segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A novela do PET em 16 de Outubro de 2011, o dia seguinte ao dia dos indignados


Das notícias: 
Vem o senhor ministro Economia informar que toda a informação fornecida pela imprensa se refere a um documento interno e não ao PET aprovado pelo conselho de ministros.
Isto é, continua a prática do secretismo, que a história ensina ter sido um obstáculo cuja remoção, no século XVII, foi indispensável ao progresso científico.

Os princípios orientadores do PET:
Deduzo, talvez mal, que o documento interno a que o senhor ministro se refere é o powerpoint com os princípios orientadores que anexo em:

A taxa de ocupação:
Aproveito para voltar ao tema da taxa de ocupação do metropolitano de Lisboa.
Devo dizer que estamos todos de acordo que a taxa é baixa e que toda a estratégia se deve orientar para  a subir, uma vez que a transferência de deslocações do transporte privado e do transporte rodoviário em geral para o transporte ferroviário é uma condição indispensável para  a melhoria da eficiência energética dos transportes da área metropolitana de Lisboa e para a redução das emissões de gases com efeito de estufa.
Sim, não há dúvida, a taxa de ocupação tem de subir, também para rentabilizar os investimentos feitos.

Mas a forma como na página 8 do primeiro ficheiro se diz que a oferta é superior à procura em 400% pode induzir os leitores em erro, por apelo ao escândalo.
Não é vergonha nenhuma não ter a noção do valor de uma taxa de ocupação de metro satisfatória.
Eu próprio, recém-admitido no metropolitano de Lisboa, tive necessidade que um colega mais velho me explicasse por que os comboios, andando tão cheios, apresentavam taxas de ocupação inferiores a 30%.

Vejamos duas fotografias num dia util normal na linha vermelha:

Estação Alameda II da linha vermelha, 17:25, sentido S.Sebastião-Oriente - pequena procura?

Estação S.Sebastião II da linha vermelha, 17:30, sentido Oriente-S.Sebastião - pequena procura?

Considerem-se agora os valores do relatório e contas do ML de 2009 e construa-se um quadro conforme a imagem seguinte  (poderão consultar a folha 1 do ficheiro Excel em:

Quadro I - Cálculo da taxa de ocupação
Pode ver-se neste quadro I a forma de cálculo da taxa de ocupação, dividindo os passageiros.km, ou lugares vendidos, ou o somatório de todas as viagens de todos os passageiros, pelos lugares.km produzidos.
A razão da taxa de ocupação de um metropolitano ser tão baixa (em Bruxelas é de 22,6% e em Paris é de 27,6%), prende-se com o facto da capacidade de um modo de transporte ser dimensionado em função da sua ponta.
Ao longo do dia, os comboios andam cheios na hora de ponta e rarefeitos nas horas de vazio. Posteriormente a 2009 melhorou-se a adaptação da oferta à procura dividindo os comboios de 6 carruagens em comboios de 3 carruagens depois da hora de ponta e aumentando os intervalos entre comboios.
Se se quiser melhorar ainda mais, poderá encarar-se a hipótese de piorar a qualidade de serviço encerrando o metro, por exemplo, às 21:00, obrigando a gastar mais dinheiro com autocarros.
Outro aspeto a ter em conta é o critério de cálculo da capacidade de lugares em pé e sentados de uma carruagem.
Quando se calculou a taxa de ocupação em 19,28% (o que dá, como se verá no segundo quadro, os 400% de oferta superior à procura) considerou-se um valor de 6 pessoas em pé por metro quadrado, o que corresponde a condições de transporte em situação de incomodidade.
Se quisermos algum conforto, não poderemos ultrapassar o valor de 4 pessoas em pé por metro quadrado, obtendo-se uma taxa de ocupação mais próxima do metro de Paris.

Veja-se no quadro II a relação entre o valor da taxa de ocupação e o valor com que a oferta ultrapassa a procura (folha 2 do ficheiro Excel atrás endereçado):

Quadro II - variação, da oferta superior à procura, com a taxa de ocupação


Se considerarmos o valor de 4 pessoas/m2 , já não temos o antipático valor de 400% de ultrapassagem da procura pela oferta, sendo agora menor que 300% .
Claro que este valor ainda deve ser baixado, principalmente com a transferencia do transporte privado para o metro  ( a tal "atração de novos clientes"), mas sem nos esquecermos que nas horas de vazio, havendo metro, o valor da taxa de ocupação baixa (é curioso pensar que em Barcelona a reivindicação dos cidadãos e o terror da manutenção é ter o metro a funcionar 24 horas por dia).
De assinalar o valor razoável da Transtejo (e Soflusa), relacionado com a grande capacidade dos barcos e a grande procura nas horas de ponta.


