terça-feira, 18 de outubro de 2011

A novela do PET em 17 de outubro de 2011

Caro senhor aluno

Recebi finalmente, embora não nas melhores condições, o relatório do grupo de trabalho que coordena. (Ver em    http://www.jornaldenegocios.pt/archivos/2011_10/novo_pet_mobilidade_sustentavel.pdf?usuarioWeb=gb0lcdrd2p8ie6essb1591hcc3            )

Numa primeira impressão, verifiquei que eram infundados os meus receios de que o vosso grupo, estando a protelar a entrega, reconhecia que o conteúdo do documento era pobre.
Na verdade, o documento está razoavelmente sistematizado para quem tinha pouca experiencia em transportes.
O grupo adotou um tipo de análise característico da formação de economista, como era de esperar, desprezando a problemática das questões técnicas de engenharia, o que poderá não ser bom para a tradução da realidade.

Ressuma em todo o documento um entusiasmo juvenil de quem defende ideias a que quer ver subordinada a realidade, em vez de apresentar cálculos fundamentadores de decisões.

Não são apresentados cálculos para determinação das contribuições rodoviárias, omitindo a taxa de externalidade para subsidio das ferrovias mais eficientes, conforme legislação europeia.

Faltam dados comparativos com entidades homólogas estrangeiras no que se refere a indicadores técnicos, como, por exemplo, as taxas de ocupação de modos urbanos, que até nem estão muito afastadas das práticas europeias, embora se citem indicadores económicos para condenar as empresas públicas de transporte, apresentando as causas como se fossem da responsabilidade dos profissionais que lá trabalham, quando essas causas foram impostas pelos sucessivos governos de várias cores.

A grelha de tratamento dos dados das empresas de transportes está bem organizada, mas cai no provérbio "com a verdade me enganas" porque orienta o leitor para a conclusão pretendida de entregar a exploração à iniciativa privada ao apontar os holofotes para as diferenças entre lugares.km e passageiros.km  esquecendo os outros parametros. Imagine o senhor aluno que lhe postavam no facebook a informação de que o senhor aluno é extremamente ineficiente na forma como se desloca porque o seu carro só utiliza 20% da energia potencial do combustível fóssil que o alimenta, gastando em desperdício e em calor de atrito os restantes 80%. Era verdade, mas não razão para dizer que o senhor aluno era ineficiente. Foi como aquela de dizer que as automotoras gastam 140 litros de gasóleo aos 100km e os autocarros 50litros. É verdade, mas as automotoras levam 3 vezes mais gente e podem ter uma velocidade comercial mais elevada em zonas sem auto-estradas. O problema não é ser automotora, é a desertificação do interior do país.

Como economistas, propõem no vosso grupo soluções do tipo recolha de orgãos de dadores e enxerto noutro paciente, corte e amputação, sem cuidar do material dispensado.
Quero com isto dizer que não está quantificado (o que é exigivel numa escola de economistas) o prejuízo decorrente da dispensa de trabalhadores que o grupo de trabalho considera excedentários, o custo da cessação de trabalho, mesmo com baixa produtividade, das prestações sociais consequentes e o custo do tratamento das depressões sobrevindas.

Quando se comparam os custos por efetivo nacional médio e empresa pública, estão a utilizar um critério para um custo e outro critério para o outro custo, o que me parece inconveniente.
Mas quando os senhores alunos propõem baixar os custos de pessoal nas empresas públicas (o que evidentemente tem de ser feito) lembro-me da visita de Otelo à Suécia em 1975, dizendo que ia acabar com os ricos. Os suecos responderam que tinham acabado com os pobres. Os senhores alunos querem acabar com os menos pobres, para que haja só pobres. Por outras palavras, acha bem o nível médio de remunerações nacional? Francamente, senhores alunos, não acham que afinal o antigo ministro Manuel Pinho tinha razão, quando disse que os custos de pessoal das empresas privadas em Portugal eram baixos?

Não teria ficado mal tambem explicar que novas normais internacionais de contabilidade tornam tão opacas as dívidas (ainda bem que os senhores alunos não se esqueceram de explicar por que as dívidas são tão grandes, mas deviam ter ilibado os profissionais que lá trabalham, e não o fizeram).

Não são apresentados indicadores decisivos para a tomada de decisões que já foram feitas. Por exemplo, depositam-se grandes esperanças (o que não é um conceito nem científico nem económico) no porto de Aveiro e em futura linha ferroviária de mercadorias passando por Viseu (esta de Viseu não está no relatório mas vi eu num chat do facebook com jornalistas em que o senhor aluno participou, com opiniões francamente desenvolvimentistas, o que muito  me surpreendeu), mas não se quantificam os TEUs nem o calado dos navios que poderão utilizar o porto, nem se tem em conta o trabalho anteriormente realizado na avaliação dos elevados custos da construção da  ligação ferroviária Aveiro-Salamanca (o que levou a colocá-la em baixo grau de prioridade).

Não são apresentados cálculos fundamentadores do abandono do TGV para passageiros Lisboa-Madrid, que incluissem os prejuizos da rescisão unilateral do contrato (mais uma vez aqui a esperança de que o Tribunal de Contas anule uma coisa que a comissão de análise das PPPs já conclui que não estava tão mal estribada financeiramente como isso), os prejuizos de todos os dias se gastar em aviões, por serem menos eficientes, mais energia e emitirem mais gases com efeito de estufa do que se a ligação fosse feita em TGV, como se os senhores alunos estivessem a trabalhar para as companhias de aviação.

