Senhor Ministro do Ambiente
A probabilidade do senhor
ministro ler este texto será muito próxima de zero, tal como terá sido a da leitura
da minha argumentação técnica, contra a opção pela linha circular do
metropolitano, pelos senhores secretários de Estado da Mobilidade dos XXI e XXII
governos a quem oportunamente a enviei, sem que os respetivos gabinetes
tivessem acusado a sua receção.
Trata-se portanto de um desabafo,
a que darei no entanto divulgação pública, tal como o fiz com as comunicações
aos senhores secretários de Estado.
Este é para mim um assunto de
natureza técnica cujo debate deveria centrar-se na mobilidade da área metropolitana
de Lisboa e evitar acusações do tipo “mentira” (que usou na audição), evitar
apodar técnicos que discordam da opção do senhor ministro como “ditos
especialistas” (que foi a expressão que usou na audição), ou, à maneira do “magíster
dixit”, citar estudos cujas conclusões foram citadas no EIA mas que os estudos
em si não foram disponibilizados a quem os pediu (um pequeno esclarecimento: o
estudo comparativo entre a linha circular e o prolongamento a Campo de Ourique,
bem como a comparação entre a linha circular e duas linhas independentes equivalentes
foi executado pela VTM e não pelo metropolitano/FERCONSULT).
Sugiro, para eliminar este ponto
de discussão (sugiro, não recomendo, porque a língua portuguesa sugere que só recomenda
quem está numa posição em que pode recomendar, o que facilmente se comprova
consultando o dicionário Priberam que define recomendar como “encarregar
formalmente alguém de…” ou o dicionário Houaiss, que explica o étimo latino, “commendare”,
que significava comandar, ordenar, isto é, em português, o termo “recomendar”
pode não ter o sentido não vinculativo que tem, por exemplo, em inglês), que
V.Exa oficie formalmente o metropolitano para fornecer os referidos estudos
completos e que os remeta com conhecimento público à AR.
Permito-me enfatizar este pedido
que visa conhecer as hipóteses de cálculo e os processos de cálculo que conduziram
aos resultados, esses sim, conhecidos, que constam do EIA. Porque os estudos de
procura e os programas de simulação, embora atraentes, não devem ser critério
único para a escolha de traçados, especialmente quando existe uma
desorganização do território e uma assimetria dos polos origem-destino. E
porque eu próprio, com outros pressupostos, cheguei a valores desfavoráveis
para a linha circular quando comparada com os prolongamentos das linhas
vermelha e amarela a Alcântara e Algés em termos de custos financeiros por
passageiro-km (0,272€/pass-km contra 0,228€ ou 0,253/pass-km (embora de menor
investimento):
Seria interessante, até do ponto
de vista académico, analisar a questão, até porque o acréscimo de 9 milhões de
passageiros estimado relativamente ao tráfego de 2017 foi largamente
ultrapassado nos dois anos seguintes sem acréscimo da rede.
Ainda um pequeno esclarecimento
histórico. No seguimento das ações limitativas do metropolitano de Lisboa pelo XIX
governo, as 30 unidades paradas por falta de rodados, devida às cativações, foram
atingidas no verão de 2016, na vigencia do XXI governo.
Relativamente à argumentação
técnica contrária à linha circular, encontra um resumo nas ligações
e
Concordará certamente, dada a
nossa comum formação técnica, que a precisão na linguagem é essencial, apesar
do indeterminismo da Natureza, e o que está escrito no início do artigo 282 da
lei do Orçamento do Estado é uma determinação vinculativa (perdoe-se a redundância):
“… o governo promove… as medidas ... para suspender o processo de construção da
linha circular”, não anulável por um comentário numa nota de imprensa aparentemente
em linguagem nebulosa como é apanágio de muitas declarações políticas: “a Assembleia da República não suspendeu
qualquer decisão administrativa, limitando-se a formular recomendação política,
dirigida ao Governo e à Administração Pública em geral, sobre a aludida matéria."
Se para compatibilizarmos esta
declaração com a linguagem clara do artigo 282, interpretarmos “recomendação
política” com o significado do dicionário Priberam, então poderemos supor que
terá havido a suspensão duma decisão politica, o contratar a construção da
linha circular, mas que claramente não foi suspensa a decisão administrativa
mais alargada e mais relevante, de expansão do metro.
E ainda por respeito à língua portuguesa,
sugiro mais calma nos debates, de modo a evitar-se o que por duas vezes na audição aconteceu, certamente
por lapsus linguae, quando o senhor
deputado que citou o “elefante na sala” conjugou o verbo “intervir” no
pretérito como “interviu”, ou V.Exa com o mesmo verbo em “intervisse”.
Permito-me referir o meu trajeto
profissional com que defendo a minha argumentação. Seria desejável, para uma
base comum de debate, que da parte dos defensores da linha circular fosse evidenciada
experiencia na exploração, na manutenção, no planeamento, na construção e na
colocação em serviço de linhas de metro.
