sexta-feira, 6 de março de 2020

Email para o senhor Secretário de Estado da Mobilidade

Email enviado através do sistema de contacto do Ministério do Ambiente ao senhor Secretário de Estado da Mobilidade em 6mar2020  


Exmo Senhor Secretário de Estado da Mobilidade

Em 17 de setembro de 2018 entreguei pessoalmente no Ministério do Ambiente uma carta para o senhor Secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, contendo a argumentação técnica contra a linha circular e o EIA que a aprovara. Anexo ao presente email o texto dessa carta.
Tomo a liberdade agora de me dirigir a V.Exa na sequencia da sua participação na sessão de encerramento da conferencia na Ordem dos Engenheiros sobre planeamento estratégico da mobilidade urbana na AML em 12 de fevereiro de 2020.
Na impossibilidade de V.Exa assistir a toda a conferencia, teria tido muito interesse a sua participação no debate que se seguiu às intervenções dos oradores, ainda assim encurtado por motivo da sua comunicação. Debate esse em que todos concordaram na complementaridade dos modos de transporte e no debate participado do seu planeamento.
Justifico a minha afirmação acima pelo contraste entre o que se ouviu no inicio da conferencia e o que se ouviu no encerramento. Logo no inicio, foi claramente expressa a incomodidade com a sistemática desconsideração que é feita no País aos pareceres da Ordem dos Engenheiros e dos engenheiros em geral.
A desvalorização da profissão, a rarefação dos profissionais experientes, não apenas em lugares de decisão, a dificuldade de transmissão da experiência aos novos técnicos, as dificuldades de recrutamento, tudo associado às limitações financeiras, constituem uma situação muito grave para o País e que é uma ameaça para o seu futuro.
Contudo, a sessão de encerramento terminou com esta afirmação de V.Exa: “naturalmente que a Ordem dos Engenheiros e os seus membros continuarão a participar ativamente com o governo” nos grandes empreendimentos.
Verificou-se pois uma dissonância que não foi possível, mas que seria desejável esclarecer.
O seu comentário sobre a resolução da AR de suspensão da linha circular do metro, que classificou como “incompreensível, lamentável e inexplicável” justifica também a evocação da minha carta para o anterior SEAAmbiente.
Como ex técnico no metropolitano de lisboa, onde desempenhei funções de integração das disciplinas ferroviárias nas extensões, na preparação dos respetivos processos de licenciamento e nos contactos com redes homólogas na disciplina de sistemas de segurança da circulação, dei parecer negativo ao plano de 2009 justamente quando cessei a minha atividade profissional no metro em 2010.
Foi por isso com preocupação que nos fins de 2016, verifiquei que o XXI governo ia represtinar, não o mapa das expansões (que a seu tempo merecera o acordo das autarquias, pese embora não ter sido sujeito a consulta pública), mas apenas a linha circular.
Por imperativo deontológico, tenho vindo a divulgar as razões de ordem técnica que contraditam o projeto da linha circular. Recordo a assembleia municipal de 16 de maio de 2017 de que há registo vídeo, com a presença do senhor presidente da CML, várias sessões na sociedade de geografia, em juntas de freguesia, em associações de moradores e na Ordem dos Engenheiros, esta em 3 de abril de 2018 com encerramento, embora sem participação no debate, pelo senhor secretário de Estado adjunto e do Ambiente.
Participei ainda, enumerando as contraindicações do projeto da linha circular e das inconformidades do EIA, na sessão de esclarecimento e na consulta pública relativa ao EIA e aditamento, em 31 de julho e agosto de 2018.
Do exposto se conclui que não pode afirmar-se desconhecimento  dessas contraindicações por parte das entidades decisoras e executivas.
Outra coisa é, evidentemente, a avaliação se elas são ou não válidas.
Disse V.Exa na Ordem dos Engenheiros que o governo não pode duvidar da competência dos consultores que elaboraram os estudos de viabilidade, nem dos autores do EIA, nem dos próprios técnicos do metropolitano (mais concretamente da FERCONSULT) que elaboraram o anteprojeto (o projeto de execução é feito pelo empreiteiro).
Permito-me manifestar discordância dessa forma de colocar o problema, porque isso significaria que o governo duvida da minha competência de 37 anos de experiência profissional em sistemas de segurança da circulação, na coordenação da integração das disciplinas ferroviárias nos novos troços e na preparação dos processos de licenciamento para colocação em serviço.
Dito de outra forma, ninguém afirmou que as entidades referidas são incompetentes por o projeto da linha circular conter inconformidades, o que, parecendo uma contraindicação, tem a justificação que a seguir exponho.
O consultor que executou o estudo de viabilidade, e que efetivamente é conceituado, como V.Exa referiu e cuja avaliação eu partilho, executou, dentre as possibilidades do mapa de 2009, a análise comparativa entre as alternativas que o contratante lhe propôs. E a conclusão está certa, pela simples razão de que as variantes comparadas não são funcionalmente equivalentes. Enquanto a linha circular tem a valencia da correspondência com a linha de Cascais, o prolongamento de S.Sebastião para Campo de Ourique não a tem, sendo certo que a correspondência com a linha de Cascais é apresentada no EIA como um fator relevante para a justificação da linha circular.
