segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Análise de riscos, análise de acidentes - tunel de Sasago, choque de Busan


Este blogue é adepto do conceito de análise de acidentes do NTSB,National Transportation Safety Board, organismo do ministério dos transportes dos USA (esperemos que nunca um Tea Party com a fé cega na minimização do Estado consiga dar cabo do NTSB). As investigações de um acidente decorrem calmamente mas com divulgação do progresso. O objetivo principal é o de recomendar medidas para evitar a repetição do acidente.
Este conceito contrasta frontalmente com o que as administrações defendem em Portugal: inquéritos à porta fechada e consequentemente, sem mecanismos de controle mutuo que impeçam a exclusão de elementos ditos confidenciais e sem o valor das contribuições dos cidadãos.

A análise de acidentes, parente próxima da análise de riscos, não é assim uma atividade sado-masoquista, é antes um mecanismo de garantia de segurança.

Tomemos um exemplo português: o acidente da queda da cobertura da estação de Cais do Sodré em 1961.
A cobertura assentava em vários pilares metálicos com um dispositivo de absorção de dilatação do fuste. Por outro lado, o terreno era de aterro onde anteriormente era o rio. Convergiram, como em qualquer acidente, várias circunstancias e causas: o terreno foi abatendo com o tempo, de forma desigual em cada pilar; dada a proximidade do ambiente marítimo de elevada corrosão, os mecanismos de dilatação griparam de forma desigual conforme o pilar; a acumulação de água por entupimento da drenagem aumentou o esforço sobre os pilares.
Em consequência, a carga total foi-se aplicando de forma desigual sobre os pilares, ficando alguns deles sem absorver o esforço como se etivessem desligados do terreno e fazendo recair cada vez mais carga sobre cada vez menos pilares até ultrapassar o limite de resistência.
Pode dizer-se que o projeto não era perfeito, por não prever medidas que compensassem as circunstancias desfavoráveis, mas não pode afirmar-se que tenha sido a única causa. Uma manutenção cuidada teria monitorizado a carga de cada pilar e o seu estado de corrosão e detetado a tempo o perigo.

A identificação das causas e circunstancias não foi divulgada de modo franco, e as culpas acabaram atribuídas aos projetistas, desvalorizando o papel da manutenção.
Mas não devia interessar encontrar os culpados, devia antes interessar principalmente evitar que acidentes deste género se repitam, sendo que a ideia chave é a de que este tipo de obras exige uma monitorização dos parâmetros de segurança e uma manutenção rigorosas.

Não se atingiu o objetivo. Anos mais tarde ocorreu o acidente da ponte de Entre os Rios, classificável também como de deficiente manutenção.
1 - E mais recentemente, em Dezembro de 2012, o acidente do túnel de Sasago no Japão.
Embora o inquérito e as inspeções em túneis com estruturas semelhantes estejam a decorrer, já é possível, graças à informação disponível na internet,

