domingo, 12 de fevereiro de 2012

Cantata BWV 82, Ich habe genug (eu tenho o suficiente) de J.S.Bach

Concerto na Fundação Gulbenkian, em 10 de fevereiro de 2012, com a orquestra Gulbenkian, o maestro Tom Koopman e o baixo Klaus Mertens

A cultura alemã no século XVIII desenvolveu-se no sentido do classicismo.
A urbanização de Berlim foi um sucesso e a pureza das linhas de arquitetura clássica atingiram um nível elevado na avenida Unter den Linen. Sob a expansão prussiana através do exército e da organização estrutural da sociedade germinava a centralização do século seguinte e o desenvolvimento industrial, no meio da pulverização feudal sobrevivente. Na música, Bach fazia a transição do barroco para o clássico e transformava a matematica em música. De cultura luterana, as suas cantatas e paixões são a sua expressão dramática.

A cantata Ich habe genung é um bom exemplo da música ao serviço da mensagem cristã de resignação com a miséria da vida terrena, com a esperança de uma vida triunfal pós morte.
As condições de vida na Alemanha no tempo de Bach não eram confortáveis. Havia guerra demasiadas vezes e havia a necessidade  de fazer crescer a economia.
Todos os domingos a música nas igrejas ajudava os burgueses, os camponeses e os manufatureiros a conviver com as dificuldades do quotidiano na esperança de um futuro de felicidade.

Três séculos passados, apesar de todo o progresso tecnológico que se pensava colocaria o conforto ao alcance de todos, continua a ser excessivo o número de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza, mesmo na Europa. Em Portugal, por exemplo, em que o salário mínimo líquido é de 432 euros e é recebido por 400.000 trabalhadores, o limiar de pobreza está convencionado em 434 euros.

Por isso a cantata Ich habe genug, eu tenho o suficiente, é uma metáfora atual para quem não tem o suficiente.
Pese embora parecer encerrar uma contradição que me parece herdada da mensagem judaico-cristã de resignação: as condições sociais de miséria exigem o crescimento económico para a sua resolução, mas a cantata aspira a que a morte chegue depressa e portanto, antes de serem resolvidas as questões sociais?
A tradição ateísta parecerá mais próxima da resolução do paradoxo; existem problemas de miséria? então devem atacar-se as causas e aplicar as soluções, sem promessas de miragens.

Ich habe genug                                                         eu tenho o suficiente
.........................                                                       ..............................
Ach! möchte mich von meines Leibes Ketten            Ah, que o Senhor me redima
Der Herr erreten!                                                     dos grilhões do meu corpo!
Ach! wäre doch mein Abschied hier                         Ah, se a hora de partir já tivesse chegado,
Mit Freuden sagt'ich, Welt, zu dir:                            com alegria te diria, ó mundo,
Ich habe genug!                                                       eu tenho o suficiente!
.........................                                                       ..................................
Hier muss ich das Elend bauen,                                 Aqui vivo na miséria,
Aber dort, dort werd'ich schauen                              mas lá, já poderei ver
Süssen Friede, stille Ruh.                                          a doce paz, o suave repouso
......................................                                         .............................................
Ich freue mich auf meinen Tod,                                Com alegria eu antecipo a minha morte,
Ach! hätt er sich schon eingefunden,                        Ah, se já tivesse chegado,
Da entkomm ich aller Not                                       então, escaparia a toda a miséria
Die mich noch auf der Welt gebunden                     que me liga ainda ao mundo


Sem comentários:

Enviar um comentário