quarta-feira, 10 de abril de 2013

Doutores em economia e comentadores




Choca-me a dificuldade que temos em nos organizarmos.
Pessoas lúcidas que desempenham cargos de visibilidade mediática por vezes tocam na essência das questões e das suas soluções, mas escapa-nos, num instante nos esquecemos do que foi dito e subsiste a nossa dificuldade de trabalhar em equipa.

Uma hipótese é a deficiente estrutura da língua portuguesa em termos de capacidade de suporte de informação inequívoca, a dificuldade em fazer-se compreendida umamensagem (quando se diz que o presidente sancionou quer dizer-se que castigou ou aprovou? quando se diz que o primeiro ministro relevou quer  dizer-se que salientou ou que apagou? porque “pois sim” significa o mesmo que “pois não”? porque não se pode dizer “mais grande”?) .

Outra hipótese é a insegurança crónica de um povo habituado ao longo da sua história à maior das desigualdades, do fausto dos reis da pimenta no Terreiro do Paço à morte pela peste negra nas piores condições de miséria e abandono? do cultivo mais elegante e profundo da palavra de Camões e Fernando Pessoa à permanência da maioria do povo no analfabetismo até ao século XX? E que assim deixa espaço aos yupis intelectuais arrogantes e convencidos que definem as regras que devem ser seguidas.

Pessoas lúcidas já dizem que a força económica de grandes grupos devia ser compensada por cooperativas que ganhassem economia de escala para que as pequenas empresas suas sócias possam competir (cooperativa: 1 voz=1 voto, independentemente do numero de ações).

Pessoas lúcidas  tentam organizar a opinião pública em estruturas intervenientes (não este escriba, incapaz de mobilizar seja quem for).

Pessoas lúcidas pedem a reforma das regras eleitorais, mas as elites que se arrogam a representação da população sobrepõem a sua vontade de querer tudo para o mais votado, a pretexto de facilitar a “governabilidade” (e a prepotência de não ouvir as minorias, também), quando o que se pretendia era dinamizar a participação de todos.

Pessoas lúcidas tentam que o debate dos cidadãos comece ao nível das freguesias e que a opinião dos cidadãos seja canalizada até aos níveis superiores a partir daí. Mas as elites dirigentes e decisórias não querem.

E contudo, não foram as populações que trabalham no seu quotidiano que conduziram as coisas ao estado em que estão.
Foram as elites dirigentes.
Tampouco quem trabalha foi responsável pela crise internacional que se reflete na recessão europeia.

Por isso me chocam a segurança e as certezas dos académicos das faculdades de economia que pregam a cartilha neoliberal da redução do Estado Social.
Ouvi um comentador, ofendido com a reprovação do Tribunal Constitucional, dizer perante as câmaras da TV que o défice é do Estado e que é ele, cortando nos funcionários públicos e nos serviços, que tem de pagar.

Isto num país em que dívida privada ombreia com a dívida pública e em que as elites dirigentes se opõem à auditoria esclarecedora às dívidas para se saber  a quem se deve, avaliar a legitimidade da dívida e a hierarquização do seu pagamento.

Isto num pais em que os académicos se contentam com as estatísticas oficiais disponíveis e ignoram a economia paralela, a de subsistência, a de importação escondida e as isenções de IMI de grandes grupos imobiliários.

Falam portanto com base em valores de PIB, de taxa de desemprego e de importações e exportações que oferecem sérias reservas.
Mas os dirigentes, quer do governo, quer da troika, tudo resolvem com base nesses dados pouco fiáveis.

Por isso falhamos, por não nos organizarmos para esclarecer o valor do que produzimos e para produzir de forma mais eficiente, por não planearmos, por não fazermos planos de transição e adaptação.

Que fazer? como perguntava Lenine, não o senhor professor.
Claro que não devemos querer fazer o que ele, Lenine fez, porque a tecnologia evoluiu decisivamente depois dele (isto sou eu a desabafar, não é o senhor professor; perdoe-se-me o neomarxismo da análise). 
É que neste momento não são precisas correias de transmissão para distribuir a energia mecanica do veio do teto da oficina aos tornos de bancada. 
A ciência política e a de gestão dispõem hoje de mecanismos teleinformáticos de distribuição de inteligência (daí a alusão à raiz dos debates de cidadania ao nível das freguesias) que dispensam a existência de centralismo, a existência de messias num governo que tudo decide. 
Nada impede, nem a nossa instintiva tendencia para  a desorganização, que os governos sejam multi partidários de acordo com as regras da proporcionalidade, incluindo técnicos não dependentes de grupos económicos, de grupos financeiros ou de lóbis de escritórios de consultores e de advogados. 
Não há necessidade hoje de governos que se voltam para a imprensa e dizem: o governo está a estudar esse assunto e depois informará quando tiver o assunto estudado (com mais verdade diria que o governo contratou consultores em quem tem confiança para que eles estudem da forma que lhe agrada, ao governo, a questão).
Não brinco, esta é a tática usada pelo senhor secretário dos transportes quando fala sobre as concessões do metro e da Carris, ou pelo senhor ministro da defesa quando fala dos ofendidos estaleiros de Viana do Castelo, ou pelo senhor ministro da Economia quando fala dos hotéis que são contrapartida dos submarinos ou não são, sabe-se lá se são ou não, ou quando o governo fala da privatização dos CTT ou da RTP.
Ou nem sequer é a tática, quando não fala sobre a taxa sobre as transações financeiras ou sobre o jogo pela internet.