A dívida:
Relativamente aos números da dívida e do passivo atribuidos ao metropolitano de Lisboa no powerpoint, não me sinto habilitado a discutir os pormenores, não tendo compreendido como a dívida total de cerca de 4.000 milhões de euros, incluindo os investimentos e serviço da dívida que deveriam ter sido contabilizados nas contas públicas, é agora apresentada como sendo de 1.372 milhões de euros (se entretanto foi expurgada da componente para as contas públicas, parece-me exagerada, mas confesso as minhas grandes limitações em contabilidade).
A este propósito, relembro que até 1990 os investimentos em grandes infra-estruturas, novas estações e novos túneis, eram feitos com recurso a bancos internacionais e contabilizados nas contas públicas, de modo que a dívida do metropolitano era irrelevante.
Depois de 1992, com a aprovação do plano de expansão da rede, o critério mudou, o metropolitano passou a contabilizar como sua a conta pública e assim se chegou à situação atual.
Cito do relatório e contas de 2009, para que se possa dizer que a "desorçamentação" e a "ocultação" da dívida do metro só eram ignoradas por quem estava desatento:



1 - "A necessidade urgente de celebração com o Estado de um contrato de concessão da infra-estrutura que defina de modo claro a forma de exercício pela empresa da actividade de prestação de serviços de transporte por metropolitano de passageiros na cidade de Lisboa e regiões limítrofes, tal como previsto no DL 184-A/2009, e que estabeleça a responsabilidade pelo investimento em ILD’s e seu financiamento bem como o custo da exploração de tais infra-estruturas para o concessionário.
De facto, afigura-se insustentável a manutenção da responsabilidade dos investimentos na rede pela Empresa, embora actuando por conta do Estado, e do respectivo financiamento com recurso a passivo remunerado, quer pelos elevados custos do mesmo quer pela possibilidade real na actual conjuntura de fortes restrições de acesso ao crédito."

2 - "No que se refere às “comparticipações comunitárias a fundo perdido” não foi possível mobilizar fundos no âmbito do Fundo de Coesão, apesar de a empresa apresentar à data de fim de ano, um montante de cerca de 51 000 milhares de euros de pedidos de requisição de fundos."

3 - "No caso do Metropolitano de Lisboa, a não aplicação dos resultados do inquérito à repartição das verbas dos títulos intermodais (vulgo, o “passe social”) conduzido em 2007 pelo IMTT, com o prévio acordo de todas as empresas, públicas e privadas, da Área Metropolitana de Lisboa, retira 12 milhões de euros anuais às receitas do ML. A incorrecta distribuição desta verba, beneficia directamente alguns operadores privados, mas também públicos, em claro detrimento do Metropolitano"



Interessante notar que o ponto 1, ao recordar a transposição da diretiva europeia que requer a realização de concursos públicos para a concessão das infra-estruturas e da prestação do serviço de transporte (página 9 do primeiro ficheiro), parece contradizer a decisão pré-tomada de privatizar a operação, uma vez que nenhuma lei ou diretiva impede que uma empresa pública concorra a tais concursos, a menos que, evidentemente, o governo "suicide" a empresa publica por decreto.

CONCLUSÃO:

Perante tudo isto, seria interessante convidar o senhor ministro para debater estes números e para viajar no metro, podendo fazer-se várias viagens com niveis de ocupação distintos, com 4, 5 e 6 pessoas em pé por m2 .
Estou certo que as discussões e as viagens seriam muito proveitosas, e que o senhor ministro verificaria que, para além do seu ministério, tambem no metropolitano existem funcionários e funcionárias super.

4 comentários:

  1. Esse número de 400% é tanga. Eu posso modelar um ao m^3 que que dá uma oferta superior a procura em 1000% se forem pessoas baixas e magras.

    Como diz no artigo, tem que existir uma capacidade definida fixa por carruagem e partir daí sim calcular se a oferta é adequada a procura.

    Uma solução simples na minha opinião seria só circular com todas as carruagens entre ás 8h-12h, 17h-20h.
    Entre as 12h-17h julgo que 4 carruagens serão suficientes na linha amarela,azul e vermelha. Seria uma grande poupança.

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  2. Segundo julgo saber, o cálculo da taxa de ocupação de cerca de 20% (oferta 400% superior à procura) foi feito para 6 pessoas de pé por m2 (170 pessoas sentadas e em pé por carruagem). Adotando o valor de 4 pessoas de pé por m2, conforme os outros metropolitanos, temos uma taxa de 25% (oferta 300% superior à procura). Esta taxa tem vindo a melhorar por desde Maio, a partir das 21:00, só circularem comboios de 3 carruagens nas linhas Azul, amarela e vermelha. Durante o dia o ajuste é feito aumentando o intervalo entre comboios. A sua sugestão tem o inconveniente, relativamente a esta, de obrigar a ter mais maquinistas disponiveis durante o dia. Tambem o consumo especifico de energia é superior no caso de 4 carruagens relativamente aos comboios de 6 ou de 3 carruagens.

