domingo, 3 de março de 2019

Comentário ao artigo metro e mitos no “Público" de 21fev2019




Senhor diretor
No “Público" de 21 de fevereiro o senhor secretário de Estado adjunto e da mobilidade propôs-se rebater uma série de 5 ideias virulentas, os mitos, sobre a expansão do metropolitano de Lisboa.
Dado que desempenhei no metro funções de homologação de novos empreendimentos, e não parecendo que a argumentação do senhor secretário de Estado, surpreendentemente por se tratar de um técnico de reconhecido mérito, está consistente com as boas práticas de operação e manutenção de redes de metro, comento:
Mito 1 – a rede ficará menos eficiente com a linha circular – infelizmente, a análise das taxas de fiabilidade comparadas entre uma linha circular e as duas linhas equivalentes, prevê isso mesmo, com 1 avaria em 2,5 dias na linha circular comparando com 1 avaria simultânea nas duas linhas em 25 dias, admitindo um ciclo médio entre avarias de 14000 comboios-km . Isto não seria grave se as linhas transversais existissem em número suficiente para assegurar caminhos alternativos, como é o caso na maior parte das redes citadas com linhas circulares (Madrid, Moscovo, Pequim de que se gostaria de ter as mesmas disponibilidades financeiras). No caso de Londres, a linha circular foi transformada em linha em laço em 2009 precisamente para fugir às dificuldades de regulação da linha circular.
Mito 2 – a linha amarela desaparece – infelizmente, sendo verdade que não desaparece, não é possível subscrever a afirmação do senhor secretário de Estado de que não haverá perda de conetividade de Telheiras e de Odivelas. A própria direção do metro, insuspeita de fuga ao escrupuloso cumprimento das orientações da tutela, afirmou na sessão de apresentação do EIA em 31 de julho de 2018 que, por razões de operacionalidade, a exploração da linha Odivelas-Telheiras e a da linha circular seria separada.
A pretensão de “partilha” dos troços comuns, de modo a permitir a entrada dos comboios na linha circular e transportar os passageiros de Odivelas ao Rato sem transbordos tem três inconvenientes graves, que pessoalmente, se estivesse no ativo, me obrigariam a assinar um parecer formalmente desfavorável:
a) a inserção dos comboios da linha de Odivelas na linha circular reduz a regularidade da circulação na linha circular e aumenta as probabilidades de perturbações com origem nos aparelhos de mudança de via (agulhas) à medida que aumenta a frequência ;
b) o itinerário de chegada a Campo Grande dos comboios na via da linha circular com o sentido dos ponteiros do relógio atravessa e colide “nez a nez” (testa  a testa) com o percurso de saída de Campo Grande para inserção dos comboios de Odivelas na via contrária ao sentido dos ponteiros do relógio da linha circular. Esta situação, embora qualquer sistema de sinalização automática garanta a segurança, é contrária aos princípios de projeto de um metropolitano, obrigando a tempos de segurança que neste caso não deverá ser menos de 4 minutos, inviabilizando o cumprimento de um intervalo menor
c) por razões de continuidade dos movimentos de comboios nas agulhas com destinos diferentes, se postularmos um intervalo de 5 minutos entre Odivelas e Campo Grande, e um intervalo de 3,5 minutos entre Campo Grande e Rato, teremos entre Rato e Campo Grande (passando por Cais Sodré e Alameda) um intervalo de 5,5 minutos, deveras superior ao desejado. Sendo a população de Odivelas e Loures da ordem de 345 mil habitantes, justifica-se um meio de transporte com 7000 passageiros/hora de ponta e sentido. Ou frequência de 12 comboios por hora (5 minutos de intervalo).
mito 3 – uma linha em loop Odivelas-Cais Sodré-Telheiras sem necessidade de construir os dois viadutos em Campo Grande seria a melhor solução – é evidente que não é a melhor solução, só que ela não foi apresentada como tal, mas para minimizar os efeitos da linha circular, nomeadamente para evitar a construção dos dois novos viadutos em Campo Grande. Quanto aos inconvenientes das linhas abertas de atravessarem zonas de procura diferenciada, cabe recordar, como qualquer passageiro da linha de Odivelas sabe, por ter sido “despejado” em Campo Grande, juntamente com mais de metade da lotação do comboio, que a oferta se ajusta com términos intermédios (com o inconveniente de não estimular a procura, como dizem os clássicos da economia).
Cabe ainda recordar que uma linha aberta com términos de inversão alternada pode assegurar um intervalo de 2 minutos, inferior portanto ao anunciado indevidamente pelo EIA como vantagem da linha circular.
Mitos 4 e 5 – Obrigatoriedade de transbordo em Campo grande – penso que se confunde com o mito 2, mas convém recordar que a necessidade de transbordo, a ser mito, tem origem no EIA quando compara os incómodos para os passageiros entre os fluxos de Odivelas e de Cais Sodré. A “partilha” da linha circular com a linha de Odivelas e os mecanismos de segurança para o conflito de percursos em Campo Grande, como se viu, conduz à impossibilidade de cumprimento de intervalos de 4 minutos (frequência de 15 comboios por hora e sentido).
São de apoiar as afirmações do senhor secretário de Estado no sentido de aumentar o investimento no transporte público, e para isso até poderá haver cofinanciamento comunitário, mas pede-se que os planos de expansão respeitem as boas práticas de operação e manutenção das redes e não se baseiem, como é o caso, em estudos que contrariam os mapas de expansão do PROTAML de 2002, ainda em vigor, e que contêm argumentação enganadora.
Durante 4 meses solicitei uma entrevista ao senhor secretário de Estado para lhe apresentar a argumentação técnica que contraria a proposta oficial. Apesar de contactos com assessores seus, não foi possível essa entrevista, o que não obstou a que ela fosse deixada na Secretaria de Estado.
Dado tratar-se de assunto com alguma complexidade técnica requerendo análise de esquemas, e por ser de interesse público, sugiro, senhor diretor, que abra as páginas do seu jornal a um debate sobre estas questões técnicas.
Com os melhores cumprimentos







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