Senhor presidente
Dirijo-me ao senhor presidente
por ter tido a amabilidade de me fornecer o seu endereço de email na sessão de
esclarecimento promovida pelo metropolitano de Lisboa em 31 de julho de 2018.
Na altura foi afirmado pelo
diretor do metro presente na sessão que não estava prevista a exploração
partilhada da linha circular e da linha de Odivelas.
Perante a sua reação de que o
senhor ministro do Ambiente já lhe tinha dado a garantia de que se manteria a
ligação direta de Odivelas ao centro de Lisboa sem necessidade de transbordo,
eu pedi-lhe o seu email para lhe enviar as razões técnicas que contraindicam
essa variante.
Sublinho razões que
contraindicam. Nem o diretor do metro presente nem eu afirmámos que era
impossível mas apenas que a partilha das duas linhas gera conflitos de operação
que frequentemente se traduzirão em perturbações nas duas linhas prejudicando
os utilizadores.
Tenho de me penitenciar por não
ter procedido ao envio da referida argumentação técnica, que, ao invés de
contribuir para o ruído contra o
transbordo em Campo Grande, no fundo confirmava a prudencia do diretor do metro
nesta questão e evitaria o que considero uma não confiável esperança nas
virtualidades da exploração partilhada conforme a notícia sobre a sua reunião
de 22 de fevereiro com o senhor ministro do Ambiente e o presidente do metro.
Tenho entretanto participado em
sessões promovidas por cidadãos que se sentem prejudicados, expondo as
referidas razões técnicas desfavoráveis.
Devo dizer que a proposta da
linha circular e da ligação em “J” de Odivelas a Telheiras teve origem na
secretaria de Estado dos transportes em 2009, a que os colegas da disciplina de
Traçados, através das hierarquias, deram seguimento, sem atender aos pareceres
negativos dos colegas da operação e da manutenção, entre os quais eu me
incluía.
Desde 2009 tenho divulgado na
medida das minhas possibilidades os meus
pareceres negativos que se baseiam na experiencia da minha vida profissional no
metropolitano (reformei-me no fim de 2010) que incluiu a integração das
disciplinas ferroviárias nos empreendimentos das expansões, a preparação dos
processos de homologação para colocação em serviço, ações de normalização
ferroviária e contacto com homólogos de redes
estrangeiras.
Acompanhei por isso as obras da
maior parte dos prolongamentos e as questões suscitadas, pelo que criticar o
plano da linha circular não é uma crítica aos colegas mais novos que continuam,
e cuja maioria discorda do plano sem que
obviamente se possa opor a ele, mas um imperativo deontológico.
Desde que foi anunciada a retoma
do plano de 2009 que tenho tentado informar os decisores, governantes e direção
do metro com toda a abertura e espírito de colaboração, infelizmente sem resultado,
sem resposta a pedidos de audiência da parte do senhor secretário de Estado e sem qualquer correspondência com o direito
constitucional de participação na vida pública.
Independentemente das razões que
contraindicam o plano da linha circular (que tem algumas das vantagens
enunciadas no estudo de impacto ambiental e nas palavras do senhor ministro do
Ambiente, mas que no contexto da cidade e da região de Lisboa ou são
irrelevantes, como o crescimento de tráfego previsto ser da ordem de grandeza
dos crescimentos anuais que atualmente se verificam, ou não são prioridades), passo a expor a
argumentação técnica contra o caso particular da exploração partilhada.
Em anexo envio uma série de
folhas com esquemas de rede, quadros e cálculos de intervalos entre comboios e
de número de comboios necessários para
cada uma de 7 variantes para a exploração da linha circular e da linha de
Odivelas: exploração separada (linha circular e linha em “J”), linha em laço e
linhas partilhadas em 5 hipóteses.
O resumo que pode fazer-se é que,
como já referido, a partilha das linhas gera conflitos de percursos, aumenta a
taxa de perturbações e, muito importante para os utilizadores, não permite
intervalos entre comboios reduzidos, especialmente nas horas de ponta, quando a
procura é maior. Isto é, a qualidade de serviço deixará muito a desejar.
Tudo ponderado, e mantendo-se a
imposição da linha circular, o meu parecer técnico é que se opte pela linha em
laço, numa linha apenas: Odivelas-Campo Grande-Rato-Cais Sodré-Alameda-Campo
Grande-Telheiras e volta.
