quarta-feira, 6 de novembro de 2013

o brilho argentino numa reunião da Alamys nos anos 90 ou aproiscuidade público-privada


José Régio tinha pudor de contar certas coisas seja a quem for.        
Mas alguns dos gestores que, de braço dado com o poder político,  dominam a nossa praça, não têm pudor. 
Não lêem poesia, ou não a entendem, ou não querem submeter-se a ela.  
Não precisam, ou porque não existe uma lei que explicitamente proiba tomar medidas que beneficiem o próprio com base no poder para tomar essas medidas, ou simplesmente porque aplicam o principio do "sauve qui peut" francês ou do "chico-espertismo" português, como quem diz que as oportunidades do mercado são para aproveitar.


O homem tinha sido nomeado pelo governo para presidir à gerencia do metropolitano com a missão de garantir a conclusão das obras de expansão antes da inauguração da exposição universal de 1998.           
Não havia naquela altura grandes preocupações de natureza financeira porque os fundos europeus garantiam as expansões do metro.         
De forma nova rica, os arquitetos de renome escolhidos sem concurso público tinham recebido carta branca e esmeravam-se em escolher soluções caras.       
A principal preocupação era evitar atrasos nas obras, algumas das quais complexas.     
O homem vinha precedido de uma fama de salvador de pátrias, de exigencia no trabalho e de aproveitamento das potencialidades de todos, gostando de lidar diretamente com os técnicos, sem grandes preocupações com níveis intermédios.
Pode dizer-se que os objetivos foram atingidos, graças à colaboração dos outros membros da gerencia, que semanalmente reuniam com os tecnicos das várias especialidades de cada frente de empreendimento, e graças ao esforço de todos os técnicos.    
E até se pouparam alguns dinheiros, quando foi possivel eliminar alguns gastos sumptuários.
Mas se falo no homem não foi porque ele cometesse coisas de que deveria ter pudor.  
Foi porque me permitiu participar na reunião internacional de metropolitanos da américa latina e da peninsula ibérica. 
O Metropolitano alugou uma das salas principais do hotel Tivoli e nela reuniu representantes dos metropolitanos e caminhos de ferro suburbanos da América latina de fala castelhana e portuguesa, de Espanha e de Portugal.
Nessa reunião notei o rigor técnico dos colegas de S.Paulo e de Barcelona, o início da grande expansão do metro de Madrid, uma certa indefinição de objetivos dos restantes.
Mas o que achei mais interessante foi o discurso do senhor argentino que tinha sido ministro dos transportes.
A Argentina tinha entrado na sua crise financeira devido à errada politica cambial face ao dolar americano e à indecisão nas políticas do Mercosul.         
A crise foi aproveitada para fazer uma série de privatizações de empresas.
Como ministro dos transportes, o senhor argentino decretou a privatização dos transportes urbanos e suburbanos de Buenos Aires.      
No seu discurso, durante a reunião, afirmou que tinha muito orgulho em ter assinado, como ministro, o decreto da privatização.  
E que se orgulhava agora de ser o presidente da companhia privada de transportes ferroviários de Buenos Aires.
O interessante da história está na ausência de autocrítica e da falta de pudor destes gestores da coisa pública quando  fazem estas coisas e quando falam delas.         
Por maravilhas de desculpabilização, quem faz isto acha natural.
Em Portugal, no setor dos transportes, daí a pouco tempo, um antigo ministro dos Transportes iria ocupar o cargo de presidente da operadora das travessias rodoviárias do Tejo.
Outro antigo ministro dos transportes iria ocupar o cargo de presidente de uma das principais construtoras de obras publicas, desculpando-se em entrevista na televisão de que era natural que, como antigo ministro, a facilidade com que estabelecia contactos com as pessoas importantes para decidir e fazer avançar as coisas eram uma mais valia ao serviço da empresa para que trabalhava. 
Mais tarde, os principais responsáveis da Goldman Sachs e da Reserva Federal dos USA, de atuação comprovadamente ineficiente e prejudicial durante a crise financeira de 2008, encontraram abrigo no seio  do próprio governo dos USA, numa evidencia da promiscuidade entre cargos públicos e cargos de grandes empresas privadas e em contracorrente da luta heroica dos anos 30 contra os barões ladrões.          
Em Portugal, haveria depois outro exemplo  deontologicamente condenável quando o presidente da empresa pública das estradas de Portugal, nomeado de acordo com as políticas do partido no poder, transitou para o conglomerado concessionário das autoestradas a quem tinha adjudicado a exploração.          
A deontologia pouco pode contra os interesses dos partidos políticos e das grandes empresas, mas é bom que todos os casos sejam amplamente debatidos, para que a opinião pública e os técnicos que dão o seu esforço nas empresas, quer públicas, quer privadas, aceitem como dado adquirido que os critérios políticos devem ser substituidos pelos critérios de isenção , objetividade e capacidade técnicas.       
E que não são as nomeações de "salvadores de pátrias" nem as estratégias "top-down" que resolvem os problemas das empresas.         
E que o trabalho das empresas deve ser o resultado do trabalho em equipa e da descentralização em rede dos processos de tomada de decisões, com exposição ao debate público, evidentemente.           
É dificil fazer assim e contrariar a cultura dominante.
Até mesmo os melhores técnicos anseiam por quem "de cima" apareça a querer voluntariosamente avançar.
Mas o caminho é para ser percorrido por todos.
Por isso o debate tem de ser aberto e amplo e tem de se ir deixando pelo caminho o que é acessório e, especialmente, o "chico-espertismo" oportunista.             




2 comentários:

  1. Olha o português.... escreve-se " promiscuidade"...!!!

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    1. Corrigida a ortografia. A natureza do tema dificulta-me o acerto nas teclas.

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