formular algumas hipóteses que podem servir de recomendações para evitar desastres semelhantes.
O que abateu não foi a estrutura primária do túnel, mas sim uma laje de cerca de 100 m de comprimento suspensa da abóbada do túnel, presumivelmente destinada à ventilação do túnel.
A laje era composta por lajetas pré-fabricadas de cerca de 5 x 1 m, solidárias entre si através de perfis metálicos e suspensas por pendurais ligados a ferragens, por sua vez fixas ao teto por parafusos e buchas químicas (adesão das buchas ao betão através de resinas adesivas).
A inauguração do túnel foi em 1977.
Admite-se que por efeito da corrosão, eventualmente agravada por esforços sísmicos alguns parafusos ou buchas se tenham degradado e partido, ou, por efeito de dilatações diferenciais, também com agravamento por esforços sísmicos, alguns pendurais tenham perdido o estado de tensão, levando à sobrecarga dos outros para alem da sua resistência, seguindo-se o colapso em cadeia (melhor fora as lajetas não estarem solidárias).
Facto já comprovado: não houve manutenção.
As inspeções visuais que foram feitas são insuficentes . As batidas com martelo como se vê nas fotos das inspeções realizadas a seguir ao acidente são também insuficientes. São necessárias inspeções com meios de radiografia e de deteção de corrosão por processo eletroquimicos (método iCorr).
Penso ser ainda aplicável o comentário de que o projeto de elementos metálicos associados a estruturas de betão armado deve ser mais prudente, precisamente pela exigencia de uma manutenção rigorosa.
Foi agora revelado que um acidente semelhante (corrosão de elementos de suspensão de tabuleiro no teto do túnel) ocorreu num túnel em Boston em 2006.
São conhecidas as dificuldades e custos elevados de manutenção de estruturas metálicas como as utilizadas no estádio do Benfica ou na estrutura sob a ponte 25 de Abril na margem norte.
No caso do metropolitano de Lisboa, julgo de chamar a atenção para os chumbadouros e pernos de fixação à parede de todo o mezanino da estação Baixa Chiado (sujeitos portatno ao corte, que será uma situação mais favorável, mas não isenta dos riscos da corrosão). No túnel do lado sul da mesma estação, há a assinalar a suspensão das condutas de ventilação do teto.
Todos estes elementos de fixação foram, para efeitos da receção definitiva em 2006, inspecionados conjuntamente pelo empreiteiro e pelo metropolitano, admitindo que nova inspeção, elemento a elemento de fixação, com determinação precisa do grau de corrosão entretanto verificado, deverá ser feita nunca depois de passados 10 anos.
Estas considerações serão também aplicáveis aos elementos de fixação da laje de proteção contra quedas de objetos sobre a via na estação Ameixoeira, e das chapas de reforço da abóbada do túnel adjacente ao túnel rodoviário da Av.Fontes Pereira de Melo.
Trata-se de ações de manutenção que não é necessário fazer todos os anos e que, por isso mesmo, estão associadas aos riscos de “esquecimento” ou perda da informação sobre os procedimentos corretos de manutenção.
O acidente do túnel de Sasago veio mostrar as possíveis consequências da omissão da manutenção.
Estes riscos agravam-se em épocas de crise, em que a tendência dos gestores será a de economizar em tarefas que não parecem urgentes.
Relembro, a propósito, entre outras necessidades de manutenção:
- a importância da realização periódica (10 anos) dos procedimentos de manutenção dos aparelhos de apoio dos tabuleiros dos viadutos, já realizados no caso dos viadutos de Olaias e do Campo Grande, com o escoramento dos tabuleiros para reparação ou substituição de aparelhos de apoio;
- idem para a medição periódica do estado de tensão das pregagens das fundações da estação Oriente
- o meritório funcionamento até ao presente do sistema de monitorização dos parâmetros geométricos do tunel doTerreiro do Paço, que permite medir continuamente as deformações que as aduelas vão sofrendo, e cuja permanencia se deseja.


2 –Um comentário ainda para o acidente no metro de Busan, na Coreia do Sul,  em novembro de 2012.

No seguimento da imobilização na galeria de um comboio por avaria, outro comboio foi evacuado na estação anterior, prosseguindo a marcha até ao comboio avariado para o empurrar. Trata-se de uma manobra de marcha à vista, em que os sistemas de proteção automática da velocidade (ATP) não têm condições para funcionar, em que a sinalização lateral está proibitiva, e em que a segurança do movimento reside apenas no maquinista.
No caso do acidente de Busan o comboio estava imobilizado a seguir a uma curva e o maquinista do comboio em movimento não conseguiu parar a tempo. Mesmo embatendo a uma velocidade reduzida, por exemplo 20 km/h, os efeitos sobre os passageiros que se encontravam dentro do comboio implicaram alguns ferimentos graves e a primeira carruagem embatida descarrilou.
Nas circunstancias anteriores ao acidente, não deve fazer-se avançar um comboio sobre outro sem que primeiro os passageiros tenham sido retirados e conduzidos até à próxima estação pelos caminhos de evacuação da galeria; só depois deverá o comboio proceder ao acoplamento.
Outra medida recomendada será, nos casos em que existe sistema ATP, reservar diariamente um período para circulação exclusivamente manual, para os maquinistas não perderem o treino.
Pode ainda especificar-se, no caso de aquisição de um sistema de proteção e condução automáticas, a possibilidade de aproximação com proteção automática a velocidade reduzida sobre outro comboio parado em qualquer ponto, embora não seja funcionalidade normal.
Por tudo isto, espera-se que o maquinista responsável não seja castigado de forma desproporcional.

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