terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Meu país nem de ametade


Começo pela repartição da população por escalões etários segundo o censo de 2011:

Até aos 20 anos, cerca de 2,14 milhões de habitantes
Dos 20 aos 65 anos          6,41 milhões
Com mais de 65 anos       2,01 milhões
Total                                10,56 milhões

Podia tomar o escalão dos 20 aos 65 anos e ver como se reparte a população ativa, que estará concentrada neste escalão e perfaz 4,90 milhões, sendo que neste numero estão incluídos os desempregados na altura do censo, cerca de 540.000 (taxa de desemprego= 0,54x100/4,9 = 11,02%).
Podia explorar a informação do censo de que cerca de 16% de pessoas neste escalão sofrem de problemas de saúde prolongados e considerar que se trata de um sinal de alarme extremamente grave que extravasa o âmbito da medicina pública e é um problema económico e social relacionado com as deficientes condições de habitação, de alimentação, de educação e de trabalho.
Mas vou antes pelo lado da população não ativa, os reformados por velhice, repartidos segundo escalões das reformas mensais que recebem; o primeiro número é o número de pensionistas da Segurança Social e o segundo número é o número de aposentados pela CGA (função publica):

    218.092 +  57.017     recebem reformas inferiores a  250 euros por mês
1.188.160  +  38.394                     entre             250 e 500 euros
   155.943  + 131.118                    entre             500 e 1000 euros
     87.681  + 174.631                    entre           1000 e 2500 euros
     10.846  +   49.500                    entre            2500 e 5000 euros
          907  +     2.500          recebem mais de   5000 euros

Total de beneficiários:   1.661.629 pensionistas + 453.160 aposentados = 2.114.789     , isto é, mais 5% do que os habitantes com mais de 65 anos . Notar que pode haver acumulação de reformas e que as idades de reforma variam relativamente aos 65 anos, mas parecerá que não é um bom sinal de saúde pública.





Perante este quadro de valores, novos sinais de alarme deveriam ocupar o espaço da discussão diária nos meios de comunicação social.
Mais de 270.000 beneficiários recebem uma reforma inferior a 250 euros por mês (valor inferior ao de uma renda de casa).
Independentemente dessas pessoas durante a sua vida ativa terem ou não descontado para a segurança social, ou dessas pessoas nem sequer terem podido ter vida ativa como empregados por conta de outrem ou por conta própria, o valor da reforma é um indicador gritante de uma situação social grave.
Esta observação, juntamente com a de que existem quase 1,23 milhões de beneficiários (cerca de 58% do conjunto de pensionistas e aposentados, mas cerca de 71,5% dos pensionistas, devido ao conhecido nível de escolaridade mais elevado na função pública)  a receberem reformas entre 200 e 500 euros (perfazendo um montante de cerca de 32% do total das reformas pagas ao conjunto de pensionistas e aposentados, mas cerca de 56,8% do total das reformas pagas aos pensionistas), configuram um indicador de penúria económica para grande parte dos cidadãos, compatível com a ideia de que mais de  20% de portugueses vive na pobreza.
Trata-se não só de um problema social, mas também de um problema económico de deficiência produtiva de um país.

Era aqui que se deveria concentrar a discussão pública sobre as reformas de pensionistas e aposentados, para iniciar o progresso seguro no sentido da redução das desigualdades e da correção do que está na sua origem: a grave distorção no acesso à educação e a chaga escondida do insucesso escolar, com tudo o que tem por trás de incapacidade educacional e financeira da maioria dos encarregados de educação, e com todo o cortejo de consequências ao nível da criminalidade, da insegurança, da deficiência das condições de vida e da baixa produtividade.
Não são as populações as culpadas; nem a incapacidade atinge todos os setores produtivos; conheci muitos trabalhadores no metropolitano sem habilitações literárias de base que se foram formando ao longo da vida profissional e exerciam bem funções tecnológicas complicadas; pelo país fora vê-se o esforço rentável de trabalhadores desde a auto-Europa aos têxteis e calçado do Norte, à metaomecânica, aos moldes.
Mas os indicadores estatísticos ferem.
É um problema de organização social dependente do poder politico , do poder económico e do poder financeiro, numa altura em que a troika acha que os rendimentos em Portugal se devem nivelar por baixo, pelos países europeus de menor rendimento. Isto é, internacionalmente determinou-se que o valor do que se produz em Portugal é ainda mais baixo do que aquele que pensávamos.
Era isto que se devia defender junto das instancias internacionais: que as diretivas europeias são para cumprir, mas que o valor do trabalho dos cidadãos prevalece sobre elas.
E o tempo vai passando, sem que ao fim de cada dia se veja algum progresso na luta contra as desigualdades, ao menos numa tentativa participada de melhorar a organização social e produtiva, através da criação de empregos que incluam mão de obra com recurso aos fundos QREN (propostas prementes, exigindo o arranque dos projetos: reabilitação urbana, reativação do 3º eixo prioritário de ligação ferroviária à Europa, expansão de centrais elétricas de energia renovável, nomeadamente central solar térmica de sais fundidos) .
Mas o governo enche a boca com as virtualidades das “reformas estruturais” que no futuro darão retorno.
O que os economistas chamam “estrutural” é apenas uma forma de através da legislação laboral se consolidar a redução do fator trabalho nos custos de produção. Não é a harmonização fiscal e produtiva, e muito menos bancária e económica, de que a Europa Unida precisa.

Por isso o meu país nem de ametade é.
A China chamava-se império do meio porque a China estava no centro e os outros países à sua volta.
No  meu país as estatísticas não conseguem muitas vezes traduzir toda a realidade. A fuga à estatística é grande, e a economia paralela, de subsistência por trocas ou por trabalho não declarado, pode atingir valores da ordem de 40%.
Mas os indicadores existentes denunciam claramente a insuficiência da organização social e o excesso de desigualdades.



56,12% dos agregados familiares portugueses apenas conseguem liquidar 22,5% do rendimento bruto do IRS, sendo que cerca de 40% dos agregados não tem rendimentos suficientes para a liquidação (pelo menos declarados, subsistindo com a economia paralela).
Por isso digo, por metade da população pagar menos de metade do rendimento bruto do IRS, que o meu país nem de ametade consegue ser.

E como diz Rafael Correa, presidente do Equador, esta é “a longa noite neo-liberal”, da qual se espera sair um dia.



Referencias:

                     - PORDATA
                     - INE/ Censo 2011


PS em 26 de dezembro - Devo esclarecer que:
-  os numeros que retirei da PORDATA são de 2010 e 2011, estando a situação a agravar-se em termos de desigualdades.
- A palavra ametade é um vernáculo português com o mesmo significado de metade.
- Citando agora o livrinho da Fundação Francisco Manuel dos Santos (ainda se encontram pérolas no meio dos grandes supermercados) de Elísio Estanque: "A classe média, ascensão e declinio" na página 36, o que se desejaria era a aproximação da distribuição populacional dos rendimentos da forma de losango em pé segundo  diagonal vertical, e a  concentração no diagonal horizontal, estando em ordenadas os rendimentos per capita e em abcissas a dimensão do escalão populacional. Trata-se do modelo de representação normalizado do International Social Survey Programme (existe mesmo, ver  http://en.wikipedia.org/wiki/International_Social_Survey_Programme  ). Receia-se que a representação em Portugal se aproxime duma piramide de grande base e muito estreitinha para cima. A referancia do texto aos 50% não era portanto, era pareça, a reivindicação de que 50% do rendimento fosse obtido por 50% de cidadãos, embora isso fosse o ideal.























































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