Anoto que, a já ter sido aprovado pela CE um cofinanciamento para a construção da linha circular, o que de acordo com as regras da UE exige a apresentação de uma análise comparativa de custos benefícios, dificilmente os técnicos da CE poderiam  detetar, pela sua especificidade, esta inconformidade, que aliás não é a única em todo o processo, externamente ao consultor.
Relativamente ao EIA, não é possível acusar ninguém de incompetência técnica, no âmbito da engenharia de seleção de traçados e de manutenção e operação de redes de metro, porque, conforme explicitado no EIA, estes não foram tomados como fatores relevantes no estudo. Isto é, são critérios acessórios na análise multicritério preferentemente do âmbito ambiental. Por exemplo, para avaliação da linha circular foram tidos em conta como fatores relevantes a complexidade técnica e as dificuldades devidas às caraterísticas geológicas e hidrológicas, mas não foram analisadas, numa perspetiva mais técnica, as vantagens e desvantagens do previsto método de escavação NATM quando comparado com a tuneladora (método TBM).
De modo idêntico, não foram considerados relevantes fatores como a fiabilidade da operação da linha circular, que, contudo, se repercutirão na utilização diária pelos passageiros sempre que existirem as perturbações próprias das linhas circulares, que aliás motivaram a transformação da linha circular de Londres em linha em laço ou espiral, em 2009.  Ainda aqui não há que considerar como incompetência a simples consequência da ausência de experiencia real na gestão da operação de uma rede de metro.
Pessoalmente, considero a não obrigatoriedade da relevância, deste tipo de fatores técnicos,  uma limitação das regras em vigor, mas são de facto as regras e nada têm que ver com a competência técnica em, repito, engenharia de seleção de traçados, manutenção e operação de redes de metro.
Não foram portanto postos em causa os relatórios dos consultores, mas sim os pressupostos, no fundo e natureza política e não técnica.
Há porém uma inconformidade que foi devidamente destacada na minha participação na consulta pública e que não terá sido atendida por motivos formais. Trata-se da omissão pelo EIA do mapa de expansões das redes de transportes ferroviários da área metropolitana de Lisboa que constava do PROTAML  de 2002 que, por não terem sido validadas as revisões de 2008 e 2012, se encontra em vigor.
Nesse PROTAML, para além de recordatória que ao nível do planeamento numa área metropolitana a escala mínima a considerar é de 10 km (o que evidentemente não é o caso da linha circular), está prevista a expansão do metro de Rato para Alcântara e uma linha circular externa, em metro ligeiro de superfície Algés-Damaia-Loures-Sacavém. Acresce que o PAMUS (plano de ação para mobilidade urbana sustentável, um requisito da CE) de fevereiro de 2016, elaborado para a AML por um consultor igualmente conceituado, não refere o projeto da linha circular.
Esta é uma circunstancia de alguma gravidade, uma vez que é a avaliação do EIA pela APA que valida um projeto e a conclusão do EIA não está conforme.
Isto mesmo está desenvolvido num processo de denuncia entregue na PGR no gabinete de interesses difusos. Seria interessante, numa altura em que o próprio governo apela à avaliação de constitucionalidade do exercício pela AR da sua função fiscalizadora do governo, em que pé estará esse processo de denuncia.
Quanto à valia dos engenheiros projetistas de traçados e de construção civil da FERCONSULT, devo esclarecer que não está também em causa e não há nenhuma inconformidade deontológica. O que sempre afirmei foi que os colegas que deram forma às orientações superiores não tiveram experiência profissional nas especialidades de manutenção e da operação de redes de metro, e por isso não podem ser acusados de cometerem erros no âmbito dessas especialidades. Aliás, se pudesse ouvir alguns deles sem receio de consequencias, dir-lhe-iam que estão a trabalhar num projeto em que não se reconhecem.
Por várias vezes, ao longo do tempo, fui consultado sobre questões específicas dessas especialidades nos processos que a FERCONSULT mantinha no estrangeiro, além naturalmente dos contactos institucionais que mantivemos durante os processos preparatórios e construtivos das expansões do metro. Caricaturando, não podemos criticar por erro de diagnóstico de ortopedia um médico gastroenterologista e, muito menos, um gestor de hospital  economista, nem um ministro da saúde.
Finalmente, parecendo consensual a inclusão da expansão do metropolitano no PNI 2030 e a orientação do governo no sentido de transferir para a AML, aliás a exemplo do que está ocorrendo na área metropolitana do Porto, a decisão sobre os planos de expansão, em articulação com a empresa operadora, questiono-me se não seria curial ouvir o que a AML enquanto conjunto de 18 câmaras terá a dizer sobre o que fazer com a linha circular.
Estou ao dispor de V.Exa, assim como os meus colegas reformados do metro, para prestar esclarecimentos adicionais, no espírito das disposições constitucionais relativas à participação transparente e ativa dos cidadãos na coisa pública.
Com os melhores cumprimentos
Fernando Santos e Silva
BI 1453978
Tlm 966 922 525