Esta solução tem a grande
vantagem de poupar a construção dos dois novos viadutos em Campo Grande, cujos
custos de construção e equipamento ultrapassarão os 30 milhões de euros, e de
evitar os custos adicionais de manutenção devidos ao desgaste de materiais nas
suas curvas apertadas. Tem ainda a vantagem de poder utilizar-se intervalos
mais curtos, assim haja disponibilidade de material circulante.
O argumento utilizado pelo senhor
secretário de Estado adjunto e da mobilidade, de que tão extensa linha (apenas
mais 4,8 km do que a linha circular) percorre troços de procura distinta não
colhe, uma vez que a linha circular também o faz, embora com menos variação, e
porque, tal como hoje, será possível fazer inversões no término de Campo Grande
fora das horas de ponta de modo a não enviar comboios para o troço menos
carregado.
Porque são gerados conflitos de
percursos? Peço para ver o esquema bifilar na folha H2 dos anexos (ficheiro c2) .
Os comboios da linha circular do
Rato para Campo Grande pela Cidade Universitária (circulando no sentido dos
ponteiros do relógio) terão de se atravessar de frente no percurso dos comboios
que vêm de Odivelas. Esta situação é contrária aos critérios de exploração de
metropolitanos, embora os sistemas de sinalização automática garantam a
segurança da circulação. Por razões de segurança, as velocidades neste ponto de
colisão terão de ser reduzidas, os sinais ou os pontos de proteção terão de
estar suficientemente afastados para evitar que uma falha na travagem deixe
avançar o comboio para uma posição de risco e não poderá garantir-se um
intervalo entre comboios reduzido e sustentável.
Como se vê no esquema, o comboio
que vem de Odivelas pode ter de esperar pela passagem do comboio da linha
circular que vem de Campo Grande para Cidade Universitária (sentido de
circulação contrário aos ponteiros do relógio). Isto é, qualquer afluência de
passageiros numa estação que provoque atrasos implicará uma perturbação na
outra linha.
Também a fluidez de circulação é
afetada pelos movimentos nos aparelhos de via do término intermédio de Rato, em
que o comboio da linha de Odivelas, para iniciar o percurso Rato-Odivelas, terá
de se atravessar no percurso dos comboios da linha circular no sentido
contrário ao dos ponteiros do relógio, juntando constrangimentos aos do Campo
Grande.
Do mesmo modo, qualquer avaria do
aparelho de via no cruzamento devida ao trabalho intensivo provocará a paralisação nas duas linhas simultaneamente
enquanto não se monta o esquema de exploração parcial.
Nas folhas anexas, poderá ver na
folha com a referencia H0 (C0) a lista das hipóteses possíveis já referidas de
exploração das linhas circular e de Odivelas, e um quadro com a estimativa do
número de comboios necessários para a exploração de toda a rede em função de
cada variante e do intervalo entre comboios. Notar que o intervalo entre
comboios num troço é o inverso da frequência ou, em minutos, igual a 60 a
dividir pelo número de comboios por hora e sentido nesse troço. O número de
comboios por hora e sentido num troço comum de um aparelho de via é igual à
soma do número de comboios por hora e sentido em cada um dos seus dois ramos.
H1 (c1) - linha OD-TE e linha circular (LC)
independentes
Na folha H1 esquematiza-se a exploração separada
das duas linhas, o que permite intervalos mais curtos, até inferiores aos 3
minutos indicados, quer numa linha quer na outra. Tem o inconveniente da
ligação a Odivelas ser a Telheiras, obrigando ao transbordo em Campo Grande
para seguir para o Rato. É uma solução que prejudica os moradores a norte de
Campo Grande, mas tem maior fiabilidade e disponibilidade e menores intervalos
entre comboios (desde que sejam adquiridos mais comboios do que os previstos).
H2 (c2) -
Exploração mista das linhas Odivelas-Rato (linha atual, inversão em Rato),
Odivelas-Telheiras e linha circular
O esquema da folha H2 será o que estará
no espírito da reunião de 22 de fevereiro que confirmou a ligação direta de
Odivelas à zona central de Lisboa, com exploração “partilhada” da linha
Odivelas-Rato e Odivelas-Telheiras, e Odivelas-Rato e linha circular.
