e ele sabia do que falava, e etimologicamente é isso mesmo, corrupção significa enfraquecimento. Uma ministra da cultura fraca, seguindo a tradição dos governantes anteriores . Jose Manuel Viegas desistiu de lutar contra as quintinhas e por isso não sei se seguiria a tradição desses governantes, como aliás os seus sucessores seguiram; por exemplo , Gabriela Canavilhas demitiu abusivamente Cristopher Dammon, que tinha uma estratégia inteligente de coproduções com teatros de ópera de segunda linha da Europa; vi produções de grande valia, mas a senhora ministra achou que não eram o que os espetadores tradicionalistas queriam; será uma senhora culta, não tenho as duvidas que tenho relativamente à atual, não era portanto fraca, mas o seu problema foi hubris, o achar, sem humildade, que estava acima dos governados e ao lado das quintinhas, ignorando o mérito da estratégia de Dammon. Que pensará Patrick Dickie dos excelsos decisores portugueses?
Ver na pãgina 69 desta revista da imprensa a notícia sobre Patrick Dickie:
http://fesete.pt/portal/docs/pdf/NOIM2019/Revista_Imprensa_26_Junho_2019.pdf
terça-feira, 19 de junho de 2012
Como é diferente o amor pela ópera na Turquia
Não entendam como um convite a um passeio turístico a Istanbul, em época de crise, mesmo com a desculpa de ser cultural.
Mas passou-me pelos olhos o anuncio do festival de ópera em Julho, em Istanbul, interessada que está a Turquia em fazer "charme" à Europa ocidental e central e segura do seu clima mediterrânico e do seu PIB crescente (aguardam-se as negociações com os revoltados curdos).
E lembrei-me da aversão que os nossos governantes têm à ópera.
Com alguma razão, quanto a mim, que ela pode ser subversiva, quando põe a nú as fragilidades do pensamento de quem detem o poder politico (ver o Don Carlos, o MacBeth ou o Boris Godounov) ou o poder financeiro (ver o Banksters, do nosso Corte Real, ou Dias Levantados, do também nosso Pinho Vargas) alem de requerer produções muito caras.
Ver o programa de Istanbul, de 7 a 19 de Julho de 2012, incluindo temas clássicos nos teatros da Europa ocidental e central, como o Rapto no Serralho, e Bajazeto, em:
http://www.istanbuloperafestival.gov.tr/eng/index.htmlhttp://www.istanbuloperafestival.gov.tr/eng/index.html
E lembrei-me também do esforço dos trabalhadores da cultura e da ópera do S.Carlos, reduzidos pelo garrote financeiro a montarem um festival no largo de S.Carlos praticamente sem referencias de ópera, de 30 de junho a 31de julho. Ver em:
http://www.festivalaolargo.com/#
Vejam ainda o programa com que o senhor secretário de estado da cultura convenceu o maestro Vitorino de Almeida a realizar concertos sinfónicos pelo país fora, com base nas várias orquestras descentralizadas existentes, de 14 de Junho a 30 de Setembro. Como de forma algo provinciana, de quem não está à vontade quando fala de musica sinfónica e, muito menos, de ópera, disse o senhor secretário de estado que esta iniciativa, que custou 495 mil euros (tanto, 25 mil euros por concerto? talvez aplicar uma taxa por cada minuto de telenovela nas televisões para cobrir as despesas…), “mostrava o lado informal da musica sinfónica” (o que é o lado informal da música sinfónica?).
Ver em:
http://sol.sapo.pt/inicio/Cultura/Interior.aspx?content_id=51859
Mas não deixem de ver o ar provinciano das fotografias do concerto inaugural com as senhoras ministras e senhores ministros sentados na plateia improvisada no palácio da Ajuda, constrangidas e constrangidos por terem de marcar presença numa coisa tão chata como um concerto sinfónico (vá lá que não era ópera), a que nunca iriam se não fossem ministros dum governo para quem a cultura não interessa, ou só interessa se tiver valor mediático, como as perucas trans-seculares de Joana Vasconcelos nos quartos de Versailles. Que ar de baile de bombeiros e de cerimonial do regime com que ficaram todos.
http://www.portugal.gov.pt/pt/fotos-e-videos/fotos/20120614-sec-orquestra.aspx
http://www.grandeorquestradeverao.pt/programacao/programacao/
Ou, de como, mais uma vez parafraseando Júlio Dantas, como é diferente o amor pela ópera na Turquia.
Mas passou-me pelos olhos o anuncio do festival de ópera em Julho, em Istanbul, interessada que está a Turquia em fazer "charme" à Europa ocidental e central e segura do seu clima mediterrânico e do seu PIB crescente (aguardam-se as negociações com os revoltados curdos).
E lembrei-me da aversão que os nossos governantes têm à ópera.
Com alguma razão, quanto a mim, que ela pode ser subversiva, quando põe a nú as fragilidades do pensamento de quem detem o poder politico (ver o Don Carlos, o MacBeth ou o Boris Godounov) ou o poder financeiro (ver o Banksters, do nosso Corte Real, ou Dias Levantados, do também nosso Pinho Vargas) alem de requerer produções muito caras.
Ver o programa de Istanbul, de 7 a 19 de Julho de 2012, incluindo temas clássicos nos teatros da Europa ocidental e central, como o Rapto no Serralho, e Bajazeto, em:
http://www.istanbuloperafestival.gov.tr/eng/index.htmlhttp://www.istanbuloperafestival.gov.tr/eng/index.html
E lembrei-me também do esforço dos trabalhadores da cultura e da ópera do S.Carlos, reduzidos pelo garrote financeiro a montarem um festival no largo de S.Carlos praticamente sem referencias de ópera, de 30 de junho a 31de julho. Ver em:
http://www.festivalaolargo.com/#
Vejam ainda o programa com que o senhor secretário de estado da cultura convenceu o maestro Vitorino de Almeida a realizar concertos sinfónicos pelo país fora, com base nas várias orquestras descentralizadas existentes, de 14 de Junho a 30 de Setembro. Como de forma algo provinciana, de quem não está à vontade quando fala de musica sinfónica e, muito menos, de ópera, disse o senhor secretário de estado que esta iniciativa, que custou 495 mil euros (tanto, 25 mil euros por concerto? talvez aplicar uma taxa por cada minuto de telenovela nas televisões para cobrir as despesas…), “mostrava o lado informal da musica sinfónica” (o que é o lado informal da música sinfónica?).
Ver em:
http://sol.sapo.pt/inicio/Cultura/Interior.aspx?content_id=51859
Mas não deixem de ver o ar provinciano das fotografias do concerto inaugural com as senhoras ministras e senhores ministros sentados na plateia improvisada no palácio da Ajuda, constrangidas e constrangidos por terem de marcar presença numa coisa tão chata como um concerto sinfónico (vá lá que não era ópera), a que nunca iriam se não fossem ministros dum governo para quem a cultura não interessa, ou só interessa se tiver valor mediático, como as perucas trans-seculares de Joana Vasconcelos nos quartos de Versailles. Que ar de baile de bombeiros e de cerimonial do regime com que ficaram todos.
http://www.portugal.gov.pt/pt/fotos-e-videos/fotos/20120614-sec-orquestra.aspx
http://www.grandeorquestradeverao.pt/programacao/programacao/
Ou, de como, mais uma vez parafraseando Júlio Dantas, como é diferente o amor pela ópera na Turquia.
domingo, 28 de março de 2010
Outra vez a ópera no S.Carlos – Niobe, rainha de Tebas
Discordando da senhora ministra da Cultura, que anunciou a demissão do diretor do S.Carlos, expresso aqui o meu reconhecimento ao diretor pelo magnífico espetáculo Niobe, rainha de Tebas.
