Exmo Senhor Secretário de Estado
da Mobilidade
Em 17 de setembro de 2018
entreguei pessoalmente no Ministério do Ambiente uma carta para o senhor Secretário
de Estado Adjunto e do Ambiente, contendo a argumentação técnica contra a linha
circular e o EIA que a aprovara. Anexo ao presente email o texto dessa carta.
Tomo a liberdade agora de me
dirigir a V.Exa na sequencia da sua participação na sessão de encerramento da
conferencia na Ordem dos Engenheiros sobre planeamento estratégico da mobilidade
urbana na AML em 12 de fevereiro de 2020.
Na impossibilidade de V.Exa
assistir a toda a conferencia, teria tido muito interesse a sua participação no
debate que se seguiu às intervenções dos oradores, ainda assim encurtado por
motivo da sua comunicação. Debate esse em que todos concordaram na
complementaridade dos modos de transporte e no debate participado do seu
planeamento.
Justifico a minha afirmação acima
pelo contraste entre o que se ouviu no inicio da conferencia e o que se ouviu
no encerramento. Logo no inicio, foi claramente expressa a incomodidade com a
sistemática desconsideração que é feita no País aos pareceres da Ordem dos
Engenheiros e dos engenheiros em geral.
A desvalorização da profissão, a
rarefação dos profissionais experientes, não apenas em lugares de decisão, a
dificuldade de transmissão da experiência aos novos técnicos, as dificuldades
de recrutamento, tudo associado às limitações financeiras, constituem uma
situação muito grave para o País e que é uma ameaça para o seu futuro.
Contudo, a sessão de encerramento
terminou com esta afirmação de V.Exa: “naturalmente que a Ordem dos Engenheiros
e os seus membros continuarão a participar ativamente com o governo” nos
grandes empreendimentos.
Verificou-se pois uma dissonância
que não foi possível, mas que seria desejável esclarecer.
O seu comentário sobre a resolução
da AR de suspensão da linha circular do metro, que classificou como
“incompreensível, lamentável e inexplicável” justifica também a evocação da
minha carta para o anterior SEAAmbiente.
Como ex técnico no metropolitano
de lisboa, onde desempenhei funções de integração das disciplinas ferroviárias
nas extensões, na preparação dos respetivos processos de licenciamento e nos
contactos com redes homólogas na disciplina de sistemas de segurança da
circulação, dei parecer negativo ao plano de 2009 justamente quando cessei a
minha atividade profissional no metro em 2010.
Foi por isso com preocupação que
nos fins de 2016, verifiquei que o XXI governo ia represtinar, não o mapa das
expansões (que a seu tempo merecera o acordo das autarquias, pese embora não
ter sido sujeito a consulta pública), mas apenas a linha circular.
Por imperativo deontológico,
tenho vindo a divulgar as razões de ordem técnica que contraditam o projeto da
linha circular. Recordo a assembleia municipal de 16 de maio de 2017 de que há
registo vídeo, com a presença do senhor presidente da CML, várias sessões na
sociedade de geografia, em juntas de freguesia, em associações de moradores e
na Ordem dos Engenheiros, esta em 3 de abril de 2018 com encerramento, embora
sem participação no debate, pelo senhor secretário de Estado adjunto e do
Ambiente.
Participei ainda, enumerando as
contraindicações do projeto da linha circular e das inconformidades do EIA, na
sessão de esclarecimento e na consulta pública relativa ao EIA e aditamento, em
31 de julho e agosto de 2018.
Do exposto se conclui que não
pode afirmar-se desconhecimento dessas
contraindicações por parte das entidades decisoras e executivas.
Outra coisa é, evidentemente, a
avaliação se elas são ou não válidas.
Disse V.Exa na Ordem dos
Engenheiros que o governo não pode duvidar da competência dos consultores que
elaboraram os estudos de viabilidade, nem dos autores do EIA, nem dos próprios
técnicos do metropolitano (mais concretamente da FERCONSULT) que elaboraram o
anteprojeto (o projeto de execução é feito pelo empreiteiro).
Permito-me manifestar
discordância dessa forma de colocar o problema, porque isso significaria que o
governo duvida da minha competência de 37 anos de experiência profissional em
sistemas de segurança da circulação, na coordenação da integração das
disciplinas ferroviárias nos novos troços e na preparação dos processos de
licenciamento para colocação em serviço.