Não está claro se as obras no aeroporto da Portela permitem reduzir o intervalo entre aviões nem é definida a estratégia da situação atual até ao futuro possivel novo aeroporto, sendo certo que a ausencia dessa estratégia, integrada com outros modos de transporte, prejudica gravemente o turismo. Igualmente se critica a ausencia de uma referencia ao claro incumprimento da legislação europeia pela manutenção de um aeroporto
com rotas de aterragem sobre hospitais.

Não está resolvida a incompatibilidade das intenções para decidir investimentos com a opção "nada fazer" nos casos em que esta prolonga uma situação de constante desperdício (exemplo: os gastos de energia com as deslocações em transporte privado nas áreas metropolitanas, por ser menos eficiente do que o transporte ferroviário) ou incumprimento de legislação europeia (exemplo: limitações de acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida nas estações de metro). Nem tão pouco a consideração na justificação do investimento da quantificação dos benefícios, como por exemplo o valor do tempo economizado nas deslocações pelos passageiros, da energia primária economizada e da emissão de gases com efeito de estufa evitada.

Não há uma referencia à necessidade de integrar os planos de investimento em transportes com a problemática do urbanismo, nomeadamente a desertificação do centro das cidades metropolitanas.

Como aspetos positivos, tenho de reconhecer que os operadores unicos das áreas metropolitanas são uma solução há muito defendida (claro que a probabilidade da realização da ideia estragar a ideia é grande) e que  os principios (infelizmente a maior parte do relatorio dos senhores alunos são principios e não estratégias, que o que faz a distinção nestas é o tratamento de dados)  do programa de equilibrio operacional, poderão ser válidos, se aplicados sem prejudicar as pessoas e corrigindo os erros de direção das empresas públicas decorrentes da nomeação de comissários políticos de várias cores sem experiencia no negócio.

Destaque também, pela positiva, ao rearranque dos estudos para a transferencia do terminal de contentores de Lisboa para a Trafaria.
Terminal de Alcantara, que se deseja transferir para a Trafaria 

Mas não se compreende, uma vez que os senhores alunos não estão  a trabalhar para empresas privadas concorrentes, por que terá o Estado, representado por empresas públicas, de alterar o seu papel, quando a legislação europeia contempla a hipótese de estas concorrerem aos concursos publicos internacionais para exploração ou operação. É que, assim, abdicará dum setor estratégico que fornece fatores de produção à economia, entregando o negócio a quem visa o lucro, sendo este gerador de desinvestimento. Isto é, o sistema funcionaria se o lucro fosse inferior ao diferencial de competencia profissional/custos  entre os profissionais do setor publico e os do setor privado.
Uma exploração apetecível, não o investimento

É que a furia privatizadora pode ser de muito bom grado das grandes universidades de economia, mas configura objetivamente uma ofensa aos profissionais que dedicaram e dedicam o seu esforço ao serviço público nessas empresas. Aliás, o normal é as empresas privadas contratarem os profissionais das publicas.
Donde se conclui que a solução do problema estava na correção dos erros de gestão e de organização das empresas públicas e não na amputação dos seus orgãos ou atividades. Existem suficientes exemplos por esse mundo fora que mostram a boa prestação de empresas públicas ou de participação pública.

Finalmente, embora compreendendo o ímpeto juvenil com que o vosso relatório termina - tanto que até transcrevo:
"A grande obra pública ...  vai ser manter as obras dos ... que por aqui passaram antes" - devo observar-vos que o que o vosso grupo de trabalho propõe contem muito de desprezo pelos que passaram antes pelo setor e de incompreensão pelo seu trabalho, ou de ignorancia desse trabalho, para ser menos duro. A manutenção é um setor nobre, mas nunca deverá dissociar-se das melhorias do equipamento social e da extensão a todos os cidadãos e cidadãs dos seus benefícios. A afirmação citada contrasta assim com o desinvestimento anunciado, desde a perda de oportunidade de ativar comboios históricos no Norte até à provável queda no abismo do esquecimento da linha ferroviária Coimbra-Lousã.

Por todos os aspetos negativos, que suplantam os aspetos positivos, vou ter de lhe pedir, a si e aos colegas do vosso grupo, que voltem na próxima época de exames com o trabalho mais afinado, assente em cálculos demonstrativos, sem os conceitos de fé e de esperança no melhor desempenho da iniciativa privada e com a ponderação dos resultados da experiencia no estrangeiro e, especialmente, com trabalho feito de troca de informação com os grupos de trabalho dos outros alunos, mesmo de orientação ideológica diferente.

Os meus melhores cumprimentos



PS 1 - esclarecido hoje, com a divulgação do orçamento de estado, que a contribuição de serviço rodoviário sobe de 6,4 para  6,547 centimos por litro de gasolina e de 8,6 para 8,798 centimos por litro de gasóleo. Mantêm-se as restantes observações;
PS 2 - Dada a dificuldade confessada  pelo próprio PET em ver toda a divida das empresas publicas incluindo o serviço de juros e amortizações (no caso do metropolitano de Lisboa o PET regista apenas cerca de um terço) ganha forma o receio de que daqui por uns tempos possa ser utilizada a técnica de "afinal havia outro buraco" para sobrecarregar os habituais contribuintes. Esperemos que não aconteça tal recorrencia ou, para utilizar os termos do senhor ministro das finanças, esperemos que esta técnica "não se repita outra vez" (da primeira vez que uma coisa se repete, a coisa aconteceu pela segunda vez, e se o fenómeno ocorre outra vez , então a coisa aconteceu três vezes).

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