sábado, 22 de dezembro de 2012

Falas de governantes – a distorção da linguagem sob pressão e o sintoma de diagnóstico fácil ao psiquiatra


Vamos ver se não sou mal interpretado.
Este blogue gosta de analisar as falas de governantes, gosta de tentar aplicar a semiótica e a psicologia e assim procurar interpretar a realidade.
O noticiário da RTP2 de dia 21 de Dezembro permite esses exercícios com alguma dimensão.
1 –“ tosque” - Primeiro, a propósito da pergunta de um deputado sobre as relações do senhor ministro Relvas com o processo de privatização da TAP, o senhor primeiro ministro dá mostras de súbita irritação e grita que essa insinuação não passava de uma “calunia tosque”.
Assim mesmo, “tosque”. Passando várias vezes as imagens da intervenção do senhor primeiro ministro distingue-se perfeitamente: “tosque”.
Aplicando o método das analogias e das associações de significados, como daquela vez em que o senhor ministro das finanças disse que “isto não precule aquilo”, pretendendo provavelmente dizer que “isto não preclui (exclui) aquilo”, põe-se desta vez a hipótese de que o senhor primeiro ministro, sob pressão da gravidade (no sentido literal) do conteúdo da pergunta, associou as duas palavras: “tôrpe” e “tôsca”, donde terá resultado “tôsque” (acentos para reproduzir a fonética).
Salvo melhor opinião, não deveria ter-se irritado nem adjetivado, porque na realidade as regras de contratação pública e as práticas tradicionais que regulam as relações com os candidatos a um negócio público são duras e incompatíveis com pressas, informalismos e secretismo; além de que é exigir demais a um senhor ministro que tenha conhecimentos suficientes de um negócio para o poder discutir com um interessado, isto é, são os técnicos que estão dentro dos assuntos; uma das maneiras de “afundar” uma entidade pública é aplicar os princípios do centralismo ou da decisão olímpica da tutela.
Quem escreve este modo estas linhas fá-lo porque teve alguns anos de experiencia em comissões de análise de concursos públicos.
Mas enfim, se o senhor primeiro ministro entendeu irritar-se, pense que apesar do programa do anterior governo e do memorando da troika regurgitar de privatizações, ainda há muitos cidadãos que dizem como eu: “não em meu nome”, e que tais decisões, pela sua gravidade, deveriam ser sujeitas a referendo ou aprovadas pelos representantes de pelo menos 75% dos eleitores.
2 – o ano da viragem económica – Depois, mais adiante, ao minuto 12 do noticiário, temos um grave incidente entre a senhora deputada de um partido de esquerda e o senhor primeiro ministro.
Grave porque mais uma vez o senhor primeiro ministro tem um lapso por se deixar emocionar, desta vez um lapso de memória, que no entanto revela a dificuldade de aceitar um facto que ponha em causa a justeza das suas convicções.
Grave não pelo facto em si (até podia suceder que apesar das quebras de consumo, no ultimo mês de 2012 o PIB cresça relativamente a novembro, o que poderia indiciar a “viragem económica”) mas porque o primeiro ministro nega uma afirmação dele próprio e porque apela à fé dos cidadãos sem fundamento em factos ao mesmo tempo que vai diferindo o momento da viragem económica.
Afirmação do 1ºministro em 21 de Dezembro de 2012 – “em 2014 nós teremos um ano de recuperação da atividade económica que começará a notar-se algures durante o ano de 2013 … os sacrifícios que estamos a fazer valerão a pena”.
Afirmação da deputada Heloisa Apolónio em 21 de Dezembro de 2012  – o senhor afirmou antes (em 6 de Janeiro de 2012) que em 2012 “vamos ter um ano de viragem económica para o país, é aquilo em que eu acredito firmemente” e que 2013 será o ano da retoma do crescimento
Afirmação do 1º ministro em 21 de Dezembro de 2012  – isso é uma falsidade, eu nunca disse isso em lado nenhum. Senhora deputada, não podemos dizer o que nos apetece sem sermos confrontados com a realidade
Entrevista do senhor primeiro ministro à TVI em 28 de Março de 2012 - "2012 é um ano critico porque o ajustamento orçamental ocorre este ano. É natural que a economia contraia ainda um pouco mais. A nossa previsão de recessão é de 3,3% e foi confirmada há pouco tempo. Não temos razão para pensar que a recessão será maior que isso", afirmou Passos Coelho. Este valor faz parte do Orçamento Retificativo que será aprovado amanhã em Conselho de Ministros. "A partir do último trimestre a economia vai crescer", disse, acrescentado que "no próximo ano haverá uma ligeira retoma da economia".
Conferência de imprensa em Lisboa em 11 de setembro de 2012 com o senhor ministro das finanças Vítor Gaspar sobre a quinta revisão do programa de assistência financeira -  o Governo e a 'troika' reviram em baixa as suas previsões macroeconómicas para 2013: em vez de um crescimento de 0,3 por cento, nova recessão com a economia a encolher 1 por cento. No entanto, acrescentou o ministro, «mantém-se a previsão de que a recuperação se dará em 2013». Ou seja, embora o PIB vá encolher em relação a este ano, o Governo espera que a tendência negativa comece a inverter-se. «Em termos trimestrais, o PIB começará a crescer já no segundo trimestre 2013», afirmou Gaspar.
Mais uma vez se afirma que o que está em causa não é o erro em si, é a recusa em o reconhecer, e é a evidencia de que o senhor primeiro ministro e o senhor ministro das finanças vão sucessivamente empurrando o horizonte de esperança sem conseguir mobilizar o país para politicas em que ele se reconheça e sem ouvir as propostas dos cidadãos.
A acreditar nas suas profissões de fé, suas e dos burocratas europeus, o objetivo é criar as condições ótimas para os grupos económicos e financeiros assumirem a parte mais lucrativa da atividade económica deste país, desde os grupos das seguradoras e da saúde até aos grupos das energias e transportadoras.
E nisso são eficazes, porque quanto ais enfraquecerem a economia deste país mais facilmente ela será assumida pelos grandes grupos.
Não haverá força para impedir isso, mas sempre poderá dizer-se “não em meu nome”.
Espero.





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