sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Não em meu nome - Hannah e o prato de lentilhas

Naquele tempo, havia uma extensa propriedade que era gerida alternadamente pelos dois filhos do proprietário que morrera.
Era estranho não terem sido seguidas as regras tradicionais das heranças, e era também estranho que a propriedade fosse dividida ao meio por um rio, tão extenso e largo como o Jordão.
Mas a estranheza era a principal carateristica daquela propriedade e dos seus habitantes.
Assim, ninguém achou ainda mais estranho que o irmão em funções de gestor logo após a morte do pai tivesse contratado, sem nada dizer ao outro irmão, um grupo de barqueiros para fazer a travessia do rio dos pastores e dos camponeses que trabalhavam dos dois lados do rio.
O gestor não teve de pagar nada quando fez o contrato, nada para os barcos, nada para os marinheiros, nada para os postos de atracação. Mas comprometeu-se a pagar um tanto ao grupo de barqueiros por cada pessoa que atravessassem. Tinha sido um grupo de sábios influentes próximo do governo na capital que tinha recomendado este tipo de negócio; e tão sábios que não se tinham esquecido de deixar gravado na pedra do contrato que, se não houvesse pessoas para atravessar, a propriedade pagaria à mesma a renda minima.
O outro irmão achou um pouco estranho, mas também ele se deixou convencer  pelo grupo de influentes, tanto assim que, ao chegar a vez dele na gestão da propriedade, fez negócios semelhantes para a construção dos caminhos da propriedade.
Entretanto, a sabedoria dos influentes vinha sendo posta em causa pelos carpinteiros e pedreiros da propriedade, que fizeram as contas e concluíram que se tivessem sido eles a construir os caminhos ou a comprar os barcos para a travessia do rio, os custos teriam sido metade.
O tempo continuou a correr e veio a vez do primeiro irmão na gestão da propriedade.
Zangado com as reclamações dos caseiros, camponeses e pastores, que alegavam não ter dinheiro para pagar o imposto, e pressionado pelo grupo de sábios influentes da capital, entendeu que devia alterar um pouco aquele tipo de negócios.
Mas em vez de combinar com os carpinteiros e pedreiros  da propriedade as obras necessárias, resolveu pedir ao grupo de sábios que lhe indicasse quem poderia tomar conta das estações de muda de cavalos e da construção de uma nova quando o numero de viajantes ultrapassasse um determinado valor, que ele não sabia bem qual deveria ser, mas que certamente os sábios e os amigos que eles propusessem saberiam, sempre no sentido que mais lhes conviesse.
E foi assim que os sábios propuseram e o irmão gestor aceitou outra vez o grupo dos barqueiros para explorar as estações de muda de cavalos. O irmão desta vez protestou porque o facto de vir novamente o grupo dos barqueiros era suspeito.
Mas o irmão gestor tinha uma na manga, previamente combinada com o grupo de sábios, que foi uma grande quantidade de lentilhas que o grupo de barqueiros ofereceu ao irmão gestor, que assim pôde atenuar o défice alimentar da propriedade.
Durante a festa que se seguiu à concretização do negócio, o irmão gestor nada disse que o tal numero de viajantes que ficou gravado na pedra, e que obrigava à construção de uma nova estação de muda, é impossível de atingir com as estações de muda existentes.
Mas isso não tem importância, quando se pensa que a rede de estações de muda tinha sido batizada com o nome da mulher do pai morto, Hannah, e tinha sido agora vendida por um prato, grande, mas prato, de lentilhas.

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