Dito de outra forma, ninguém
afirmou que as entidades referidas são incompetentes por o projeto da linha
circular conter inconformidades, o que, parecendo uma contraindicação, tem a
justificação que a seguir exponho.
O consultor que executou o estudo
de viabilidade, e que efetivamente é conceituado, como V.Exa referiu e cuja
avaliação eu partilho, executou, dentre as possibilidades do mapa de 2009, a
análise comparativa entre as alternativas que o contratante lhe propôs. E a
conclusão está certa, pela simples razão de que as variantes comparadas não são
funcionalmente equivalentes. Enquanto a linha circular tem a valencia da
correspondência com a linha de Cascais, o prolongamento de S.Sebastião para
Campo de Ourique não a tem, sendo certo que a correspondência com a linha de
Cascais é apresentada no EIA como um fator relevante para a justificação da
linha circular.
Anoto que, a já ter sido aprovado
pela CE um cofinanciamento para a construção da linha circular, o que de acordo
com as regras da UE exige a apresentação de uma análise comparativa de custos
benefícios, dificilmente os técnicos da CE poderiam detetar, pela sua especificidade, esta inconformidade,
que aliás não é a única em todo o processo, externamente ao consultor.
Relativamente ao EIA, não é
possível acusar ninguém de incompetência técnica, no âmbito da engenharia de
seleção de traçados e de manutenção e operação de redes de metro, porque,
conforme explicitado no EIA, estes não foram tomados como fatores relevantes no
estudo. Isto é, são critérios acessórios na análise multicritério
preferentemente do âmbito ambiental. Por exemplo, para avaliação da linha
circular foram tidos em conta como fatores relevantes a complexidade técnica e
as dificuldades devidas às caraterísticas geológicas e hidrológicas, mas não
foram analisadas, numa perspetiva mais técnica, as vantagens e desvantagens do
previsto método de escavação NATM quando comparado com a tuneladora (método
TBM).
De modo idêntico, não foram considerados
relevantes fatores como a fiabilidade da operação da linha circular, que,
contudo, se repercutirão na utilização diária pelos passageiros sempre que
existirem as perturbações próprias das linhas circulares, que aliás motivaram a
transformação da linha circular de Londres em linha em laço ou espiral, em
2009. Ainda aqui não há que considerar
como incompetência a simples consequência da ausência de experiencia real na gestão
da operação de uma rede de metro.
Pessoalmente, considero a não obrigatoriedade
da relevância, deste tipo de fatores técnicos, uma limitação das regras em vigor, mas são de
facto as regras e nada têm que ver com a competência técnica em, repito,
engenharia de seleção de traçados, manutenção e operação de redes de metro.
Não foram portanto postos em
causa os relatórios dos consultores, mas sim os pressupostos, no fundo e
natureza política e não técnica.
Há porém uma inconformidade que
foi devidamente destacada na minha participação na consulta pública e que não
terá sido atendida por motivos formais. Trata-se da omissão pelo EIA do mapa de
expansões das redes de transportes ferroviários da área metropolitana de Lisboa
que constava do PROTAML de 2002 que, por
não terem sido validadas as revisões de 2008 e 2012, se encontra em vigor.
Nesse PROTAML, para além de
recordatória que ao nível do planeamento numa área metropolitana a escala
mínima a considerar é de 10 km (o que evidentemente não é o caso da linha
circular), está prevista a expansão do metro de Rato para Alcântara e uma linha
circular externa, em metro ligeiro de superfície Algés-Damaia-Loures-Sacavém.
Acresce que o PAMUS (plano de ação para mobilidade urbana sustentável, um
requisito da CE) de fevereiro de 2016, elaborado para a AML por um consultor
igualmente conceituado, não refere o projeto da linha circular.
Esta é uma circunstancia de
alguma gravidade, uma vez que é a avaliação do EIA pela APA que valida um
projeto e a conclusão do EIA não está conforme.
Isto mesmo está desenvolvido num processo
de denuncia entregue na PGR no gabinete de interesses difusos. Seria
interessante, numa altura em que o próprio governo apela à avaliação de
constitucionalidade do exercício pela AR da sua função fiscalizadora do
governo, em que pé estará esse processo de denuncia.