É um exemplo esplendoroso do barroco do fim do século XVII, de um compositor italiano sediado em Munique, Agostino Steffani.
Desconhecia a obra e o seu autor. Aliás, foi estreia em Portugal.
Os intérpretes são de bom nível, incluindo um barítono português. Este diretor tem a preocupação de pôr cantores portugueses a cantar (tive muita pena de faltar ao “Trouble in Tahiti”, de Lenard Bernstein, com cantores de ópera portugueses finalistas do Conservatório). Na orquestra foram incluídos instrumentos da época, como um alaúde, uma viola de gamba e um cravo. O maestro evidenciou entusiasmo. O público aplaudiu. Enfim, o contrário do que a senhora ministra disse, que o público estava muito desagradado com o diretor.
Mas a senhora ministra é pianista. Não tem que ser uma “expert” em ópera. Ainda por cima ópera barroca.
É verdade que o espetáculo anterior, com o “Morcego” de Johannan Strauss, desagradou; mas, primeiro, não se demite um diretor a quem faltam 2 anos de contrato como é hábito no futebol quando a equipa perde um jogo importante (a programação de um teatro de ópera é feita com 2 anos de antecedência). E depois, o “Morcego” é uma opereta para ter “buchas” do anedotário da atualidade. Pelo menos, quando foi composto era assim. Se desagradou, isso significa que retratou corretamente uma sociedade decadente e com péssimo gosto cultural. Terá sido um espetáculo adaptado à realidade portuguesa que se vive (justifico: a encenação girava a volta da moda dos vampiros e das piadas “stand up comedy”). E isso custa a aceitar por quem achará que a realidade portuguesa não é tão medíocre.
A tendência de exercer o poder apesar de não se ser especialista daquilo sobre que se está a decidir faz-me lembrar, por contraste, o tempo em que estive no exército, na arma de Transmissões. Assisti à substituição, por antiguidade, dos oficiais generais que eram engenheiros civis por engenheiros de telecomunicações. Foi uma evolução natural.
No caso do S.Carlos não parece ser assim. Temos a senhora ministra pianista a decidir sobre ópera. Faz-me lembrar também algumas empresas de transporte ferroviário. Gostam de pôr técnicos da especialidade de construção civil nos lugares de decisão. Mas nos tempos que correm, com a evolução da informática, das telecomunicações, da eletrónica de potência, soa a alguma confusão. As empresas de transporte não são empresas de construção civil, têm como objetivo transportar pessoas em condições de segurança, rapidez e conforto. Quem as gere não deve reduzir a partitura à do piano…nem aplicar cortes orçamentais indiscriminados aos planos de atividades. Não devem decidir sozinhos, sem ouvir os técnicos da especialidade… aumentam as probabilidades de decidir mal…
A ópera, baseada nas Metamorfoses de Ovídio, conta a história da rainha de Tebas, Niobe, que ousa combater os deuses e que acaba vencida.
Imaginemos o que o compositor e o seu libretista quereriam dizer com a sua ópera, no fim do século XVII, numa Alemanha em que os principes eleitores dominavam:
"Desordenadas potencias, acordai.
A mente enganada por falsas aparencias,
já vencida e presa,
não mais desfaleça
... ... ... ... ... ...
Que fazeis, impios tebanos?
por que furores insanos
loucamente agitados,
os falsos dogmas de loucos seguis?
Ousais assim preferir
imagens vãs e objetos inexistentes?"
Aplausos pela sua visão para Agostino Steffani e o seu libretista, Luigi Orlandi.
É um exemplo esplendoroso do barroco do fim do século XVII, de um compositor italiano sediado em Munique, Agostino Steffani.
Desconhecia a obra e o seu autor. Aliás, foi estreia em Portugal.
Os intérpretes são de bom nível, incluindo um barítono português. Este diretor tem a preocupação de pôr cantores portugueses a cantar (tive muita pena de faltar ao “Trouble in Tahiti”, de Lenard Bernstein, com cantores de ópera portugueses finalistas do Conservatório). Na orquestra foram incluídos instrumentos da época, como um alaúde, uma viola de gamba e um cravo. O maestro evidenciou entusiasmo. O público aplaudiu. Enfim, o contrário do que a senhora ministra disse, que o público estava muito desagradado com o diretor.
Mas a senhora ministra é pianista. Não tem que ser uma “expert” em ópera. Ainda por cima ópera barroca.
É verdade que o espetáculo anterior, com o “Morcego” de Johannan Strauss, desagradou; mas, primeiro, não se demite um diretor a quem faltam 2 anos de contrato como é hábito no futebol quando a equipa perde um jogo importante (a programação de um teatro de ópera é feita com 2 anos de antecedência). E depois, o “Morcego” é uma opereta para ter “buchas” do anedotário da atualidade. Pelo menos, quando foi composto era assim. Se desagradou, isso significa que retratou corretamente uma sociedade decadente e com péssimo gosto cultural. Terá sido um espetáculo adaptado à realidade portuguesa que se vive (justifico: a encenação girava a volta da moda dos vampiros e das piadas “stand up comedy”). E isso custa a aceitar por quem achará que a realidade portuguesa não é tão medíocre.
A tendência de exercer o poder apesar de não se ser especialista daquilo sobre que se está a decidir faz-me lembrar, por contraste, o tempo em que estive no exército, na arma de Transmissões. Assisti à substituição, por antiguidade, dos oficiais generais que eram engenheiros civis por engenheiros de telecomunicações. Foi uma evolução natural.
No caso do S.Carlos não parece ser assim. Temos a senhora ministra pianista a decidir sobre ópera. Faz-me lembrar também algumas empresas de transporte ferroviário. Gostam de pôr técnicos da especialidade de construção civil nos lugares de decisão. Mas nos tempos que correm, com a evolução da informática, das telecomunicações, da eletrónica de potência, soa a alguma confusão. As empresas de transporte não são empresas de construção civil, têm como objetivo transportar pessoas em condições de segurança, rapidez e conforto. Quem as gere não deve reduzir a partitura à do piano…nem aplicar cortes orçamentais indiscriminados aos planos de atividades. Não devem decidir sozinhos, sem ouvir os técnicos da especialidade… aumentam as probabilidades de decidir mal…
A ópera, baseada nas Metamorfoses de Ovídio, conta a história da rainha de Tebas, Niobe, que ousa combater os deuses e que acaba vencida.
Imaginemos o que o compositor e o seu libretista quereriam dizer com a sua ópera, no fim do século XVII, numa Alemanha em que os principes eleitores dominavam:
"Desordenadas potencias, acordai.
A mente enganada por falsas aparencias,
já vencida e presa,
não mais desfaleça
... ... ... ... ... ...
Que fazeis, impios tebanos?
por que furores insanos
loucamente agitados,
os falsos dogmas de loucos seguis?
Ousais assim preferir
imagens vãs e objetos inexistentes?"
Aplausos pela sua visão para Agostino Steffani e o seu libretista, Luigi Orlandi.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
O São Carlos em 2010-2011
A fotografia com a senhora ministra vinha no Oje de dia 16 de Setembro de 2010 e mostra-a, sorridente, ouvindo a soprano Ana Franco que cantava uma ária de Gianni Schicchi, oh mio babino caro (oh meu papá querido).
O título anuncia 10 óperas para a temporada 2010-2011.
Como se sabe, a senhora ministra demitiu o anterior diretor artístico do S.Carlos com o argumento de que a sua programação não era o que o publico do S.Carlos desejava.
