domingo, 3 de março de 2019

Email para o sr presidente da câmara de Odivelas, a propósito da linha circular do metro e da sua "partilha" com a linha de Odivelas

Email e anexos que enviei ao senhor presidente da câmara de Odivelas, com a argumentação técnica desfavorável à "partilha" das linhas circcular e de Odivelas do metropolitano de Lisboa:





Senhor presidente

Dirijo-me ao senhor presidente por ter tido a amabilidade de me fornecer o seu endereço de email na sessão de esclarecimento promovida pelo metropolitano de Lisboa em 31 de julho de 2018.
Na altura foi afirmado pelo diretor do metro presente na sessão que não estava prevista a exploração partilhada da linha circular e da linha de Odivelas.
Perante a sua reação de que o senhor ministro do Ambiente já lhe tinha dado a garantia de que se manteria a ligação direta de Odivelas ao centro de Lisboa sem necessidade de transbordo, eu pedi-lhe o seu email para lhe enviar as razões técnicas que contraindicam essa variante.
Sublinho razões que contraindicam. Nem o diretor do metro presente nem eu afirmámos que era impossível mas apenas que a partilha das duas linhas gera conflitos de operação que frequentemente se traduzirão em perturbações nas duas linhas prejudicando os utilizadores. 
Tenho de me penitenciar por não ter procedido ao envio da referida argumentação técnica, que, ao invés de contribuir para o ruído  contra o transbordo em Campo Grande, no fundo confirmava a prudencia do diretor do metro nesta questão e evitaria o que considero uma não confiável esperança nas virtualidades da exploração partilhada conforme a notícia sobre a sua reunião de 22 de fevereiro com o senhor ministro do Ambiente e o presidente do metro.
Tenho entretanto participado em sessões promovidas por cidadãos que se sentem prejudicados, expondo as referidas razões técnicas desfavoráveis.
Devo dizer que a proposta da linha circular e da ligação em “J” de Odivelas a Telheiras teve origem na secretaria de Estado dos transportes em 2009, a que os colegas da disciplina de Traçados, através das hierarquias, deram seguimento, sem atender aos pareceres negativos dos colegas da operação e da manutenção, entre os quais eu me incluía.
Desde 2009 tenho divulgado na medida das minhas possibilidades  os meus pareceres negativos que se baseiam na experiencia da minha vida profissional no metropolitano (reformei-me no fim de 2010) que incluiu a integração das disciplinas ferroviárias nos empreendimentos das expansões, a preparação dos processos de homologação para colocação em serviço, ações de normalização ferroviária e contacto com homólogos de redes  estrangeiras.
Acompanhei por isso as obras da maior parte dos prolongamentos e as questões suscitadas, pelo que criticar o plano da linha circular não é uma crítica aos colegas mais novos que continuam, e cuja maioria discorda do  plano sem que obviamente se possa opor a ele, mas um imperativo deontológico.
Desde que foi anunciada a retoma do plano de 2009 que tenho tentado informar os decisores, governantes e direção do metro com toda a abertura e espírito de colaboração, infelizmente sem resultado, sem resposta a pedidos de audiência da parte do senhor secretário de Estado  e sem qualquer correspondência com o direito constitucional de participação na vida pública.
Independentemente das razões que contraindicam o plano da linha circular (que tem algumas das vantagens enunciadas no estudo de impacto ambiental e nas palavras do senhor ministro do Ambiente, mas que no contexto da cidade e da região de Lisboa ou são irrelevantes, como o crescimento de tráfego previsto ser da ordem de grandeza dos crescimentos anuais que atualmente se verificam,  ou não são prioridades), passo a expor a argumentação técnica contra o caso particular da exploração partilhada.