Há 46 anos acompanhei os estudos
do consultor Siemens Deconsult que conduziram ao plano de expansão que foi a
base da evolução da rede do metro (e que já previa o prolongamento prioritário
para Alcantara com correspondencia com a linha de Cascais), apesar de desvios casuísticos
normalmente com origem em decisões pontuais de governos ou administrações,
desintegradas dum planeamento a longo prazo e sem ouvir os técnicos e por isso
geradoras de erros. Por isso não estranho a situação atual, em que o argumento
que V.Exa utilizou para comparar a linha circular com “meia linha vermelha” foi
que só havia 200 milhões de euros, sabendo-se que uma decisão a curto prazo em investimentos
em infraestruturas pesadas pode comprometer a evolução futura. Trabalhei na
manutenção de sistemas de segurança da circulação dos comboios, na coordenação
e integração das disciplinas ferroviárias na construção dos novos
empreendimentos, na preparação dos processos de licenciamento, em comissão de
normalização de aplicações ferroviárias, em subcomissão internacional de
metropolitanos da UITP. Entre colegas, agradeço que expressões como “ditos
especialistas” sejam moderadas.
Sobre a solução em que V.Exa
insiste, de “partilhar” a linha circular e a linha Odivelas-Rato, ninguém disse
que não era possível, aliás a linha de Londres que foi circular em anel e que agora é em laço-espiral faz uma “partilha”
semelhante. Só que, como técnico, o meu parecer é negativo porque reduz as frequências
e porque contem riscos para os passageiros por haver itinerários de cruzamento.
Por isso só o executaria com instruções escritas pela administração para o
fazer.
A minha argumentação técnica, incluindo as hipóteses possíveis para
explorar essas linhas encontra-se em
Sobre o processo de avaliação ambiental,
mais uma vez refiro que contém algumas inconformidades no EIA que lhe serve de
base, o que parece de alguma gravidade porque é no EIA que o seu governo e a
CML vão fundamentar a opção pela circular.
Inconformidades, para além da já referida
inconsistência na comparação entre a linha circular e o prolongamento a Campo
de Ourique:
- contradição evidente com o PROTAML (o qual
contem o prolongamento a Alcantara e uma linha circular externa em LRT de Algés
a Loures e Sacavem; refira-se ainda a omissão no PAMUS de 2016 a qualquer linha
circular)
-
omissão de menor fiabilidade na exploração da linha circular quando comparada
com duas linhas independentes equivalentes (assinalam-se as limitações dos
términos intermédios para recolha do material avariado e os riscos de continuar
a exploração numa das vias da linha circular sem que antes se tenha o
conhecimento exato das causas da perturbação)
- informação falsa de que são necessários 2
transbordos na rede de metro atual para ir do Cais do Sodré para a zona da
Avenida da República (basta 1 na Alameda)
- desvalorização dos 18 milhões
de validações nas estações Odivelas-Campo Grande direcionada para valorizar as
16 milhões de validações na estação Cais do Sodré (posteriormente estimado que
40% dos passageiros da linha de Odivelas fazia transbordo em Campo Grande, mas
como habitualmente, não divulgados os pormenores dos cálculos)
Relativamente às dificuldades
referidas por V.Exa em Infante Santo, recordo que elas já eram conhecidas no
metropolitano em 2005 quando a COBA e a FERCONSULT estudaram o prolongamento
até Alcantara Mar, que se referiam ao fóssil geológico e aos restos do aqueduto
que tinham de se contornar, e que na altura transmiti aos projetistas que a correspondencia com a linha de Cascais
deveria ser feita , não em estação enterrada mas em viaduto para poupança de energia
evitando o declive e para minimizar as dificuldades construtivas nos terrenos
de aluvião e aterros de Alcantara.
Infelizmente, mesmo reconhecendo
da parte de V.Exa vontade de prestar esclarecimentos, a sua audição não foi
esclarecedora, o que é compreensível, devia ser dado espaço a técnicos para
prestarem esses esclarecimentos de natureza técnica. V.Exa limitou-se a
informar que os estudos da linha vermelha estão adiantados, que para Loures há
conversações com a autarquia (traçado em “U”!? não consta nenhuma informação
concreta com origem nas câmaras de Odivelas ou de Loures), que a CML e a CMO estão a estudar traçados de
LRT ou BRT Jamor-Santo Amaro e Santa Apolónia-Sacavem (foi previsto espaço-canal
na urbanização Renzo Piano?), conforme orçamentação no PNI2030, e que será a
AML a estudar os futuros traçados.
Mas foram informações gerais,
nada de concreto nem que permita um
debate alargado sobre os traçados e calendarizado (apesar da urgência da
definição dos investimentos a submeter a cofinanciamento comunitário). Ausencia
de referencias ao CSOP e à forma de implementação de um debate público anterior
à definição dos traçados, antes participativo, nos precisos termos dos artigos
37.1 e 48.2 da Constituição da República Portuguesa.
Daí eu pensar que será urgente a constituição de uma “task
force” para executar o mandado da AR e conseguir, ainda em 2020, após debate publico
participativo, os estudos prévios do mandado
(comparativo Alcantara-linha circular, estudo viabilidade para Loures,
comparativo das expansões para ocidente, estudo global da mobilidade na AML, e
ainda, contratação de pessoal, tarefas de manutenção e reparação, obras nas
estações para acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida, coisa em que
há muito o metro incumpre).