Na altura, como espetador, protestei porque achei a sua programação com interesse e achei tambem que os diretores artisticos não se despedem como os treinadores de futebol, até porque neste caso o senhor parece ter levado uma indemnização superior a 150.000 euros e as programações de ópera têm de fazer-se com mais de 2 anos de antecedência.
Eis porque não pode agora aceitar-se o argumento de que a temporada foi o que se pôde arranjar com o tempo disponível e com os cortes típicos dum país em que o orçamento da cultura não é comparável com 1% do orçamento, apesar de já representar quase 3% do PIB.
Isto é, sendo a senhora ministra uma boa pianista, como se pode comprovar com os discos que ela já gravou, como teria sido bom ter-se limitado a ser pianista., para bem dos melómanos.
Sobre os cortes, também há a dizer que se estranha muito não haver apoiantes particulares e mais mecenas empresariais e para complementar o esforço do ministério da Cultura. Assim como assim, esquecida a adesão popular nos espetáculos do Coliseu, ir à ópera poderia ser uma associação mutualista.
E além disso, depois daquele estudo que a senhora ministra encomendou ao senhor economista Mateus e que demonstrou que a cultura é um domínio gerador de mais valias (venda de espetáculos a televisões estrangeiras, receitas publicitárias em transmissões televisivas, promoção da venda de bilhetes junto de turistas) , custa a aceitar que a temporada seja pobre (sem menosprezo pelo trabalho dos participantes nos espetáculos; é que 10 óperas é pouco, nas condições em que vão ser apresentadas).
Quanto à temporada, são de facto 10 óperas, mas convirá esclarecer o seguinte, para que não se oiça só dizer mal do anterior diretor e do seu trabalho, como convem à propaganda da senhora ministra:
- duas das óperas são apresentadas em versão concerto (Dona Branca de Alfredo Keil e Cavaleria Rusticanna de Mascagni, sendo que esta ultima vai ser apresentada isoladamente, apesar de ter pouco mais de uma hora de duração, pelo que seria expetável ser apresentada com outra no mesmo espetáculo)
- três das óperas já tinham sido contratadas pelo diretor anterior (Dona Branca, Katia Kabanova de Janachek e Banksters)
- Paint me é uma ópera de câmara de Luis Tinoco (sobre os contos de Canterbury) e é uma produção da Culturgest
- Blue Monday é uma ópera sinfónica de jazz de Gershwin que dura menos de 30 minutos (é apresentada no mesmo espetáculo com Gianni Schicchi de Puccini)
- Banksters de Nuno Corte-Real (ou o banqueiro gangster, sobre Jacob e o Anjo de José Régio) tem uma duração de 1 hora, pelo que seria expetavel no mesmo espetáculo ser apresentada outra ópera
- a ópera para crianças Hansel e Gretel de Humperdinck será apresentada no teatro Camões, embora seja uma produção do Teatro de S.Carlos
- Restantes óperas: O chapeu de palha de Florença de Nino Rota, e Carmen de Bizet
- Número de óperas que fazem parte da assinatura: 6
- aplaude-se a participação de cantores portugueses, mas faltam co-produções com outros teatros de ópera europeus (evidentemente que não havia tempo para as combinar)
- aplaude-se a contratação do maestro Martin Andre para diretor artístico, mas receia-se que a sua presença não seja a tempo inteiro, assim como se tivesse sido pedido emprestado
- lamenta-se que o diretor geral da Opart tenha declarado que há problemas graves, mas que só os discutirá na intimidade do seu gabinete e do gabinete da senhora ministra; é que viola o art.48º da Constituição (direito à informação de assunto de interesse público).
Mas que haverá de fazer-se? se estamos no país da maravilhosa imperfeição, como diz Eduardo Lourenço.
No entanto, considerando que se estava à espera de pior, e a atenção dada nesta temporada aos cantores e musicos portugueses, é de aplaudir.
Mas não nos esqueçamos que, como dizia um senhor que não será um expoente da cultura mas que falou sabiamente, "assim não ganhamos o jogo". Isto é, quando tivermos o TGV, vai-se à ópera em Madrid e volta-se logo a seguir, coisa que os nossos concidadãos de Barcelona não precisarão de fazer. Será a otimização dos custos através da centralização , do ponto de vista dos gestores de Lisboa, e a afirmação da soberania do ponto de vista dos gestores de Barcelona.
Mais informações em:
http://www.saocarlos.pt/gca/?id=958
e em:
fanaticosdaopera.blogspot.com
sugerindo, para quem tem crianças, a Hansel e Gretel (sobre um conto de Grimm), cantada em português, no Teatro Camões, no Parque Expo. Pode ser que a maioria das crianças não goste, mas se uma só delas gostar, terá valido a pena.
O título anuncia 10 óperas para a temporada 2010-2011.
Como se sabe, a senhora ministra demitiu o anterior diretor artístico do S.Carlos com o argumento de que a sua programação não era o que o publico do S.Carlos desejava.
Na altura, como espetador, protestei porque achei a sua programação com interesse e achei tambem que os diretores artisticos não se despedem como os treinadores de futebol, até porque neste caso o senhor parece ter levado uma indemnização superior a 150.000 euros e as programações de ópera têm de fazer-se com mais de 2 anos de antecedência.
Eis porque não pode agora aceitar-se o argumento de que a temporada foi o que se pôde arranjar com o tempo disponível e com os cortes típicos dum país em que o orçamento da cultura não é comparável com 1% do orçamento, apesar de já representar quase 3% do PIB.
Isto é, sendo a senhora ministra uma boa pianista, como se pode comprovar com os discos que ela já gravou, como teria sido bom ter-se limitado a ser pianista., para bem dos melómanos.
Sobre os cortes, também há a dizer que se estranha muito não haver apoiantes particulares e mais mecenas empresariais e para complementar o esforço do ministério da Cultura. Assim como assim, esquecida a adesão popular nos espetáculos do Coliseu, ir à ópera poderia ser uma associação mutualista.
E além disso, depois daquele estudo que a senhora ministra encomendou ao senhor economista Mateus e que demonstrou que a cultura é um domínio gerador de mais valias (venda de espetáculos a televisões estrangeiras, receitas publicitárias em transmissões televisivas, promoção da venda de bilhetes junto de turistas) , custa a aceitar que a temporada seja pobre (sem menosprezo pelo trabalho dos participantes nos espetáculos; é que 10 óperas é pouco, nas condições em que vão ser apresentadas).
Quanto à temporada, são de facto 10 óperas, mas convirá esclarecer o seguinte, para que não se oiça só dizer mal do anterior diretor e do seu trabalho, como convem à propaganda da senhora ministra:
- duas das óperas são apresentadas em versão concerto (Dona Branca de Alfredo Keil e Cavaleria Rusticanna de Mascagni, sendo que esta ultima vai ser apresentada isoladamente, apesar de ter pouco mais de uma hora de duração, pelo que seria expetável ser apresentada com outra no mesmo espetáculo)
- três das óperas já tinham sido contratadas pelo diretor anterior (Dona Branca, Katia Kabanova de Janachek e Banksters)
- Paint me é uma ópera de câmara de Luis Tinoco (sobre os contos de Canterbury) e é uma produção da Culturgest
- Blue Monday é uma ópera sinfónica de jazz de Gershwin que dura menos de 30 minutos (é apresentada no mesmo espetáculo com Gianni Schicchi de Puccini)
- Banksters de Nuno Corte-Real (ou o banqueiro gangster, sobre Jacob e o Anjo de José Régio) tem uma duração de 1 hora, pelo que seria expetavel no mesmo espetáculo ser apresentada outra ópera
- a ópera para crianças Hansel e Gretel de Humperdinck será apresentada no teatro Camões, embora seja uma produção do Teatro de S.Carlos
- Restantes óperas: O chapeu de palha de Florença de Nino Rota, e Carmen de Bizet
- Número de óperas que fazem parte da assinatura: 6
- aplaude-se a participação de cantores portugueses, mas faltam co-produções com outros teatros de ópera europeus (evidentemente que não havia tempo para as combinar)
- aplaude-se a contratação do maestro Martin Andre para diretor artístico, mas receia-se que a sua presença não seja a tempo inteiro, assim como se tivesse sido pedido emprestado
- lamenta-se que o diretor geral da Opart tenha declarado que há problemas graves, mas que só os discutirá na intimidade do seu gabinete e do gabinete da senhora ministra; é que viola o art.48º da Constituição (direito à informação de assunto de interesse público).