Que fazer, então?
É essencial que se discutam as coisas com conhecimento de causa e não com base no critério carismático da perceção pela população.
As coisas são o que são e as soluções devem ser determinadas pela análise técnica e não pela capacidade de exposição dos comunicadores.
As coisas funcionarão melhor se deixarmos os técnicos em cada área de atividade responder às perguntas do questionário simples: que soluções têm para melhorar a eficiência do seu trabalho? Não foi isso que fez o senhor ministro da saúde, apesar de obrigado a cortes cegos e desumanos? Porque não fazem os outros senhores ministros o mesmo? (na área dos transportes posso garantir que os governantes só querem ouvir áreas restritas de atividade, gostam muito de se socorrer de consultores para os quais não têm conhecimentos técnicos para avaliarem a sua competência, e que não gostam nada de ouvir a opinião dos simples técnicos).

Continuo a pensar que o chefe da esquadra de policia do filme “O ovo da serpente” de Ingmar Bergman, cuja ação decorre enquanto germina o fascismo alemão na cultura de inflação (ou 8 ou 80, para fugir à inflação afundamo-nos agora na deflação) tinha razão: “só quero que cada um faça o seu trabalho, o senhor é trapezista, faça  o seu trabalho; a economia precisa disso” (o que não impede obviamente o debate politico e social, mas exercer a profissão é essencial isto é, não pode haver tanto desemprego; devia ser este o centro do debate, e não é).

O senhor professor universitário de economia, muito apreciado pelos livros que escreve, defende na entrevista de grandes audiências a austeridade.
Que tem a grande vantagem de reduzir o consumo e assim aumentar a poupança, e quanto mais austeridade mais deviam cair os preços da energia, das telecomunicações, das matérias primas e das PPP.
Que os preços não estão a cair o suficiente (Hayeck e Friedmann não diriam melhor).

Perigoso pensar assim, faz lembrar o critério de realimentação: retiramos da saída do quadripolo uma amostra que aplicamos à entrada para aumentar a saída e por aí vamos.
Mas o senhor professor faz um ar zangado quando nega a espiral recessiva de que a entrevistadora lhe lembra os sintomas evidentes, chama a isso um jogo de palavras, e cita estudos de outros académicos que insistem que a austeridade não provoca recessão a prazo de 2 anos.

E explica a origem de todos os males: a baixa produtividade em Portugal, que cada trabalhador tem uma produtividade média de 17€/hora, quando na Irlanda é 50€/hora, em Espanha 30€/hora, na Alemanha 42€/hora e na Noruega 70€/hora.
A entrevistadora faz uma cara surpreendida e triste e pergunta como pode ser e o que é isso de produtividade “para que as pessoas lá em casa possam perceber” (esta ideia que as pessoas não percebem…) .
O senhor professor alegre e professoralmente explica que é por isso que os salários em Portugal são menos de metade dos paises ricos (na verdade, foi a primeira declaração da troika: os salários vão ter de baixar para adaptar o consumo à produção).

Transcrevo, sic:
“O nosso consumo é muito exagerado em relação à nossa produtividade…
É muito fácil explicar o que é a produtividade.
Há um produto que é produzido e é vendido; retiramos dessa venda os “inputs”, isto é, as matérias que foram compradas, a energia, etc. (o rosto da entrevistadora denotava surpresa e dúvida) e fica o resto, ou seja o dinheiro para salários, lucros e impostos, aquilo que se chama no jargão da economia, o valor acrescentado.
 Resumindo, é o preço de venda do produto menos as matérias-primas mais os gastos com os produtos incorporados. No fundo é aquilo que resta  para poder distribuir em salário lucros e impostos. “

E pronto, assim se explica à população, na qual estão incluídos os improdutivos, o quão grave é a improdutividade deles, especialmente quando comparada com a elevada produtividade dos professores universitários de economia.