Em anexo envio uma série de folhas com esquemas de rede, quadros e cálculos de intervalos entre comboios e de número de comboios necessários  para cada uma de 7 variantes para a exploração da linha circular e da linha de Odivelas: exploração separada (linha circular e linha em “J”), linha em laço e linhas partilhadas em 5 hipóteses.
O resumo que pode fazer-se é que, como já referido, a partilha das linhas gera conflitos de percursos, aumenta a taxa de perturbações e, muito importante para os utilizadores, não permite intervalos entre comboios reduzidos, especialmente nas horas de ponta, quando a procura é maior. Isto é, a qualidade de serviço deixará muito a desejar.
Tudo ponderado, e mantendo-se a imposição da linha circular, o meu parecer técnico é que se opte pela linha em laço, numa linha apenas: Odivelas-Campo Grande-Rato-Cais Sodré-Alameda-Campo Grande-Telheiras e volta.
Esta solução tem a grande vantagem de poupar a construção dos dois novos viadutos em Campo Grande, cujos custos de construção e equipamento ultrapassarão os 30 milhões de euros, e de evitar os custos adicionais de manutenção devidos ao desgaste de materiais nas suas curvas apertadas. Tem ainda a vantagem de poder utilizar-se intervalos mais curtos, assim haja disponibilidade de material circulante.
O argumento utilizado pelo senhor secretário de Estado adjunto e da mobilidade, de que tão extensa linha (apenas mais 4,8 km do que a linha circular) percorre troços de procura distinta não colhe, uma vez que a linha circular também o faz, embora com menos variação, e porque, tal como hoje, será possível fazer inversões no término de Campo Grande fora das horas de ponta de modo a não enviar comboios para o troço menos carregado.
Porque são gerados conflitos de percursos? Peço para ver o esquema bifilar na folha H2 dos anexos (ficheiro c2) .
Os comboios da linha circular do Rato para Campo Grande pela Cidade Universitária (circulando no sentido dos ponteiros do relógio) terão de se atravessar de frente no percurso dos comboios que vêm de Odivelas. Esta situação é contrária aos critérios de exploração de metropolitanos, embora os sistemas de sinalização automática garantam a segurança da circulação. Por razões de segurança, as velocidades neste ponto de colisão terão de ser reduzidas, os sinais ou os pontos de proteção terão de estar suficientemente afastados para evitar que uma falha na travagem deixe avançar o comboio para uma posição de risco e não poderá garantir-se um intervalo entre comboios reduzido e sustentável.
Como se vê no esquema, o comboio que vem de Odivelas pode ter de esperar pela passagem do comboio da linha circular que vem de Campo Grande para Cidade Universitária (sentido de circulação contrário aos ponteiros do relógio). Isto é, qualquer afluência de passageiros numa estação que provoque atrasos implicará uma perturbação na outra linha.
Também a fluidez de circulação é afetada pelos movimentos nos aparelhos de via do término intermédio de Rato, em que o comboio da linha de Odivelas, para iniciar o percurso Rato-Odivelas, terá de se atravessar no percurso dos comboios da linha circular no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, juntando constrangimentos aos do Campo Grande.
Do mesmo modo, qualquer avaria do aparelho de via no cruzamento devida ao trabalho intensivo provocará  a paralisação nas duas linhas simultaneamente enquanto não se monta o esquema de exploração parcial.


Nas folhas anexas, poderá ver na folha com a referencia H0 (C0) a lista das hipóteses possíveis já referidas de exploração das linhas circular e de Odivelas, e um quadro com a estimativa do número de comboios necessários para a exploração de toda a rede em função de cada variante e do intervalo entre comboios. Notar que o intervalo entre comboios num troço é o inverso da frequência ou, em minutos, igual a 60 a dividir pelo número de comboios por hora e sentido nesse troço. O número de comboios por hora e sentido num troço comum de um aparelho de via é igual à soma do número de comboios por hora e sentido em cada um dos seus dois ramos.
H1 (c1) -   linha OD-TE e linha circular (LC) independentes
Na folha H1 esquematiza-se a exploração separada das duas linhas, o que permite intervalos mais curtos, até inferiores aos 3 minutos indicados, quer numa linha quer na outra. Tem o inconveniente da ligação a Odivelas ser a Telheiras, obrigando ao transbordo em Campo Grande para seguir para o Rato. É uma solução que prejudica os moradores a norte de Campo Grande, mas tem maior fiabilidade e disponibilidade e menores intervalos entre comboios (desde que sejam adquiridos mais comboios do que os previstos).