Mas que haverá de fazer-se? se estamos no país da maravilhosa imperfeição, como diz Eduardo Lourenço.
No entanto, considerando que se estava à espera de pior, e a atenção dada nesta temporada aos cantores e musicos portugueses, é de aplaudir.
Mas não nos esqueçamos que, como dizia um senhor que não será um expoente da cultura mas que falou sabiamente, "assim não ganhamos o jogo". Isto é, quando tivermos o TGV, vai-se à ópera em Madrid e volta-se logo a seguir, coisa que os nossos concidadãos de Barcelona não precisarão de fazer. Será a otimização dos custos através da centralização , do ponto de vista dos gestores de Lisboa, e a afirmação da soberania do ponto de vista dos gestores de Barcelona.
Mais informações em:
http://www.saocarlos.pt/gca/?id=958
e em:
fanaticosdaopera.blogspot.com
sugerindo, para quem tem crianças, a Hansel e Gretel (sobre um conto de Grimm), cantada em português, no Teatro Camões, no Parque Expo. Pode ser que a maioria das crianças não goste, mas se uma só delas gostar, terá valido a pena.
sábado, 3 de dezembro de 2011
Le roi d'Ys
Ópera de Eduard Lalo, estreada em 1888, com uma história de ciumes, vinganças e fantasias milagrosas em ambiente mais ou menos medieval, ou gótica, como agora se diz, com a moda do senhor dos aneis.
Ver em:
http://operaparaprincipiantes.blogspot.com/2011/02/le-roi-dys.html
e em:
http://www.youtube.com/watch?v=MxuKA4sXNkY&feature=related
Não será o melhor exemplo para convencer as pessoas a gostarem de ópera, mas continuo a pensar que os compositores de ópera conseguiram traduzir emoções, sentimentos e dilemas humanos.
No fundo, dilemas é um problema fundamental da humanidade, julgo eu.
Oiço na Antena 2 uma área do Roi d'Ys e ocorre-me que toda a ópera é uma metáfora do que nos atormenta.
Na ópera, a filha do rei, por ciúmes e vingança, ou por divergência de interesses, destroi a cidade sabotando as comportas do dique de proteção.
Foi o que fizeram os gurus da não intervenção financeira como Alain Greenspan, sacerdotes da ideologia neo liberal de deixar os mercados funcionar.
Deixaram as comportas da desregulação financeira abertas.
Abate-se a crise sobre o país de Obama, e chama-se outro guru neo liberal, Tim Gaithner, para o Tesouro.
Diziam os gregos clássicos que o antídoto da mordedura do cão é a saliva do próprio cão.
No caso da ópera, a sabotadora é atormentada pelo remorso (coisa que os adeptos do neo-liberalismo não conhecem) e o santo protetor da cidade salva a cidade das inundações aceitando o seu sacrifico humano .
Talvez a metáfora não seja perfeita, porque não são os decisores, crentes ferverosos nos dogmas da minimização da despesa publica e da recessão criativa ("só cresceremos depois de terminado o período de declínio económico" - que La Palice peça aos deuses comiseração) que vão sacrificar-se para a entidade poderosa salvar a civitatis.
Parece que no nosso caso o sacrificio humano que se pede é antes o dos habitantes.
Mas é interessante, a ideia da ópera.
Haver entidades míticas a quem se sacrifica, recebendo-se em troca a salvação.
Quem cria o problema sacrifica-se existencialmente para o resolver; toda e qualquer semelhança com mitos religiosos ou existencialistas é pura coincidencia.
Fecunda, a imaginação humana.
Ver em:
http://operaparaprincipiantes.blogspot.com/2011/02/le-roi-dys.html
e em:
http://www.youtube.com/watch?v=MxuKA4sXNkY&feature=related
Não será o melhor exemplo para convencer as pessoas a gostarem de ópera, mas continuo a pensar que os compositores de ópera conseguiram traduzir emoções, sentimentos e dilemas humanos.
No fundo, dilemas é um problema fundamental da humanidade, julgo eu.
Oiço na Antena 2 uma área do Roi d'Ys e ocorre-me que toda a ópera é uma metáfora do que nos atormenta.
Na ópera, a filha do rei, por ciúmes e vingança, ou por divergência de interesses, destroi a cidade sabotando as comportas do dique de proteção.
Foi o que fizeram os gurus da não intervenção financeira como Alain Greenspan, sacerdotes da ideologia neo liberal de deixar os mercados funcionar.
Deixaram as comportas da desregulação financeira abertas.
Abate-se a crise sobre o país de Obama, e chama-se outro guru neo liberal, Tim Gaithner, para o Tesouro.
Diziam os gregos clássicos que o antídoto da mordedura do cão é a saliva do próprio cão.
No caso da ópera, a sabotadora é atormentada pelo remorso (coisa que os adeptos do neo-liberalismo não conhecem) e o santo protetor da cidade salva a cidade das inundações aceitando o seu sacrifico humano .
Talvez a metáfora não seja perfeita, porque não são os decisores, crentes ferverosos nos dogmas da minimização da despesa publica e da recessão criativa ("só cresceremos depois de terminado o período de declínio económico" - que La Palice peça aos deuses comiseração) que vão sacrificar-se para a entidade poderosa salvar a civitatis.
Parece que no nosso caso o sacrificio humano que se pede é antes o dos habitantes.
Mas é interessante, a ideia da ópera.
Haver entidades míticas a quem se sacrifica, recebendo-se em troca a salvação.
Quem cria o problema sacrifica-se existencialmente para o resolver; toda e qualquer semelhança com mitos religiosos ou existencialistas é pura coincidencia.
Fecunda, a imaginação humana.
Etiquetas:
Lalo,
Roi d'Ys,
salvação pelo sacrificio
terça-feira, 22 de maio de 2012
Critica de ópera - La rondine (a andorinha) no S.Carlos
La rondine, opera de Puccini, estreada em Monte Carlo em março de 1917, decorria a guerra na Europa. A Itália ao lado da Inglaterra, França e USA contra a Alemanha, Áustria e Turquia. Uma guerra tribal em ponto grande.
Enquanto na preparação das batalhas os generais utilizavam o número de mortos como mais um fator de produção de vitórias, Puccini, italiano, terminava o seu trabalho com os libretistas austríacos e apresentava a sua ópera em Monte Carlo.
Como se vem dizendo neste blogue, a ópera tem uma componente subversiva.
Por exemplo, de Verdi, o Don Carlo combate de forma demolidora a insanidade da Inquisição e do poder absoluto, o Nabuco apela à liberdade de um povo, e Stifelio condena quem condena a mulher adúltera.
Houve até o caso de “La muette de Portici”, de Auber, que catalizou a revolução de 1830 que levou à separação da Bélgica relativamente aos Países Baixos.