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  3. no meu modesto saber, creio que a diminuição das frequências faz baixar a procura... por ouro lado, a interligação de sistemas de transportes em lisboa é, no mínimo, pobre... a bilhetica é pouco funcional e as passagens caras... isto são as considerações de quem usa muito por acaso os transportes de lisboa, mas que nota a abismal diferença, no que diz respeito à funcionalidade, para o sistema de transportes integrados de madrid, em que os metros passam com uma frequência maior no equivalente à buraca de lá do que aqui no chiado, onde os bilhetes pre-comprados de banda magnética funcionam em 95% das vezes que os passas pelo obliterador, enquanto aqui, as maravilhas tecnológicas com chip funcionam correctamente 70% das vezes, em que o metro funciona até à meia-noite durante a semana e até às 2h ao fim de semana e vésperas de feriado, onde há uma rede extensíssima de metro que vai até às Sintras ou Vilas Francas de lá, ou onde os autocarros nocturnos que funcionam aos fins de semana para levar a malta do Bairro Alto ou da 24 de Julho de lá para as suas casas usam a numeração das linhas de metro (acrescida de um N) e não a numeração das carreiras de autocarros diurnas. É claro, que o metro de madrid não está isento de problemas: há sobrelotação nas horas de ponta, especialmente nos troços de linha mais antigos, em que os cais não permitem que haja metros com mais carruagens (não me lembro de quantas ao certo) e problemas infrastruturais nessas linhas mais antigas que provocam atrasos recorrentes (em especial nas linhas 1 (N-S - principal eixo da cidade, que já tem uma linha paralela, a 10), na 6 (a circular) e com menos impacto nas linhas 2 e 3); a segurança do metro e madrid é outro aspecto a ter em conta uma vez que há muitos poucos incidentes e quando os há, são, não rara vez, protagonizados pelos empregados das empresas de segurança que aí trabalham, em acções que revelam algum, por assim dizer, excesso de zelo. Mas creio que se deviam levar os nossos governantes a uma visita de estudo ao metro de madrid para perceberem a importância de transformarem o metro no sistema primordial de transportes de uma cidade, articulando-o com os outros meios que desempenhariam funções complementares e fazê-los perceber que a existência de uma autoridade metropolitana que os coordenasse, articulasse e que simplificasse sistemas de tarifários, seria benéfica para lisboa e aumentaria os números de utentes de transportes públicos.

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  4. Pelo menos neste caso não tem de ser modesto, tem toda a razão. Aumentar o intervalo entre comboios funciona no sentido contrário ao aumento da procura. Esta até é uma razão para ter sempre uma folga da oferta superior à procura. Em cidades normais com metro, sempre que se aumenta a capacidade de transporte numa linha saturada (por exemplo, diminuindo o intervalo entre comboios) dá-se o fenómeno da descompressão das pontas. O facto do metro de Lisboa andar com pouca procura significa que a maior parte das deslocações é feita em automóvel e, mais grave, que a cidade perdeu população e atividade transformadora (setor produtivo secundário). É isso que o governo parece ter dificuldade em aceitar, que uma politica de transportes é indissociável de uma politica de urbanismo. E que não bastam incentivos fiscais como reduzir o IMI nas zonas servidas pelo metro (e não aumentar), é necessário elaborar projetos de reurbanização de zonas consistentes da cidade e obter financiamento QREN da parte da união europeia (entre outras razões, para os turistas alemães e franceses poderem passear à vontade por uma cidade reabilitada, habitada e sem problemas de criminalidade devidos ao desemprego). Os serviços técnicos do metropolitano, em vez de serem desmobilizados, deveriam colaborar nesses projetos. Há vários exemplos de projetos deste tipo na CML, falta dinamizá-los com o tal financiamento que devia ser objeto de negociações com a UE o que, salvo melhor opinião, é tarefa do ministério da economia e dos negócios estrangeiros.
    Infelizmente, as passagens são caras mas isso é devido ao baixo nivel de vida do país, porque os custos são elevados, atingindo 20 centimos (custos operacionais sem encargos financeiros) por cada passageiro transportado durante 1 km, obtendo-se apenas 7 centimos de receita (sendo que os custos de pessoal contribuem com 48% dos custos operacionais).
    Efetivamente a região autónoma de Madrid compreendeu que a solução dos transportes passa por uma autoridade metropolitana e por investimentos que são compensados pela maior eficiencia energética e menores emissões de CO2 do transporte ferroviário (o que não quer dizer que não tenham cometido erros, especialmente com reestruturações economicistas na manutenção). Parece que o nosso governo já entendeu isso, conforme revela o famoso GT da reformulação dos transportes, mas a parte dos investimentos (cujo financiamento deveria ser negociado com a UE)é que ainda não.
    Enfim, como dizia Calos Pinto Coelho, "assim acontece", mas esperemos que aconteça melhor.

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