Quanto à valia dos engenheiros
projetistas de traçados e de construção civil da FERCONSULT, devo esclarecer
que não está também em causa e não há nenhuma inconformidade deontológica. O
que sempre afirmei foi que os colegas que deram forma às orientações superiores
não tiveram experiência profissional nas especialidades de manutenção e da
operação de redes de metro, e por isso não podem ser acusados de cometerem
erros no âmbito dessas especialidades. Aliás, se pudesse ouvir alguns deles sem
receio de consequencias, dir-lhe-iam que estão a trabalhar num projeto em que não
se reconhecem.
Por várias vezes, ao longo do
tempo, fui consultado sobre questões específicas dessas especialidades nos
processos que a FERCONSULT mantinha no estrangeiro, além naturalmente dos
contactos institucionais que mantivemos durante os processos preparatórios e
construtivos das expansões do metro. Caricaturando, não podemos criticar por
erro de diagnóstico de ortopedia um médico gastroenterologista e, muito menos,
um gestor de hospital economista, nem um
ministro da saúde.
Finalmente, parecendo consensual
a inclusão da expansão do metropolitano no PNI 2030 e a orientação do governo
no sentido de transferir para a AML, aliás a exemplo do que está ocorrendo na
área metropolitana do Porto, a decisão sobre os planos de expansão, em
articulação com a empresa operadora, questiono-me se não seria curial ouvir o
que a AML enquanto conjunto de 18 câmaras terá a dizer sobre o que fazer com a
linha circular.
Estou ao dispor de V.Exa, assim
como os meus colegas reformados do metro, para prestar esclarecimentos
adicionais, no espírito das disposições constitucionais relativas à
participação transparente e ativa dos cidadãos na coisa pública.
Com os melhores cumprimentos
Fernando Santos e Silva
BI 1453978
Tlm 966 922 525
ANEXO
Exmo Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Ambiente
Sou engenheiro eletrotécnico com o grau de
especialista em Transportes na Ordem dos Engenheiros e reformado depois de
atividade profissional de 37 anos no Metropolitano de Lisboa. Aí desempenhei
funções de manutenção de sistemas de telecomunicações e de sinalização e ATP
(Automatic Train Protection) e de diretor de engenharia e desenvolvimento de
infraestruturas.
Tive como responsabilidade, durante a execução das
ampliações da rede, a ligação entre os colegas da direção das obras de construção
e as disciplinas ferroviárias (via férrea, energia, telecomunicações,
sinalização) e a coordenação dos ensaios e colocações em serviço. Assegurei
ainda a participação do metro no subcomité da UITP de instalações de segurança,
em contacto com colegas homólogos de vários metropolitanos.
Faço parte de um grupo de técnicos já reformados
que reprovam a proposta linha circular do metropolitano com base na experiência
própria e nos contactos com redes estrangeiras.
Mesmo ao nível dos técnicos no ativo, o parecer
predominante é contrário à solução proposta que deriva do mapa de 2009.
Este mapa encerra, à luz dos critérios de
exploração e manutenção de redes, vários erros de projeto, de que destaco:
- inserção de 2 (ou 3) novas estações, o que
aumentará o consumo de energia e reduzirá a eficiência energética devido aos
arranques adicionais
- inserção de várias bifurcações, contribuindo para
a redução do índice de fiabilidade e disponibilidade
- vários troços com declives e curvas acentuados,
contribuindo para consumos de energia e desgaste de materiais adicionais (de
que é exemplo a ligação Rato-Cais do Sodré)
- linha circular, que tem justificação numa rede de
metro quando é intersetada por número razoável de radiais de ligação ao centro
e quando o seu diâmetro é significativo (o que não é o caso de Lisboa em ambas
as condições, como se pode confirmar na relação de metros com linhas circulares
fechadas que circula na internet).
Infelizmente, na preparação do referido mapa não
foram cumpridos os procedimentos institucionais de auscultação das áreas de
operação e de manutenção do metropolitano que assim não puderam dar o parecer
negativo.