Dora Rodrigues, a cortesã apaixonada ,e Mário Alves, o jovem de boas famílias |
Marco Alves dos Santos, o poeta boémio, e Carla Caramujo, a camareira da cortesã |
Aparentemente leviana e retratando de forma melodramática as angustias e os amores de um jovem sem problemas de dinheiro e de uma mulher mais madura amante de um banqueiro, a ópera La rondine, que significa andorinha, tem para nós o significado político de ser a única ópera apresentada pelo S.Carlos neste ano, após os cortes determinados pelo governo terem inviabilizado os espetáculos anunciados.
Por outro lado, um dos temas da ópera é a liberdade de movimentos da andorinha e a sua capacidade de emigrar.
Parece que nem de propósito, quando as politicas do governo forçam os jovens do país a fazer como as andorinhas.
o lustre principal do S.Carlos |
o camarote presidencial sempre deserto |
o salão nobre preparado para o lançamento de um modelo automóvel de uma marca de luxo, ou uma forma de reduzir o defice do teatro |
Terá sido uma bofetada com luva branca nos senhores que têm dinheiro para enviar uma delegação ao campeonato da Europa de futebol mas não têm dinheiro para a cultura (governo de um país que dedica à cultura menos de 1% do seu orçamento público não merece grande respeito) nem sequer para combinar uma digressão a Madrid ou Barcelona do excelente espetáculo que o S.Carlos conseguiu produzir.
Duvido que os senhores do governo que tutelam a politica cultural percebam sequer o nível artístico atingido pelos intérpretes, de que me permito destacar a soprano Dora Rodrigues, nem o valor”de mercado”, como eles dizem, das suas prestações.
Aliás, o camarote presidencial do S.Carlos está sistematicamente vazio, não vão os espetadores vaiar eventuais ocupantes, que ainda por cima fariam um esforço insano por ver e ouvir uma ópera.
Etiquetas:
cultura,
La Rondine,
Ópera,
Puccini,
Teatro São Carlos
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Antigono de António Mazonni
O Centro Cultural de Belem apresentou nos dias 21 e 22 de janeiro de 2011 a ópera Antigono de Antonio Mazzoni.
Foi a terceira e ultima ópera cantada, e também estreada, no teatro da ópera do Tejo, mandada construir por D.José, antes de ser destruida pelo terramoto de 1755.
Nunca mais foi representada e, para o ser agora, foi necessário o empenho da orquestra Divino Sospiro, residente no Centro Cultural de Belem e a reconstrução pelo musicólogo Nicholas McNair da partitura , conservada na biblioteca da Ajuda.
Este é um caso curiosissimo, num país em que se acha mal gastar dinheiro com a cultura.
Apesar de tudo, existe nele quem trabalhe em cultura e obtenha resultados.
Pelo menos esperam-se resultados com a repetição desta produção em festivais como o de Innsbruck e a venda a televisões estrangeiras.
O que só confirmaria o estudo do professor Mateus, que a cultura é rentável.
Voltando ao Antigono:
1 - o rei D.José aplicou o dinheiro do ouro do Brasil em espetáculos de ópera e na construção de um teatro real (nacional); esta orientação era diferente da de D.João V, que preferia empregar musicos instrumentais (Scarlatti, por exemplo) porque os espetáculos de ópera eram considerados algo imorais pela sua mentalidade religiosa;
2 - choca a quantidade de dinheiro que veio do Brasil e foi utilizada para o entretenimento do rei, dos aristocratas e da hierarquia religiosa; porém a evolução da sociedade permitiu, enquanto a revolução francesa triunfava, o acesso à cultura da burguesia, e esse sentido de evolução, extensível a toda a população, é positivo;
3 - o diretor da Divino Sospiro, falando sobre esta reconstrução de Antigono, disse:
"Um povo que tem consciência da sua cultura, estará melhor. Talvez seja bom recuperar essa confiança. Sou italiano e tenho agora o Berlusconi no meu país, mas posso olhar para trás, para o Leonardo Da Vinci, por exemplo. Sei de onde venho e sinto-me bem, porque tenho uma cultura para onde me posso virar. Recuperar o nosso passado é também resolver alguma coisa do nosso presente".
Não é uma maravilha? Especialmente para quem acha que é melhor saber fazer contas do que distinguir o Tomas More do Tomas Mann;
4 - Se é assim, o Antigono é a metáfora do desaparecimento da sociedade rica dependente do ouro do Brasil, e a viragem para a cultura ao serviço do povo.
5 - Não estou a romantizar a cultura ao serviço do povo; vejam como canta Berenice na cena 11 do 1º ato:
"... as extremas misérias perturbam a razão. Se eu pudesse dizer quão infelizes somos, sei que moveria à piedade até os inimigos"; podia pensar-se que no século XVIII era uma situação vulgar e agora não devia ser, mas como as coisas estão parece atual
6 - Outra curiosidade: durante a reconstrução da partitura pôs-se a hipótese do teatro da ópera do Tejo não ter sido completamente destruido; as paredes laterais e as empenas extremas e intermédias ter-se-ão mantido e... integradas no atual edificio do arsenal da Marinha; vendo no Google Earth, é uma planta com 120 metros de comprimento e 20 metros de largura, os lados maiores a dar para a rua do Arsenal e para o pátio da Marinha, com o palco a ocupar a maior parte do espaço, do lado do Terreiro do Paço; por baixo passa o Metro; é uma hipótese interessante, que confirma a outra hipótese: que houve limites ao método de reconstrução da baixa: demolição e construção geométrica; mas terá sido uma pena, ão ter reconstruido a ópera do Tejo; as fundações afinal terão aguentado as paredes; foi um problema de telhados e de pavimentos;
7 - E sim, posso garantir, a orquestra tocou mesmo muito bem, e os cantores foram ótimos.
Foi a terceira e ultima ópera cantada, e também estreada, no teatro da ópera do Tejo, mandada construir por D.José, antes de ser destruida pelo terramoto de 1755.
Nunca mais foi representada e, para o ser agora, foi necessário o empenho da orquestra Divino Sospiro, residente no Centro Cultural de Belem e a reconstrução pelo musicólogo Nicholas McNair da partitura , conservada na biblioteca da Ajuda.
Este é um caso curiosissimo, num país em que se acha mal gastar dinheiro com a cultura.
Apesar de tudo, existe nele quem trabalhe em cultura e obtenha resultados.
Pelo menos esperam-se resultados com a repetição desta produção em festivais como o de Innsbruck e a venda a televisões estrangeiras.
O que só confirmaria o estudo do professor Mateus, que a cultura é rentável.
Voltando ao Antigono:
1 - o rei D.José aplicou o dinheiro do ouro do Brasil em espetáculos de ópera e na construção de um teatro real (nacional); esta orientação era diferente da de D.João V, que preferia empregar musicos instrumentais (Scarlatti, por exemplo) porque os espetáculos de ópera eram considerados algo imorais pela sua mentalidade religiosa;
2 - choca a quantidade de dinheiro que veio do Brasil e foi utilizada para o entretenimento do rei, dos aristocratas e da hierarquia religiosa; porém a evolução da sociedade permitiu, enquanto a revolução francesa triunfava, o acesso à cultura da burguesia, e esse sentido de evolução, extensível a toda a população, é positivo;
3 - o diretor da Divino Sospiro, falando sobre esta reconstrução de Antigono, disse:
"Um povo que tem consciência da sua cultura, estará melhor. Talvez seja bom recuperar essa confiança. Sou italiano e tenho agora o Berlusconi no meu país, mas posso olhar para trás, para o Leonardo Da Vinci, por exemplo. Sei de onde venho e sinto-me bem, porque tenho uma cultura para onde me posso virar. Recuperar o nosso passado é também resolver alguma coisa do nosso presente".