Essa “task force” seria um grupo de controle periódico, em contacto com a
Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, e com autoridade
para coordenação interdisciplinar, sem métodos top down e flexibilizando a
pratica da contratação: estudos prévios até dez2020, concurso condicional
simultaneamente com o EIA (lançamento dos concursos ainda antes de todas as
aprovações formais, definição dos critérios de adjudicação com predominância da
qualidade técnica e das referencias de obras ou fornecimentos executados com
autonomia classificativa da comissão de avaliação) e adjudicação até jun2021, 2
anos para obra de 4000m a 6m por dia, conclusão da obra em 2023 e ensaios no
principio de 2024.
Embora sem elementos de confiança, eu diria
que, dependendo da profundidade dos estudos referidos e das obras para a
acessibilidade/mobilidade, com essa “task force”, poderemos afetar do
cofinanciamento de 83 milhões do POSEUR, cerca de 70 milhões de euros, a utilizar
até 2023 (condição para aproveitar o cofinanciamento que pode ser afetado a
outros investimentos conforme a comissária Elisa Ferreira explicou e admitindo
que é competencia do governo selecionar outros empreendimentos para esgotar a
verba de 83 milhões).
Nestas circunstancias, seria
desejável fazer proximamente o ponto da situação novamente com a Comissão EIOPH
, fazendo-se acompanhar dos técnicos que possam informar dos pormenores,
respondendo às seguintes questões:
1 – o metropolitano já tem o
estudo comparativo dos traçados da linha vermelha para Alcântara Mar fazendo a
correspondencia com a linha de Cascais em viaduto para poupar energia durante a
exploração? ou em que estado se encontra o estudo, que possibilidade de propor traçados
alternativos, e quando se prevê a sua divulgação?
2 - como se articula o
prolongamento da linha vermelha a Infante Santo e Alcântara apresentado num
noticiário da TVI com o prolongamento a Santo Amaro anunciado pelo senhor
Ministro na sua entrevista no Publico de 19 de abril e na audição de 12 de maio?
3 - o que fez já o metropolitano
no estudo da ligação a Loures e que traçados estão a comparar, ou que traçados concretos estão a ser estudados na colaboração
entre as câmaras de Odivelas e de Loures e com a AML no sentido do desenvolvimento
do estudo de traçados e com que prazos?
4– que entidade está a, ou vai
estudar, o requerido plano global para a mobilidade na AML? Possibilidade de
debate de alternativas? Prazos?
5 – qual o ponto de situação concreto
dos outros cometimentos ao metropolitano, a saber: contratação de
trabalhadores, reposição de stocks e de niveis de manutenção realizada,
reparação de infiltrações e estudos e
projetos de adaptação das 14 estações a
pessoas com mobilidade reduzida (art 283)?
6 – caso não possa ser cumprido total
ou parcialmente o mandado dos artigos 282 e 283 até ao fim de 2020, qual o prazo
ou prazos a considerar?
Com os melhores cumprimentos
Fernando Santos e Silva
Caro Amigo
ResponderEliminarAprecio o seu trabalho e esforço para, com argumentos técnicos, defender uma opção. Todavia, o seu esforço parece votado ao fracasso pois dirige-se a alguém que, por aparentemente, estar comprometido com outros interesses e objectivos e, na minha opinião deixar muito a desejar do ponto de vista da ética política, não está interessado em ouvir ninguém que não comunge das opiniões dele. Foi assim num passado recente, que conheço por experiência própria, que, felizmente acabou por resultar na revogação de uma decisão errada. Acontece que essa primeira decisão errada condiciona todo o processo seguinte. Porque as verbas disponíveis são insuficientes (Para o que foram atempadamente alertados e não ligaram patavina) para adquirir os navios eléctricos com as especificações e performances necessárias à operação parece terem optado por admitir a redução da velocidade de operação para 11 nós, o que, a acontecer, terá como consequência, por exemplo, que uma viagem entre o Seixal e Lisboa, que hoje demora cerca de 20 minutos, passe a demorar cerca de 40.Ver a incompetência a actuar é lamentável, mas é o que temos. Um abraço
José Osvaldo Bagarrão
Caro FSS,
ResponderEliminarDirigir mensagens a este "dito ministro" que não tem qualquer perfil teécnico que o reomende nesta matéria é estar simplesmente a testar o seu autismo. Ou seja, uma pura mas necessária perda de tempo.
Contudo, e para já, fica o seu registo.
Um abraço com alguma fé e esperança ...de que não haja dineiro para esta e outras loucuras,
LCS
Obrigado pelos dois comentários aos meus distintos colegas que possivelmente sofrerão da mesma doença de adolescente de que eu penso padecer, manter vivo o objetivo da engenharia de transformar as coisas em beneficio das pessoas, doença de que já padecíamos quando andavamos na escola, por mais que nos dissessem para estar calados.
ResponderEliminarPersista na sua "doença" estimado Engenheiro. Persista... O silêncio é compactuante e deslegitima qualquer queixa futura.
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