H2 (c2) - Exploração mista das linhas Odivelas-Rato (linha atual, inversão em Rato), Odivelas-Telheiras e linha circular
O esquema da folha H2 será o que estará no espírito da reunião de 22 de fevereiro que confirmou a ligação direta de Odivelas à zona central de Lisboa, com exploração “partilhada” da linha Odivelas-Rato e Odivelas-Telheiras, e Odivelas-Rato e linha circular.
Em consequência dos constrangimentos referidos nas agulhas, e da inevitabilidade de o número de comboios por hora num troço comum ser igual à soma do número de comboios por hora de cada ramo, os valores para os intervalos entre comboios nos diferentes troços não são atrativos.
O cruzamento referido em Campo Grande impõe por razões de segurança e sustentabilidade de operação um intervalo entre Rato e Campo Grande de 4 minutos (3,5 minutos já não será sustentável). Se o intervalo da ligação direta de Odivelas for de 20 minutos e o intervalo em Telheiras for de 12 minutos , o que significa 7,5 minutos de intervalo à saída de Odivelas, isso implicará que o intervalo entre Rato, Cais Sodré e Campo Grande será de 5 minutos, valor não razoável para a linha circular.
Mas se quisermos um intervalo de 4 minutos entre Rato e Campo Grande e de 10 minutos na ligação direta de Odivelas, então teremos 6,7 minutos entre Rato, Cais Sodré e Campo Grande.
Para se conseguir um intervalo de 4,3 minutos entre Rato, Cais Sodré e Campo Grande seria necessário ter 3,5 minutos na agulha de Campo Grande  e troço Campo Grande-Rato, 20 minutos de intervalo entre ligações diretas Odivelas-Rato (12 minutos de intervalo em Odivelas) e 30 minutos de intervalo em Telheiras. Não parece sustentável o intervalo de 3,5 minutos nem razoáveis os intervalos para Odivelas e Telheiras
H3 (c3) - linhas OD-TE; OD-RA-CS-AM-CG-TE (inversão em Telheiras) ; LC
Na folha H3 em vez de inverterem em Rato, os comboios da ligação direta dão a volta por Cais Sodré e vão inverter em Telheiras. Teremos assim a exploração “partilhada” entre as linhas Odivelas-Telheiras e Odivelas-Rato-Cais Sodré-Alameda-Campo Grande-Telheiras, e entre esta e a linha circular (sobreposta a linha circular em toda a sua extensão de 16 km).
Os intervalos entre comboios não são distintos da opção H2, mas existe o inconveniente de serem necessários mais 4 comboios que permitem a vantagem , no entanto, de em toda a extensão da linha circular poder praticar-se o intervalo de 4 minutos.

H4 (c4) - linhas OD-TE; OD-CS (inversão em CS) ; LC

Na folha H4 mostra-se o esquema semelhante ao de H2, mas com inversão em Cais Sodré. Exploração partilhada nas linhas Odivelas-Telheiras e Odivelas-Cais Sodré, e nas linhas Odivelas-Cais Sodré e linha circular.
 Tem o inconveniente de precisar de mais um comboio sem vantagens para os intervalos entre comboios, exceto a vantagem do intervalo de 4 minutos poder estender-se entre Campo Grande, Rato e Cais Sodré.


H5 (c5) - linhas OD-RA-CS-AM-CG-TE  (linha em laço – dispensa a construção dos dois novos viadutos de CG)

Na folha H5 temos a abertura da linha circular em laço, de modo a poder fazer-se a exploração entre Odivelas e Telheiras e entre Odivelas e a baixa de Lisboa sem constrangimentos de partilha de aparelhos de mudança de via. Isto permite reduzir o intervalo entre comboios, desde que exista material circulante suficiente. Para um intervalo de 3 minutos serão necessários 36 comboios que, juntamente com os 35 comboios necessários para as linhas azul (3 minutos) e vermelha (4 minutos, que não podem baixar devido aos constrangimentos da inversão em S.Sebastião II) ultrapassam os 55 existentes mais os 7 em processo de aquisição. Notar que para intervalos de 4 minutos o número de comboios necessários seria 27 e, para intervalos de 5 minutos, seria 23, portanto o mesmo valor da hipótese H2.
A grande vantagem desta variante é a independencia das perturbações com origem no aparelho de mudança de via e no congestionamento associado e, do ponto de vista dos custos, permitir dispensar a construção dos dois viadutos novos de Campo Grande. Como inconvenientes, temos, devido à sua extensão (22,5 km por sentido) maior exposição a perturbações (valor típico de MCBF – ciclo médio entre avarias: 14000 comboios-km)  e troços com diferentes níveis de procura. Para obstar a este último inconveniente poderão alguns comboios inverter no término intermédio d Campo Grande fora das horas de ponta.
Considerando a poupança dos viadutos e a possibilidade de intervalos mais reduzidos, é esta variante que se propõe no caso de se concretizar a ligação Rato-Cais Sodré