Não é uma maravilha? Especialmente para quem acha que é melhor saber fazer contas do que distinguir o Tomas More do Tomas Mann;
4 - Se é assim, o Antigono é a metáfora do desaparecimento da sociedade rica dependente do ouro do Brasil, e a viragem para a cultura ao serviço do povo.
5 - Não estou a romantizar a cultura ao serviço do povo; vejam como canta Berenice na cena 11 do 1º ato:
"... as extremas misérias perturbam a razão. Se eu pudesse dizer quão infelizes somos, sei que moveria à piedade até os inimigos"; podia pensar-se que no século XVIII era uma situação vulgar e agora não devia ser, mas como as coisas estão parece atual
6 - Outra curiosidade: durante a reconstrução da partitura pôs-se a hipótese do teatro da ópera do Tejo não ter sido completamente destruido; as paredes laterais e as empenas extremas e intermédias ter-se-ão mantido e... integradas no atual edificio do arsenal da Marinha; vendo no Google Earth, é uma planta com 120 metros de comprimento e 20 metros de largura, os lados maiores a dar para a rua do Arsenal e para o pátio da Marinha, com o palco a ocupar a maior parte do espaço, do lado do Terreiro do Paço; por baixo passa o Metro; é uma hipótese interessante, que confirma a outra hipótese: que houve limites ao método de reconstrução da baixa: demolição e construção geométrica; mas terá sido uma pena, ão ter reconstruido a ópera do Tejo; as fundações afinal terão aguentado as paredes; foi um problema de telhados e de pavimentos;
7 - E sim, posso garantir, a orquestra tocou mesmo muito bem, e os cantores foram ótimos.
Etiquetas:
ópera Antigono
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Estais de parabens, não vai haver ópera
Senhores governantes responsáveis pela cultura pública, estais de parabens.
Tinheis uma despesa a suprimir e fizestes mais do que suprimi-la.
Eliminastes a necessidade da despesa.
Para isso deixastes as ervas daninhas da televisão, desde as telenovelas e concursos aos reality-shows, crescerem até afogarem a necessidade de espetáculos culturais.
Já não é preciso ópera.
Parafraseando o senhor deputado: Que sabeis vós de ópera e de cultura para decidirdes assim?
Num orçamento de cultura já de si insignificante, deveis ter poupado muito, sim senhor.
Eu bem dizia que a ópera é um espetáculo popular e subversivo, que o diga John Adams a explicar que entre um palestiniano e um judeu não há diferenças de código genético, ou Verdi a explicar que não se apedreja a mulher adúltera, ou Nuno Corte Real a denunciar o gangsterismo bancário.
Então manda-se recado às produtoras de ópera que tinham sido contratadas há quase dois anos (é, é um mercado em que os contratos se fazem com grande antecedencia) e diz-se que só há espetáculo se fizerem um desconto.
Que terão pensado as produtoras?
E as cláusulas de indemnização por rescisão, terão acionado? (os adjudicatários do TGV para o Caia e para a travessia do Tejo irão acionar as cláusulas? ).
Nesta apagada e vil tristeza assim continuaremos, agora sem ópera.
Consta que ainda deixam apresentar uma das 5 óperas previstas para 2012: Cosi fan tutte, de Mozart. Traduzindo: assim fazem todas. Lá está, uma ópera subversiva para a moral dominante: duas jovens mulheres a flirtar enquanto os noivos não chegam.
E se subvertessemos as coisas e fizessemos como em New York? Subscrições publicas para a produção dos espetáculos, publicidade e venda dos direitos de transmissão.
Ou então, concurso público para concessão do teatro de S.Carlos, talvez ao teatro de Madrid ou de Milão.
Tinheis uma despesa a suprimir e fizestes mais do que suprimi-la.
Eliminastes a necessidade da despesa.
Para isso deixastes as ervas daninhas da televisão, desde as telenovelas e concursos aos reality-shows, crescerem até afogarem a necessidade de espetáculos culturais.
Já não é preciso ópera.
Parafraseando o senhor deputado: Que sabeis vós de ópera e de cultura para decidirdes assim?
Num orçamento de cultura já de si insignificante, deveis ter poupado muito, sim senhor.
Eu bem dizia que a ópera é um espetáculo popular e subversivo, que o diga John Adams a explicar que entre um palestiniano e um judeu não há diferenças de código genético, ou Verdi a explicar que não se apedreja a mulher adúltera, ou Nuno Corte Real a denunciar o gangsterismo bancário.
Então manda-se recado às produtoras de ópera que tinham sido contratadas há quase dois anos (é, é um mercado em que os contratos se fazem com grande antecedencia) e diz-se que só há espetáculo se fizerem um desconto.
Que terão pensado as produtoras?
E as cláusulas de indemnização por rescisão, terão acionado? (os adjudicatários do TGV para o Caia e para a travessia do Tejo irão acionar as cláusulas? ).
Nesta apagada e vil tristeza assim continuaremos, agora sem ópera.
Consta que ainda deixam apresentar uma das 5 óperas previstas para 2012: Cosi fan tutte, de Mozart. Traduzindo: assim fazem todas. Lá está, uma ópera subversiva para a moral dominante: duas jovens mulheres a flirtar enquanto os noivos não chegam.
E se subvertessemos as coisas e fizessemos como em New York? Subscrições publicas para a produção dos espetáculos, publicidade e venda dos direitos de transmissão.
Ou então, concurso público para concessão do teatro de S.Carlos, talvez ao teatro de Madrid ou de Milão.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Thaïs, uma ópera a dedicar ao senhor primeiro ministro
Nota prévia – Como levar o governo atual a mudar de opinião? A aceitar os pontos de vista dos cidadãos que fizeram contas, calcularam os malefícios dos juros que foram fixados e propuseram medidas como as taxas sobre transações financeiras e sobre os movimentos do multibanco, como o alargamento do prazo de pagamento e a redução dos juros e das comissões? Como resolver o conflito que parece insanável da dificuldade em discutir sobre dados concretos e chegar a uma decisão participada independente das opções politicas dos cidadãos? Como combater sem violencia os fundamentalismos entrincheirados?
Como levar o primeiro ministro e o seu ministro das finanças a aceitar pontos de vista diferentes?
Insistindo nas criticas, por mais evidentes que sejam os cálculos fundamentadores e os indicadores económicos, só parece até agora terem por efeito reforçar a teimosia dos senhores governantes.
Apelar ao sentimento do bem comum nada resolve, que eles até fundamentam as medidas que tomam com esse bem comum.
Então pensemos em formas subrepticias de os levar a mudar de opinião. Como repteis coleantes ocupando posições dominantes na estrutura do pensamento.
Thaïs, ópera de Jules Massenet, em versão de concerto no S.Carlos (para ficar mais económica), em dezembro de 2012.
Uma das poucas récitas deste ano, depois do desarticular lento e sádico do principal teatro de ópera do país (não se sabe se em 2013 haverá espetáculos de ópera no S.Carlos), iniciado ainda no tempo do ministério da Cultura do anterior governo.
A ópera poderá ser um espetáculo elitista (custos demasiado elevados para tão poucos espetadores) , mas é uma forma de arte em que convergem as capacidades de expressão dos seres humanos.
Por isso pode ser um espetáculo popular, com aumento dos espetadores e difusão televisiva; pode ser revolucionário, porque trata de assuntos que dizem respeito Às pessoas.
E como tal, por poder ser revolucionário, há muito que o camarote principal do S.Carlos não vê nem o presidente da República, nem o primeiro ministro.
Não se dão bem com a ópera (recordam-se do ar enjoado dos ministros do atual governo quando foram obrigados a comparecer num concerto sinfónico no palácio da Ajuda? Como devem ter sofrido).
