Senhor diretor
No
“Público" de 21 de fevereiro o senhor secretário de Estado adjunto e da
mobilidade propôs-se rebater uma série de 5 ideias virulentas, os mitos, sobre
a expansão do metropolitano de Lisboa.
Dado
que desempenhei no metro funções de homologação de novos empreendimentos, e não
parecendo que a argumentação do senhor secretário de Estado, surpreendentemente
por se tratar de um técnico de reconhecido mérito, está consistente com as boas
práticas de operação e manutenção de redes de metro, comento:
Mito
1 – a rede ficará menos eficiente com a linha circular – infelizmente, a
análise das taxas de fiabilidade comparadas entre uma linha circular e as duas
linhas equivalentes, prevê isso mesmo, com 1 avaria em 2,5 dias na linha
circular comparando com 1 avaria simultânea nas duas linhas em 25 dias,
admitindo um ciclo médio entre avarias de 14000 comboios-km . Isto não seria
grave se as linhas transversais existissem em número suficiente para assegurar
caminhos alternativos, como é o caso na maior parte das redes citadas com
linhas circulares (Madrid, Moscovo, Pequim de que se gostaria de ter as mesmas
disponibilidades financeiras). No caso de Londres, a linha circular foi
transformada em linha em laço em 2009 precisamente para fugir às dificuldades
de regulação da linha circular.
Mito
2 – a linha amarela desaparece – infelizmente, sendo verdade que não
desaparece, não é possível subscrever a afirmação do senhor secretário de
Estado de que não haverá perda de conetividade de Telheiras e de Odivelas. A
própria direção do metro, insuspeita de fuga ao escrupuloso cumprimento das
orientações da tutela, afirmou na sessão de apresentação do EIA em 31 de julho
de 2018 que, por razões de operacionalidade, a exploração da linha
Odivelas-Telheiras e a da linha circular seria separada.
A
pretensão de “partilha” dos troços comuns, de modo a permitir a entrada dos
comboios na linha circular e transportar os passageiros de Odivelas ao Rato sem
transbordos tem três inconvenientes graves, que pessoalmente, se estivesse no
ativo, me obrigariam a assinar um parecer formalmente desfavorável:
a)
a inserção dos comboios da linha de Odivelas na linha circular reduz a
regularidade da circulação na linha circular e aumenta as probabilidades de
perturbações com origem nos aparelhos de mudança de via (agulhas) à medida que
aumenta a frequência ;
b) o itinerário de chegada a
Campo Grande dos comboios na via da linha circular com o sentido dos ponteiros
do relógio atravessa e colide “nez a nez” (testa a
testa) com o percurso de saída de Campo Grande para inserção dos comboios de
Odivelas na via contrária ao sentido dos ponteiros do relógio da linha
circular. Esta situação, embora qualquer sistema de sinalização automática
garanta a segurança, é contrária aos princípios de projeto de um metropolitano,
obrigando a tempos de segurança que neste caso não deverá ser menos de 4
minutos, inviabilizando o cumprimento de um intervalo menor
c)
por razões de continuidade dos movimentos de comboios nas agulhas com destinos
diferentes, se postularmos um intervalo de 5 minutos entre Odivelas e Campo
Grande, e um intervalo de 3,5 minutos entre Campo Grande e Rato, teremos entre
Rato e Campo Grande (passando por Cais Sodré e Alameda) um intervalo de 5,5
minutos, deveras superior ao desejado. Sendo a população de Odivelas e Loures
da ordem de 345 mil habitantes, justifica-se um meio de transporte com 7000
passageiros/hora de ponta e sentido. Ou frequência de 12 comboios por hora (5
minutos de intervalo).
mito
3 – uma linha em loop Odivelas-Cais Sodré-Telheiras sem necessidade de
construir os dois viadutos em Campo Grande seria a melhor solução – é evidente
que não é a melhor solução, só que ela não foi apresentada como tal, mas para
minimizar os efeitos da linha circular, nomeadamente para evitar a construção
dos dois novos viadutos em Campo Grande. Quanto aos inconvenientes das linhas
abertas de atravessarem zonas de procura diferenciada, cabe recordar, como
qualquer passageiro da linha de Odivelas sabe, por ter sido “despejado” em
Campo Grande, juntamente com mais de metade da lotação do comboio, que a oferta
se ajusta com términos intermédios (com o inconveniente de não estimular a
procura, como dizem os clássicos da economia).
Cabe
ainda recordar que uma linha aberta com términos de inversão alternada pode
assegurar um intervalo de 2 minutos, inferior portanto ao anunciado
indevidamente pelo EIA como vantagem da linha circular.
Mitos 4 e 5 – Obrigatoriedade de
transbordo em Campo grande – penso que se confunde com o mito 2, mas convém
recordar que a necessidade de transbordo, a ser mito, tem origem no EIA quando compara os
incómodos para os passageiros entre os fluxos de Odivelas e de Cais Sodré. A
“partilha” da linha circular com a linha de Odivelas e os mecanismos de
segurança para o conflito de percursos em Campo Grande, como se viu, conduz à
impossibilidade de cumprimento de intervalos de 4 minutos (frequência de 15
comboios por hora e sentido).
São
de apoiar as afirmações do senhor secretário de Estado no sentido de aumentar o
investimento no transporte público, e para isso até poderá haver
cofinanciamento comunitário, mas pede-se que os planos de expansão respeitem as
boas práticas de operação e manutenção das redes e não se baseiem, como é o
caso, em estudos que contrariam os mapas de expansão do PROTAML de 2002, ainda
em vigor, e que contêm argumentação enganadora.
Durante
4 meses solicitei uma entrevista ao senhor secretário de Estado para lhe
apresentar a argumentação técnica que contraria a proposta oficial. Apesar de
contactos com assessores seus, não foi possível essa entrevista, o que não
obstou a que ela fosse deixada na Secretaria de Estado.
Dado
tratar-se de assunto com alguma complexidade técnica requerendo análise de
esquemas, e por ser de interesse público, sugiro, senhor diretor, que abra as
páginas do seu jornal a um debate sobre estas questões técnicas.
Com
os melhores cumprimentos
Sem comentários:
Enviar um comentário