Do mesmo modo, foi objeto de uma decisão interna a
atribuição da prioridade à construção da linha circular, com a intervenção
agressiva do ambiente nos viadutos do Campo Grande (refira-se a quebra do
conjunto do ponto de vista da arquitetura urbanística, a exigência de monitorização
rigorosa ao longo da vida útil da ligação entre os troços novos e os antigos
dos viadutos atendendo a que se trata de tabuleiros pré-esforçados, a
incomodidade para os passageiros e a limitação de velocidade resultantes da
inserção de 4 aparelhos de mudança de via e 2 aparelhos de dilatação no troço
existente entre o túnel da Cidade Universitária e os cais norte da estação
Campo Grande, já de si com curvas e gradiantes acentuados).
O processo de imposição da linha circular, numa
altura em que o metro de Londres transformou a sua linha circular em linha em
laço para melhoria das condições de exploração, constituiu assim um exemplo
“top-down” sem atender às competências da estrutura técnica, e num contexto de
prevalência da filiação partidária nas hierarquias decisórias.
Por outras palavras, num assunto da importância estratégica
da expansão da rede do metropolitano, nem foram cumpridos os procedimentos de
consulta pública, nem foi considerado um planeamento estratégico da rede de
transportes da área metropolitana de Lisboa (recordo a proposta não aprovada em
2003 da circular externa em metro de superfície de Algés a Loures e Sacavém).
Esta a razão por que, apesar do EIA recentemente
sujeito a consulta pública formalmente ser um trabalho credível, ele está
ferido da inconformidade de se basear num plano de expansão não sujeito a
consulta pública, pelo que só podemos propor a classificação de desfavorável e
a submissão do mapa de 2009 a parecer do Conselho Superior de Obras Públicas.
Devo informar que tendo sido reformado em dezembro
de 2010, deixei duas análises negativas relativamente à linha circular,
constantes das seguintes ligações:
·
Sugestões ao metropolitano, 2010 (ver págs
18-21):
·
Expansão do metropolitano:
Igualmente, depois do anúncio em fins de 2016 da
retomada do projeto da linha circular, o grupo de que faço parte desenvolveu
esforços no sentido de informar os decisores, do Metropolitano à tutela, dos
erros e inconvenientes do traçado, colaborando em iniciativas públicas de que
destaco sessão na Sociedade de Geografia de março de 2017, a assembleia
municipal de maio de 2017 e a sessão na Ordem dos Engenheiros de abril de 2018
.
Parecendo inúteis os nossos esforços, configurando
o desprezo pela experiência profissional de quem os desenvolveu, permanecendo
sem resposta sucessivos pedidos de audiência a V.Exa ou a um vosso assessor,
resta-nos invocar a circunstância de que a classificação do EIA é de vossa
responsabilidade e que gostaríamos de apresentar pessoalmente a argumentação
que utilizámos na nossa participação na consulta pública.
Compreendemos os constrangimentos da presente
situação, que ilustra bem o paradoxo dos técnicos que exercem funções
políticas: até que ponto pode um critério político sobrepor-se a um critério
técnico quando desde a antiguidade pré-histórica a técnica existe para o bem
estar da comunidade, coisa de que os políticos também se arrogam, nem sempre
com razão, sendo que pelas leis da Física mais cedo ou mais tarde o desprezo
pelos critérios técnicos se manifesta com prejuízo coletivo.
Compreendemos também que a solução anteriormente
defendida de prolongamento da rede até Alcântara se defronta com questões
ligadas ao imobiliário e à reorganização urbanística da zona. O objetivo de
correspondência com a linha de Cascais está assim dificultado por um plano de
urbanização (PUA) que enferma da pretensão de enterramento de uma nova estação
da linha de Cascais e de duas estações de metro, quando a solução correta do
ponto de vista de traçados e da geologia é a travessia do vale de Alcântara em
viadutos para redução dos consumos de energia e dos custos construtivos.
Em alternativa, por ser razoável atribuir
prioridade à correspondência com a linha de Cascais à entrada da cidade, é de considerar
o prolongamento até Algés, com um interface intermodal e construção de modo
faseado (recordo o conceito de “corredor progressivo” do metro de S.Paulo
subordinado às disponibilidades financeiras), evitando numa primeira fase os
custos de construção das estações intermédias.
Tomo ainda a liberdade de deixar as seguintes
ligações, onde poderá encontrar a nossa argumentação técnica.
·
Parecer
sobre o EIA
Com os melhores cumprimentos e votos de sucesso
pessoal
Lisboa, 17 de setembro de 2018
Fernando Carvalho Santos e Silva
BI 1453 978
Tlm 966 922 525
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