ANEXO


Exmo Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Ambiente

Sou engenheiro eletrotécnico com o grau de especialista em Transportes na Ordem dos Engenheiros e reformado depois de atividade profissional de 37 anos no Metropolitano de Lisboa. Aí desempenhei funções de manutenção de sistemas de telecomunicações e de sinalização e ATP (Automatic Train Protection) e de diretor de engenharia e desenvolvimento de infraestruturas.
Tive como responsabilidade, durante a execução das ampliações da rede, a ligação entre os colegas da direção das obras de construção e as disciplinas ferroviárias (via férrea, energia, telecomunicações, sinalização) e a coordenação dos ensaios e colocações em serviço. Assegurei ainda a participação do metro no subcomité da UITP de instalações de segurança, em contacto com colegas homólogos de vários metropolitanos.
Faço parte de um grupo de técnicos já reformados que reprovam a proposta linha circular do metropolitano com base na experiência própria e nos contactos com redes estrangeiras.
Mesmo ao nível dos técnicos no ativo, o parecer predominante é contrário à solução proposta que deriva do mapa de 2009.
Este mapa encerra, à luz dos critérios de exploração e manutenção de redes, vários erros de projeto, de que destaco:
- inserção de 2 (ou 3) novas estações, o que aumentará o consumo de energia e reduzirá a eficiência energética devido aos arranques adicionais
- inserção de várias bifurcações, contribuindo para a redução do índice de fiabilidade e disponibilidade
- vários troços com declives e curvas acentuados, contribuindo para consumos de energia e desgaste de materiais adicionais (de que é exemplo a ligação Rato-Cais do Sodré)
- linha circular, que tem justificação numa rede de metro quando é intersetada por número razoável de radiais de ligação ao centro e quando o seu diâmetro é significativo (o que não é o caso de Lisboa em ambas as condições, como se pode confirmar na relação de metros com linhas circulares fechadas que circula na internet).
Infelizmente, na preparação do referido mapa não foram cumpridos os procedimentos institucionais de auscultação das áreas de operação e de manutenção do metropolitano que assim não puderam dar o parecer negativo.
Do mesmo modo, foi objeto de uma decisão interna a atribuição da prioridade à construção da linha circular, com a intervenção agressiva do ambiente nos viadutos do Campo Grande (refira-se a quebra do conjunto do ponto de vista da arquitetura urbanística, a exigência de monitorização rigorosa ao longo da vida útil da ligação entre os troços novos e os antigos dos viadutos atendendo a que se trata de tabuleiros pré-esforçados, a incomodidade para os passageiros e a limitação de velocidade resultantes da inserção de 4 aparelhos de mudança de via e 2 aparelhos de dilatação no troço existente entre o túnel da Cidade Universitária e os cais norte da estação Campo Grande, já de si com curvas e gradiantes acentuados).
O processo de imposição da linha circular, numa altura em que o metro de Londres transformou a sua linha circular em linha em laço para melhoria das condições de exploração, constituiu assim um exemplo “top-down” sem atender às competências da estrutura técnica, e num contexto de prevalência da filiação partidária nas hierarquias decisórias.
Por outras palavras, num assunto da importância estratégica da expansão da rede do metropolitano, nem foram cumpridos os procedimentos de consulta pública, nem foi considerado um planeamento estratégico da rede de transportes da área metropolitana de Lisboa (recordo a proposta não aprovada em 2003 da circular externa em metro de superfície de Algés a Loures e Sacavém).
Esta a razão por que, apesar do EIA recentemente sujeito a consulta pública formalmente ser um trabalho credível, ele está ferido da inconformidade de se basear num plano de expansão não sujeito a consulta pública, pelo que só podemos propor a classificação de desfavorável e a submissão do mapa de 2009 a parecer do Conselho Superior de Obras Públicas.
Devo informar que tendo sido reformado em dezembro de 2010, deixei duas análises negativas relativamente à linha circular, constantes das seguintes ligações:
·         Sugestões ao metropolitano, 2010 (ver págs 18-21):