Permito-me comentar:
O cálculo de 17€/hora consiste, parece-me, na divisão do PIB pela população ativa e da divisão do resultado deste quociente pelo número de horas de trabalho por ano.
Ora, como se disse acima, as estatísticas em Portugal são pouco fiáveis, e a culpa nem é do INE.
Há dúvidas sobre a dimensão da população ativa, há dúvidas sobre o volume da economia paralela que escapa aos registos, há dúvidas sobre o verdadeiro valor daquilo que se produz, se traduz um preço de mercado internacional ou se é um preço imposto artificialmente por prática escondida de damping (basta o governo chinês subsidiar ou facilitar instalações aos seus empresários, ou estimular a sobreprodução para chegar a preços marginais mais baixos, ou fechar os olhos à exportação clandestina de contentores, para que os preços sejam impossíveis de sustentar).
Isto é, o valor acrescentado por hora é mesmo 17€?
Não valerá mais?
Não?
Então porque valem mais os acrescentados de Espanha? por trabalharem mais depressa e melhor?
(Na verdade, parece-me que o senhor professor teria respondido melhor à senhora entrevistadora se tivesse dito que a produtividade é um quociente, e que no numerador está a quantidade produzida, ou o valor acrescentado, e no denominador está o meio ou fator de produção.
Aquele valor de 17€/hora é o produto anual por hora e per capita).
A produtividade pode medir-se em produto por numero de trabalhadores, por unidade de energia, por quantidade de matéria prima, por exemplo no caso de uma empresa de transportes, a produtividade pode medir-se pela quantidade de produto, isto é, de passageiros.km transportados, a dividir pelo número de trabalhadores, ou a dividir pela energia consumida por toda a empresa.

O conceito de produtividade é indissociável do conceito de quociente, é uma taxa, uma relação e não vejo os senhores economistas preocupados em que as pessoas discutam nessa base.
E se discutirem nessa base, conviria que atendessem a quem tem experiencia real, não apenas de gabinete.

Segundo um fabricante português de componentes para máquinas de café, que montou uma fábrica  na Alemanha com 90 trabalhadores, teve necessidade, quando transferiu a sua empresa para Portugal, de dimensionar a sua fábrica para  a mesma produção mas para 120 trabalhadores.
Efetivamente a produção manteve-se, mas a produtividade pessoal baixou (o mesmo não aconteceu com outros fatores de produção como o fabrico de moldes para os componentes, de que felizmente Portugal dispõe de boas condições).
Esse empresário explicava que não tinha preocupações com a menor produtividade pessoal, porque atingia os objetivos físicos, e que qualquer empresário devia contar sempre com isso, pelo menos enquanto se mantivessem as condições desfavoráveis que contribuíam para a baixa produtividade, desde carências de formação a todos os níveis, dificuldades sociais (creches, transporte escolar), pequena dimensão do mercado, dificuldades de transporte, de financiamento, impostos…

Infelizmente, só se vêem governantes e teóricos de organização que o que é preciso é despedir para melhorar os rácios (na verdade, o rendimento energético de um avião aumenta quando o número de reatores diminui, mas o A380 precisa de 4 reatores, não pode despedir nenhum; isto é, o rendimento do conjunto destes 4 reatores é superior ao do conjunto de 8 reatores de metade da potencia unitária; mais uma vez, cada caso é um caso que deve ser estudado).

Ainda bem que o senhor professor entrevistado soube apontar a principal causa da baixa produtividade em Portugal: a baixa intensidade capitalistica, isto é, o baixo nível do capital, dos ativos, dos meios de produção, equipamentos, software, instalações, tudo o que é necessário para que o trabalhador produza.
Mais uma relação, neste caso de 93.000€/trabalhador em Portugal, para uma média de 195.000€/trabalhador na Europa, e que ilustra o mau destino dado ao financiamento em Portugal: virado para bens e serviços não transacionáveis.

E sugere o reforço da dimensão das empresas (não disse, porque o senhor professor defende a lógica da selva de Darwin, que as pequenas empresas devem morrer para que as fortes triunfem, que é bom a austeridade e a crise selecionarem as empresas, mas eu diria que este é um plano estratégico ideal para desenvolver novamente as cooperativas, para ganhar dimensão, agrupando pequenas empresas).

Finalmente, o senhor professor apresentou a sua visão para os cortes na despesa do Estado, que tem de passar dos atuais 46% do PIB para 40% (que era o nível relativo há 15 anos) em 3 anos, o que dá aproximadamente um corte de 10.000 milhões de euros em 3 anos.
Ora, havia uma maneira de não fazer corte nenhum.
Bastava aumentar o PIB de 15% = ((0,46/0,40) – 1) x 100%
Eu sei que é utópico, mas citando José Torres no México, deixem-me sonhar, com um governo inclusivo, sem este primeiro ministro e sem este ministro das finanças, mesmo com este quadro eleitoral, desde que representando todas as sensibilidades.

Referencia: programa Olhos nos Olhos na TVI24 de 1 de abril de 2013 com Judite de Sousa, Medina Carreira e o convidado Avelino de Jesus


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