H6 (c6) - linhas OD-RA; TE-CG-AM-CS-RA-CG ;  LC  (dispensa a construção do viaduto norte de CG)
A folha H6 mostra a aplicação do conceito de linha em laço reduzindo o seu comprimento com uma linha de Telheiras-Campo Grande-Alameda-Cais Sodré-Rato-Campo Grande, partilhando o troço Rato-Campo Grande com a linha existente Odivelas-Rato e com a linha circular. No caso da primeira linha, Telheiras-Campo Grande, a inversão em Campo Grande far-se-ia no seu término intermédio.
Nesta configuração é possível utilizar menos comboios (19) devido à sobreposição da linha circular que permite reduzir o número de comboios nesta e à imposição de intervalos maiores. 
Para garantir o intervalo de 4 minutos entre Campo Grande e Rato, condicionado pelo aparelho de via em Campo Grande, não é possível um intervalo razoável em Odivelas.
Para um intervalo de 10 minutos em Odivelas teremos um intervalo de 6,7 minutos entre Rato, Cais Sodré e Campo Grande, e 15 minutos em Telheiras.
Para um intervalo de 15 minutos em Odivelas, teremos um intervalo de 5,5 minutos entre Rato, Cais Sodré e Campo Grande, e 20 minutos em Telheiras.
As vantagens desta configuração é evitar a construção de um dos viadutos, o norte de 400 metros, de Campo Grande, sem prejuízo da linha circular, e o recurso a menor número de comboios.
A desvantagem vem dos intervalos entre comboios e de mais um aparelho de via agravando os riscos de perturbações.




H7 (c7) – linhas separadas : OD-RA-CS; TE-CG-AM-CS (mantem a atual linha verde) – dispensa a construção dos dois viadutos
Na folha H7 pode ver-se uma variante teórica que “parte” a linha circular em dois meios laços: um de Odivelas, Rato a Cais Sodré, e outro de Telheiras a Cais Sodré pela atual linha verde.
No primeiro meio laço a linha terminaria em Cais Sodré eventualmente em nova estação distinta da atual ou terminando na estação Santos, deslocando esta para a proximidade da estação de Santos da CP ou da estação de Cais Sodré da CP, ou idealmente, interligando-as com passadiços aéreos pedonais cobertos e com tapetes rolantes.
Trata-se evidentemente de uma hipótese teórica com a justificação de poupar a construção dos dois novos viadutos, de reduzir os trabalhos nos terrenos difíceis da avenida 24 de julho e de permitir intervalos reduzidos.

Em conclusão, tal como atrás referido, a vantagem da configuração H5, ou linha em laço Odivelas-Rato-Cais Sodré-Alameda-Campo Grande-Telheiras de evitar a construção dos dois novos viadutos de Campo Grande e de permitir intervalos reduzidos.
Deve no entanto ficar claro que não ficou claramente demonstrado no estudo de impacto ambiental que a construção do troço Rato-Cais Sodré merece a prioridade relativamente ao prolongamento para Alcântara com recurso a viaduto no vale de Alcântara, quer da linha amarela, quer da linha vermelha.
A proposta de privilegiar a linha em laço em detrimento da linha circular “tout court” configura assim uma  medida mitigadora dos inconvenientes desta linha circular (não por ser circular, mas pelo contexto).


Termino, senhor presidente, informando que a presente comunicação não é reservada, podendo dar-lhe o destino e a divulgação que entender.
Poderá encontrar informação complementar, incluindo fórmulas de cálculo, em:



Coloco-me à disposição para eventuais esclarecimentos.
Com os melhores cumprimentos e votos de sucesso para a sua cidade,

Fernando Santos e Silva
Especialista de transportes pela Ordem dos Engenheiros, nº 10973

                                              

                                                       ANEXOS






















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