Em consequência dos
constrangimentos referidos nas agulhas, e da inevitabilidade de o número de
comboios por hora num troço comum ser igual à soma do número de comboios por
hora de cada ramo, os valores para os intervalos entre comboios nos diferentes
troços não são atrativos.
O cruzamento referido em Campo
Grande impõe por razões de segurança e sustentabilidade de operação um
intervalo entre Rato e Campo Grande de 4 minutos (3,5 minutos já não será
sustentável). Se o intervalo da ligação direta de Odivelas for de 20 minutos e
o intervalo em Telheiras for de 12 minutos , o que significa 7,5 minutos de
intervalo à saída de Odivelas, isso implicará que o intervalo entre Rato, Cais
Sodré e Campo Grande será de 5 minutos, valor não razoável para a linha
circular.
Mas se quisermos um intervalo de 4
minutos entre Rato e Campo Grande e de 10 minutos na ligação direta de
Odivelas, então teremos 6,7 minutos entre Rato, Cais Sodré e Campo Grande.
Para se conseguir um intervalo de
4,3 minutos entre Rato, Cais Sodré e Campo Grande seria necessário ter 3,5
minutos na agulha de Campo Grande e
troço Campo Grande-Rato, 20 minutos de intervalo entre ligações diretas
Odivelas-Rato (12 minutos de intervalo em Odivelas) e 30 minutos de intervalo
em Telheiras. Não parece sustentável o intervalo de 3,5 minutos nem razoáveis
os intervalos para Odivelas e Telheiras
H3 (c3) - linhas
OD-TE; OD-RA-CS-AM-CG-TE (inversão em Telheiras) ; LC
Na folha H3 em vez de inverterem
em Rato, os comboios da ligação direta dão a volta por Cais Sodré e vão
inverter em Telheiras. Teremos assim a exploração “partilhada” entre as linhas
Odivelas-Telheiras e Odivelas-Rato-Cais Sodré-Alameda-Campo Grande-Telheiras, e
entre esta e a linha circular (sobreposta a linha circular em toda a sua
extensão de 16 km).
Os intervalos entre comboios não
são distintos da opção H2, mas existe o inconveniente de serem necessários mais
4 comboios que permitem a vantagem , no entanto, de em toda a extensão da linha
circular poder praticar-se o intervalo de 4 minutos.
H4 (c4) - linhas
OD-TE; OD-CS (inversão em CS) ; LC
Na folha H4 mostra-se o esquema semelhante ao de
H2, mas com inversão em Cais Sodré. Exploração partilhada nas linhas Odivelas-Telheiras
e Odivelas-Cais Sodré, e nas linhas Odivelas-Cais Sodré e linha circular.
Tem o
inconveniente de precisar de mais um comboio sem vantagens para os intervalos
entre comboios, exceto a vantagem do intervalo de 4 minutos poder estender-se
entre Campo Grande, Rato e Cais Sodré.
H5 (c5) - linhas
OD-RA-CS-AM-CG-TE (linha em laço – dispensa
a construção dos dois novos viadutos de CG)
Na folha H5 temos a abertura da linha circular em
laço, de modo a poder fazer-se a exploração entre Odivelas e Telheiras e entre
Odivelas e a baixa de Lisboa sem constrangimentos de partilha de aparelhos de
mudança de via. Isto permite reduzir o intervalo entre comboios, desde que
exista material circulante suficiente. Para um intervalo de 3 minutos serão
necessários 36 comboios que, juntamente com os 35 comboios necessários para as
linhas azul (3 minutos) e vermelha (4 minutos, que não podem baixar devido aos
constrangimentos da inversão em S.Sebastião II) ultrapassam os 55 existentes
mais os 7 em processo de aquisição. Notar que para intervalos de 4 minutos o
número de comboios necessários seria 27 e, para intervalos de 5 minutos, seria
23, portanto o mesmo valor da hipótese H2.
A grande vantagem desta variante é a independencia
das perturbações com origem no aparelho de mudança de via e no congestionamento
associado e, do ponto de vista dos custos, permitir dispensar a construção dos
dois viadutos novos de Campo Grande. Como inconvenientes, temos, devido à sua
extensão (22,5 km por sentido) maior exposição a perturbações (valor típico de
MCBF – ciclo médio entre avarias: 14000 comboios-km) e troços com diferentes níveis de procura.