A ópera pode ajudar a combater a incompreensão entre culturas diferentes (“A morte do senhor Klinghoffer, de John Adams), a desumanidade dos oligarcas da finança (Banksters, de Nuno Corte Real) ou da hierarquia religiosa (Don Carlo de Verdi).
A ópera não interessa a este governo.
Mas eis que, assistindo à Thaïs, reparo que as semelhanças da ação do herói com a do senhor primeiro ministro são muito grandes.
Por isso julgo de se lhe dedicar a apresentação desta ópera no ano de crise de 2012.
Antes de mais, o barítono no papel de Athanael é fisicamente parecido com o senhor professor João César das Neves, que nas suas crónicas no DN vem defendendo a politica do senhor primeiro ministro, chegando ao ponto de afirmar que Passos Coelho e o senhor ministro das finanças estão a tentar curar uma doença que não geraram (é verdade que não geraram a doença; os gastos públicos com a educação do senhor ministro, referidos por ele próprio, são desprezáveis perante o défice, e os fundos europeus conseguidos pelas empresas de que o senhor primeiro ministro foi anteriormente administrador ou consultor também não terão tido impacto significativo no défice; mas estarem a curar a doença parece uma afirmação mal fundamentada; as tentativas de cura da hipertensão com ventosas e sanguessugas às vezes também resultavam, quando não sobrevinha uma anemia; melhor dizendo: não parece bem o senhor professor João César das Neves dizer que a doença resulta da acumulação da divida externa nos últimos 15 anos, quando o governo do senhor professor Cavaco Silva aumentou excessivamente a despesa pública com o DL 353-A/89 para ganhar as eleições de Outubro de 1991, o que foi há mais de 15 anos; também não fica bem sabermos que a divida externa total é de 386 mil milhões de euros e conhecermos a composição da divida externa publica, mas desconhecermos onde foi utilizada, por tipo de despesa, a divida externa privada).
Apesar das semelhanças físicas, o papel de Athanael adequa-se melhor ao do próprio senhor primeiro ministro.
A ação passa-se no século III DC em Alexandria.
Quando me falam neste local e neste tempo, lembro-me logo de Hipatia e do filme Agora (nome grego para o fórum, centro de decisões da cidade) , com Raquel Weisz, que descreve a tomada do poder por grupos de monges cristãos fundamentalistas inimigos do conhecimento cientifico helenista. Estes sacrificaram Hipatia (o senhor professor João César das Neves responderá com o martírio de Santa Apolónia, padroeira dos dentistas, num confronto desigual porque Hipatia é uma personagem histórica com testemunhos de fontes diversas e Apolónia não).
Lembro-me também do decreto do imperador Teodósio, proibindo irrevogavelmente a escrita hieroglífica (este é um tema interessantíssimo: perante a questão da historicidade das principais figuras fundadoras do cristianismo, faltam fontes contemporâneas dos acontecimentos que sejam historicamente validadas e que confirmem a historicidade das figuras; mas pode colocar-se a hipótese de ter sido a corrente ortodoxa da religião crescente que numa fúria depuradora tenha eliminado todas as referencias históricas não compatíveis com a ortodoxia).
A ópera Thaïs não foca a luta dos monges para impor a sua religião em expansão.
Athanael é um monge cristão cenobita que pede autorização ao seu superior para ir salvar a alma de Thaïs, a mais famosa cortesã de Alexandria, responsável pela dívida pública, perdão, pela devassidão e dissipação que se vivia em Alexandria.
Entre parênteses, excertos do libreto de Luís Gallet, sobre o romance de Anatole France.
(o meu coração está cheio de amargura…a cidade entregou-se ao pecado! Uma mulher, Thaïs, é fonte de corrupão! Por causa dela, o inferno governa os homens.)
O superior bem lhe diz para não se meter nisso (meu filho, não nos misturemos com as pessoas do mundo), mas Athanael é teimoso, convenveu-se de que foi incumbido de uma missão salvífica e quer curar a economia, perdão , Thaïs, com uma dieta rigorosa de orações e austeridade de vida.
(Ensinar-lhe-ei o desprezo da carne, o amor pela dor, a austera penitencia)
Thaïs, como sacerdotisa de Vénus, ainda lhe pergunta como pode ele acreditar no que diz
(que triste loucura te faz fugir ao destino de amar e de conhecer; quem te cegou assim?)
Porem, talvez que a cortesã estivesse já doente. A medicina da altura não obtinha grandes sucessos. Ou, hipótese malévola, talvez que os monges bem organizados lhe tenham incendiado a casa de tolerância e perseguido com atentados os clientes de maiores rendimentos.
Thaïs não resistiu ás modulações da voz do barítono e, temerosa das punições da vida eterna e crédula nas promessas de felicidade na outra vida, deixa-se convencer pelo monge. Depois de uma ultima hesitação e da célebre meditação de Thaïs (oiçam no Youtube)
decide partir com ele para um convento de freiras no deserto.
(Não muito longe daqui há um mosteiro onde as mulheres vivem como anjos em perfeito recolhimento…lá encerrar-te-ei numa estreita cela até à libertação divina)
Mais uma vez se vê um caso em que as vítimas de uma ideia acabam por ser as suas melhores defensoras.
Só que depois de a deixar, Athanael cai irremediavelmente apaixonado pela senhora e muda de ideias.
Corre ao convento mas a economia, perdão, Thaïs estava mesmo doente e a intervenção anterior de Passos Coelho e Vítor Gaspar, perdão,de Athanael só veio agravar a doença.
(só me recordo da tua beleza mortal… desta sede insaciada que só tu saberás apaziguar… menti…o céu, nada existe… nada é verdade que não seja a vida e o amor entre as criaturas… eu amo-te… diz-me, vou viver, tu pertences-me)
Mas Thaïs só lhe responde,
(encanta-me o som das harpas douradas…)
E morreu…
Deste modo, embora tardiamente, Athanael descobriu com a morte que há mais vida para alem da austeridade, que as aspirações e os direitos humanos têm de ter prioridade sobre os interesses financeiros.
No intervalo do espetáculo, entre o 2º e o 3º atos, um espetador transmitia por telemóvel as suas impressões enquanto dava largas passadas no salão nobre do S.Carlos:
"Tens de compreender, isto na vida é assim, há insanidades, há fluxos para um lado e para o outro..."
No intervalo do espetáculo, entre o 2º e o 3º atos, um espetador transmitia por telemóvel as suas impressões enquanto dava largas passadas no salão nobre do S.Carlos:
"Tens de compreender, isto na vida é assim, há insanidades, há fluxos para um lado e para o outro..."
Interessante, não é?
Ver como os autores, no ambiente moralista do fim de século XIX, deixam o herói expor a sua ortodoxia religiosa para no fim lhe dar a volta a 180º, fazê-lo mudar completamente de opinião, e já sem remédio.
Interessante imaginar que o barítono Athanael é o primeiro ministro do atual governo, que Thaïs é a economia portuguesa sujeita à austeridade redentora com a crença num futuro melhor (quem te cegou? Hayeck? Friedman? Reagan? Thatcher?).
Que o seu superior Palemon possa ser o seu antigo chefe Ângelo Correia, a pedir-lhe para não se meter em trapalhadas.
Que pode chegar um momento em que as evidencias levam mesmo uma pessoa a mudar de opinião, e lá se vai a determinação obssessiva.
Que diabo, por que cargas de água os monges fundamentalistas não se sentam à mesa com quem não pensa como eles e com quem conhece as questões, e discutem formas de organização de unidades de produção de bens e serviços úteis para que as pessoas possam beneficiar das suas potencialidades aqui na vida real, em vez de pregar moralismos redentores ?
