quinta-feira, 21 de maio de 2020

O "magister dixit" escolástico em 4 casos

Não creio que os maus resultados de Portugal em comparação com os outros países resultem de incapacidades individuais ou de insuficientes qualificações.

Existe sim grande dificuldade de organização em equipa e tendencia ( exatamente porque há uma dificuldade de  grupo, de organização de trabalho coletivo com explicitação de tarefas concretas e de prazos de concretização) para não responder à apropriação do poder decisório por grupos mais ou menos bem organizados mas sem grandes preocupações éticas.

Essa falta de ética e essa tendencia para o assalto ao poder decisório não são exclusivos do país, mas é mais fácil encontrar noutros países mecanismos de correção.

Ficou célebre o enunciado de 85 medidas de correção  do sistema judiciário português pelo recem empossado presidente da República. Anos passaram, e nenhuma das 85 medidas foi concretizada.

Desta inércia é exemplo, por oposição, o que aconteceu em Macau na transposição do direito português para o direito da nova região. Foram aplicadas quase todas as propostas  de renovação que a burocracia portuguesa não deixou implementar em Portugal.

Dou 4 exemplos de um dos mecanismos mais paralisantes utilizados nas empresas ou entidades oficiais em Portugal, e que posso designar por "isso não é comigo" - o sujeito reage a uma solicitação com algo que não a satisfaz, mas considera que a sua intervenção foi cumprida. No polo oposto mas com o mesmo efeito, existe o "isso não é consigo", igualmente paralisante porque a autogratificação ou remuneração do ego de quem impede a realização de uma coisa é proporcional à utilidade que essa coisa teria.

1 - graças aos mecanismos de ocultação muito apreciados pelos decisores, veio-se a saber anos depois que a gestão de um banco resgatado com dinheiros públicos tinha provocado prejuizos por dolo. Decorre uma auditoria na sequencia de muitas outras. Um deputado questiona o primeiro ministro pedindo acesso aos relatórios dos auditores. O primeiro ministro responde: quem fez as auditorias foram personalidades altamente qualificadas, e o governo não tem que as ter, não é com o governo, vá pedi-las aos auditores. Este é um exemplo do "magister dixit", que a minha professora de história e filosofia se apressou a explicar aos seus alunos que era uma carateristica da escolástica da Idade Média, que tinha acabado quando a humanidade acordou o método cientifico, observação, hipótese, ensaio, verificação.

2 - o ministro do Ambiente repete perante os deputados que os estudos feitos demonstram que a opção pela linha circular é a melhor para a expansão de metropolitano de Lisboa e que isso já foi divulgado publicamente. O ministro omite que o que foi divulgado foram os resultados do estudo encomendado, náo foi o estudo, para ser analisado por outros técnicos, num processo de "peer referendum" carateristico do método cientifico, por oposição ao "magister dixit", que na realidade é o que o ministro defende, que não é com ele a divulgação completa desses estudos

3 - é enviado à CML um texto documentado com imagens que refere eventuais riscos para o tunel do metropolitano na empreitada em curso de embelezamento do Terreiro do Paço e estação sul e  sueste com retirada de aterros suscetível de descompressáo do tunel. A CML responde, cumprindo a lei mas informando que não é com ela, e que a gestão da obra é com a ATL (Associação de Turismo de Lisboa) , para quem reenviou o texto. É um pouco estranho, uma obra desta envergadura não ter um responsável técnico ou pelo menos operacional do dono da obra, a CML, delegando sem informar os pormenores e os atores dessa delegação numa entidade que não dve ter recursos humanos qualificados para o efeito. Provavelmente a ATL terá delegado a competencia técnica por outsourcing em empresa de fiscalização. Para quem aliás o texto tambem foi enviado, assim como ao empreiteiro. Sem resposta, acho que náo era com a empresa de fiscalização, nem com o empreiteiro. Tão ciosos, os decisores, da sua sintonia com a União Europeia, este é um comportamento perfeitamente espúrio de acordo com as diretivas comunitárias.

4 - noticia do Publico de 21 de maio - Uma mãe portuguesa e o seu bébé de um mês foram retidos sem condições anitárias  4 dias á chegada ao aeroporto Charles De Gaulle  quando iam ter com o pai da criança, cidadão caboverdiano. Não vale a pena eufemismos, trata-se simplesmente de xenofobia ordinária. O consulado português propôs-se ajudar mas a família informou que já tinha advogado Então o consulado informou a comunicação social que tinha fornecido os seus contactos e que perante essa resposta , "não era com ele", era com o advogado. Por piores que sejam as razões por uma resposta incorreta da parte da familia (aliás compreensível) o consulado está equivocado, é com ele, qualquer que seja a resposta e qualquer que seja a ação do advogado, é com o tribunal dos direitos humanos, é com todos nós. Que "magister" terá dito que nestes casos não é com o consulado?







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