Para obstar a este último inconveniente poderão alguns comboios inverter no
término intermédio d Campo Grande fora das horas de ponta.
Considerando a poupança dos viadutos e a
possibilidade de intervalos mais reduzidos, é esta variante que se propõe no
caso de se concretizar a ligação Rato-Cais Sodré
H6 (c6) - linhas
OD-RA; TE-CG-AM-CS-RA-CG ; LC (dispensa a construção do viaduto norte de
CG)
A folha H6 mostra a aplicação do conceito de linha
em laço reduzindo o seu comprimento com uma linha de Telheiras-Campo
Grande-Alameda-Cais Sodré-Rato-Campo Grande, partilhando o troço Rato-Campo
Grande com a linha existente Odivelas-Rato e com a linha circular. No caso da
primeira linha, Telheiras-Campo Grande, a inversão em Campo Grande far-se-ia no
seu término intermédio.
Nesta configuração é possível utilizar menos
comboios (19) devido à sobreposição da linha circular que permite reduzir o
número de comboios nesta e à imposição de intervalos maiores.
Para garantir o intervalo de 4 minutos entre Campo
Grande e Rato, condicionado pelo aparelho de via em Campo Grande, não é
possível um intervalo razoável em Odivelas.
Para um intervalo de 10 minutos em Odivelas teremos
um intervalo de 6,7 minutos entre Rato, Cais Sodré e Campo Grande, e 15 minutos
em Telheiras.
Para um intervalo de 15 minutos em Odivelas,
teremos um intervalo de 5,5 minutos entre Rato, Cais Sodré e Campo Grande, e 20
minutos em Telheiras.
As vantagens desta configuração é evitar a
construção de um dos viadutos, o norte de 400 metros, de Campo Grande, sem
prejuízo da linha circular, e o recurso a menor número de comboios.
A desvantagem vem dos intervalos entre comboios e
de mais um aparelho de via agravando os riscos de perturbações.
H7 (c7) – linhas
separadas : OD-RA-CS; TE-CG-AM-CS (mantem a atual linha verde) – dispensa a
construção dos dois viadutos
Na folha H7 pode ver-se uma
variante teórica que “parte” a linha circular em dois meios laços: um de
Odivelas, Rato a Cais Sodré, e outro de Telheiras a Cais Sodré pela atual linha
verde.
No primeiro meio laço a linha
terminaria em Cais Sodré eventualmente em nova estação distinta da atual ou
terminando na estação Santos, deslocando esta para a proximidade da estação de
Santos da CP ou da estação de Cais Sodré da CP, ou idealmente, interligando-as
com passadiços aéreos pedonais cobertos e com tapetes rolantes.
Trata-se evidentemente de uma hipótese
teórica com a justificação de poupar a construção dos dois novos viadutos, de
reduzir os trabalhos nos terrenos difíceis da avenida 24 de julho e de permitir
intervalos reduzidos.
Em conclusão, tal como atrás
referido, a vantagem da configuração H5, ou linha em laço Odivelas-Rato-Cais
Sodré-Alameda-Campo Grande-Telheiras de evitar a construção dos dois novos
viadutos de Campo Grande e de permitir intervalos reduzidos.
Deve no entanto ficar claro que
não ficou claramente demonstrado no estudo de impacto ambiental que a
construção do troço Rato-Cais Sodré merece a prioridade relativamente ao
prolongamento para Alcântara com recurso a viaduto no vale de Alcântara, quer
da linha amarela, quer da linha vermelha.
A proposta de privilegiar a linha
em laço em detrimento da linha circular “tout court” configura assim uma medida mitigadora dos inconvenientes desta
linha circular (não por ser circular, mas pelo contexto).
Termino, senhor presidente, informando
que a presente comunicação não é reservada, podendo dar-lhe o destino e a
divulgação que entender.
Poderá encontrar informação complementar, incluindo
fórmulas de cálculo, em:
Coloco-me à disposição para
eventuais esclarecimentos.
Com os melhores cumprimentos e
votos de sucesso para a sua cidade,
Fernando Santos e Silva
Especialista de transportes pela
Ordem dos Engenheiros, nº 10973
ANEXOS
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