·         Expansão do metropolitano:

Igualmente, depois do anúncio em fins de 2016 da retomada do projeto da linha circular, o grupo de que faço parte desenvolveu esforços no sentido de informar os decisores, do Metropolitano à tutela, dos erros e inconvenientes do traçado, colaborando em iniciativas públicas de que destaco sessão na Sociedade de Geografia de março de 2017, a assembleia municipal de maio de 2017 e a sessão na Ordem dos Engenheiros de abril de 2018 .
Parecendo inúteis os nossos esforços, configurando o desprezo pela experiência profissional de quem os desenvolveu, permanecendo sem resposta sucessivos pedidos de audiência a V.Exa ou a um vosso assessor, resta-nos invocar a circunstância de que a classificação do EIA é de vossa responsabilidade e que gostaríamos de apresentar pessoalmente a argumentação que utilizámos na nossa participação na consulta pública.
Compreendemos os constrangimentos da presente situação, que ilustra bem o paradoxo dos técnicos que exercem funções políticas: até que ponto pode um critério político sobrepor-se a um critério técnico quando desde a antiguidade pré-histórica a técnica existe para o bem estar da comunidade, coisa de que os políticos também se arrogam, nem sempre com razão, sendo que pelas leis da Física mais cedo ou mais tarde o desprezo pelos critérios técnicos se manifesta com prejuízo coletivo.
Compreendemos também que a solução anteriormente defendida de prolongamento da rede até Alcântara se defronta com questões ligadas ao imobiliário e à reorganização urbanística da zona. O objetivo de correspondência com a linha de Cascais está assim dificultado por um plano de urbanização (PUA) que enferma da pretensão de enterramento de uma nova estação da linha de Cascais e de duas estações de metro, quando a solução correta do ponto de vista de traçados e da geologia é a travessia do vale de Alcântara em viadutos para redução dos consumos de energia e dos custos construtivos.
Em alternativa, por ser razoável atribuir prioridade à correspondência com a linha de Cascais à entrada da cidade, é de considerar o prolongamento até Algés, com um interface intermodal e construção de modo faseado (recordo o conceito de “corredor progressivo” do metro de S.Paulo subordinado às disponibilidades financeiras), evitando numa primeira fase os custos de construção das estações intermédias.
Tomo ainda a liberdade de deixar as seguintes ligações, onde poderá encontrar a nossa argumentação técnica.

·         PPT 3abr2018    Ordem dos Engenheiros                      https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbweih5IWO3ANff3kMxA
·         Manual condensado de transportes metropolitanos            https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwehWMdmBJ_Q06Wk7XH
·      PPTSoc.Geog.mar2017      https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwehV60JDEwiCKZfiID
·         Assembleia municipal 17mai2017      https://www.youtube.com/watch?v=YL-lOp_LLQg
·         PPT planeamento 11jul2018        https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwejGXHKicabX49xu4n
·         Parecer sobre o EIA
·         PPT SEAAmb  mai2018                  https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwejGfY5MNhtZ6B9aaf
·         Contacto           santos.silva45@hotmail.com

Com os melhores cumprimentos e votos de sucesso pessoal

Lisboa, 17 de setembro de 2018

Fernando Carvalho Santos e Silva
BI  1453 978
Tlm 966 922 525


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