Etiquetas:
austeridade,
Ópera,
Thaïs
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
O Museu de Arte Popular reabre
O Museu de Arte Popular reabre dia 13 de Dezembro de 2011.
A nossa ministra da cultura não pode pode fazer só coisas de que eu não gosto. É impossível nunca acertar quando se dispara muito, gastam-se muitas munições mas acaba por se acertar. O problema, como me explicaram em Mafra, é que se perdem as munições.
Isso não é bom para quem queira privilegiar a eficiência, que é o resultado da arte de obter o máximo com o mínimo dos meios.
Mas o ponto exato em que a quantidade obtida satisfaz a fome de cultura é discutível.
Foi, discutir e exprimir a sua opinião, o que fez Daniel Barenboim no Scala de Milão, solidarizando-se, antes do inicio da ópera inaugural da temporada, com quem protestava no largo fronteiro contra os cortes do ministério da cultura. Do ministério da cultura de lá, da Itália, que anda como uma dívida um bocadinho exagerada, e que deixa cair as paredes das casas de Pompeia.
E é o que eu faço também, depois de ver no canal Mezzo a transmissão da "Fanciulla (rapariga) del West", ópera de Puccini em homenagem a uma rapariga do Oeste, que consegue redimir um fora da lei.
A encenação, na ópera de Amsterdam, discutível como todas as encenações, era do tipo daquelas que o ex-diretor do S.Carlos, demitido sumariamente pela ministra da Cultura, a de cá, costumava contratar, e foi por isso que ela o demitiu, com uma indemnização que a vítima até achou generosa por não compreeender como um país pobre, que poupa tanto na cultura, prefere perder dinheiro a cumprir um contrato (critérios de presidentes de clubesde futebol?).
No final da ópera, a fanciulla descia uma escada luminosa tipo Hollywood, vestida como Marilyn Monroe, no meio de um depósito de sucata de automóveis, e o herói juntava-se-lhe num voo de uma liana à moda de Tarzan.
Como dizia a senhora ministra, abusivamente porque estava a falar tambem por mim, não são estas as encenações que os espetadores do S.Carlos esperam ver.
Mas é pena, Lisboa ficar sem encenações destas e com ministras assim, mais parecida com a Dalila de "Sansão e Dalila" do que com a fanciulla de Puccini.
A Fanciulla del West na ópera holandesa:
Aplausos, para a ópera holandesa, e para o museu de arte popular.
A nossa ministra da cultura não pode pode fazer só coisas de que eu não gosto. É impossível nunca acertar quando se dispara muito, gastam-se muitas munições mas acaba por se acertar. O problema, como me explicaram em Mafra, é que se perdem as munições.
Isso não é bom para quem queira privilegiar a eficiência, que é o resultado da arte de obter o máximo com o mínimo dos meios.
Mas o ponto exato em que a quantidade obtida satisfaz a fome de cultura é discutível.
Foi, discutir e exprimir a sua opinião, o que fez Daniel Barenboim no Scala de Milão, solidarizando-se, antes do inicio da ópera inaugural da temporada, com quem protestava no largo fronteiro contra os cortes do ministério da cultura. Do ministério da cultura de lá, da Itália, que anda como uma dívida um bocadinho exagerada, e que deixa cair as paredes das casas de Pompeia.
E é o que eu faço também, depois de ver no canal Mezzo a transmissão da "Fanciulla (rapariga) del West", ópera de Puccini em homenagem a uma rapariga do Oeste, que consegue redimir um fora da lei.
A encenação, na ópera de Amsterdam, discutível como todas as encenações, era do tipo daquelas que o ex-diretor do S.Carlos, demitido sumariamente pela ministra da Cultura, a de cá, costumava contratar, e foi por isso que ela o demitiu, com uma indemnização que a vítima até achou generosa por não compreeender como um país pobre, que poupa tanto na cultura, prefere perder dinheiro a cumprir um contrato (critérios de presidentes de clubesde futebol?).
No final da ópera, a fanciulla descia uma escada luminosa tipo Hollywood, vestida como Marilyn Monroe, no meio de um depósito de sucata de automóveis, e o herói juntava-se-lhe num voo de uma liana à moda de Tarzan.
Como dizia a senhora ministra, abusivamente porque estava a falar tambem por mim, não são estas as encenações que os espetadores do S.Carlos esperam ver.
Mas é pena, Lisboa ficar sem encenações destas e com ministras assim, mais parecida com a Dalila de "Sansão e Dalila" do que com a fanciulla de Puccini.
A Fanciulla del West na ópera holandesa:
Aplausos, para a ópera holandesa, e para o museu de arte popular.
Etiquetas:
La fanciulla del West,
museu de arte popular
sexta-feira, 8 de junho de 2012
Boris Gudonov e Putin em S.Petersburg
A ópera continua subversiva.
Com encenação de Graham Vick (encenou a Tetralogia do Anel dos Nibelungos no S.Carlos, há uns anos) e direção de Valery Gregiev, a ópera de Mussorgsky subiu à cena representando os policias de choque de Putin a reprimir as manifestações contra o czarismo do regente Gudonov-Putin e o seu Dmitri-Medvedev (na ópera de Mussorgsky, sobre a peça de Pushkin, o falso Dmitri apresenta-se como filho de Ivan o Terrível, coisa de que Boris Gudonov, o regente, não gosta.
Difícil, a Democracia livrar-se deste conceito, quase religioso, de que há salvadores da pátria.
Independentemente das interpretações, uma coisa que esta ópera tem é que dá a prioridade à movimentação do povo.
Continuo a achar que o atual governo português faz bem, do ponto de vista de defesa pessoal, em não apoiar o S.Carlos.
Embora também ache que faria melhor, do ponto de vista do interesse da cultura popular, fazer como fez com as taxas para o cinema. Talvez taxar os reality-shows e os concursos televisivos em benefício de produções com profissionais portugueses de ópera.
http://www.newyorker.com/online/blogs/culture/2012/06/boris-godunov-in-st-petersburg.htmlhttp://www.newyorker.com/online/blogs/culture/2012/06/boris-godunov-in-st-petersburg.html
Com encenação de Graham Vick (encenou a Tetralogia do Anel dos Nibelungos no S.Carlos, há uns anos) e direção de Valery Gregiev, a ópera de Mussorgsky subiu à cena representando os policias de choque de Putin a reprimir as manifestações contra o czarismo do regente Gudonov-Putin e o seu Dmitri-Medvedev (na ópera de Mussorgsky, sobre a peça de Pushkin, o falso Dmitri apresenta-se como filho de Ivan o Terrível, coisa de que Boris Gudonov, o regente, não gosta.
Difícil, a Democracia livrar-se deste conceito, quase religioso, de que há salvadores da pátria.
Independentemente das interpretações, uma coisa que esta ópera tem é que dá a prioridade à movimentação do povo.
Continuo a achar que o atual governo português faz bem, do ponto de vista de defesa pessoal, em não apoiar o S.Carlos.
Embora também ache que faria melhor, do ponto de vista do interesse da cultura popular, fazer como fez com as taxas para o cinema. Talvez taxar os reality-shows e os concursos televisivos em benefício de produções com profissionais portugueses de ópera.
http://www.newyorker.com/online/blogs/culture/2012/06/boris-godunov-in-st-petersburg.htmlhttp://www.newyorker.com/online/blogs/culture/2012/06/boris-godunov-in-st-petersburg.html
![]() |
Boris Gudonov no teatro Mariinsky de S.Petersburg, fotografia de Rustem Adagamov, no New Yorker |
Etiquetas:
Boris Gudonov,
Graham Vick,
Ópera,
Putin,
Valery Gregiev
Subscrever:
Mensagens (Atom)