terça-feira, 17 de novembro de 2015

O julgamento do mestre do Jesus dos Navegantes

Tratei dos naufrágios, na barra da Figueira da Foz, do Jesus dos Navegantes em outubro de 2013, e do Olivia Ribau em outubro de 2015:

http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=olivia+ribau

Verifico agora que está a decorrer o julgamento do mestre do Jesus dos Navegantes, acusado pelo ministério público de homicídio por negligencia  dos 4 pescadores mortos.

Trata-se de uma indignidade e uma falta de respeito para com os pescadores e para as dificeis condições do seu trabalho, cometidas por quem não corre riscos profissionais semelhantes.

É indigno desvalorizar o seu trabalho:
- obrigando-os a concorrer com o peixe importado cujo transporte não paga taxa de carbono,
- submetê-los a um preço médio nas lotas de 1,70€ por quilo pescado e a margens dos intermediários que podem chegar aos 600% ("Os últimos marinheiros", de Filipa Melo, ed.Fundação Francisco Manuel dos Santos, págs 39 e 42)
- obrigá-los a sair e entrar obliquamente de barras com fundos assoreados que provocam ondas de rebentação de mais de 3 metros    
- não prestar assistencia técnica e financiamento em equipamentos de segurança desde o vestuário térmico (para poder interditar-se o uso das botas-calças), à fixação e distribuição equilibrada da carga, redes e aparelhos de pesca (para melhorar o equilibrio quando sujeitos às vagas), às balizas de socorro e à correção das fragilidades dos cascos relativamente á entrada de água com as vagas
- não equipando devidamente os postos de socorro em termos de pessoal ("Nesta fase, não temos pessoal em número suficiente para garantir uma prontidão de 24 horas por dia", almirante Luis Fragoso, Autoridade Marítima Nacional) e de equipamentos, incluindo lança-cabos com boia.

Relativamente á acusação de que não foi respeitada a carta náutica, acho estranho , porque a carta indica a rota de entrada e saída, obliqua relativamente à ondulação dominante, consequencia do defeito da ampliação do molhe norte (a solução será, com recurso a fundos comunitários,  prolongar o molhe até atingir águas fundas que não provoquem rebentação, procedendo entretanto a dragagens estivais).
Relativamente á acusação de não utilização de coletes de segurança, é de facto de ponderar a dificuldade da saída de uma embarcação virada com eles postos.
Trata-se de assunto a merecer estudo por grupo credenciado (igualmente o cinto de segurança nos automóveis pode ser contraproducente, embora estatisticamente seja recomendável e portanto obrigatório; pode ainda ser o caso das botas-calças que impossibilitam a natação e que devem ser descalçadas em situação de emergencia; poderia pensar-se num colete de fácil desembaraço se for caso de mergulhar para libertação de um casco virado).

Espera-se que, já que o MP teve a deselegancia de promover o julgamento (ao menos, se tiver  de haver uma acusação por imperativo legal, que fosse por homicídio involuntário em atividade de risco coletivamente assumido, e nunca por negligencia), que o juiz tenha a justeza de analisar todos os dados do problema que apontam para a absolvição da injusta acusação.

PS em 20 de novembro - o relatório do gabinete de investigação de acidentes, GPIAM, encontra-se em:
http://www.gpiam.mamaot.gov.pt/images/Relatorios_Tecnicos/183_2013_JESUS_DOS_NAVEGANTES.pdf

Reproduzo do relatório o extrato da carta náutica e a imagem Google earth com o local estimado do afundamento. Pode verificar-se que as posições do molhe sul não estão paralelas, dando a sensação de afastamento da rota da carta náutica. As fotografias do acidente parecem demonstrar que o local do afundamento foi mais para poente (lado do mar), e que portanto as duas rotas estariam mais próximas, além de que o governo da embarcação deve fazer-se em função das condições reais e as fotografias mostram que estava aproada à zona de menor rebentação (SW), embora devesse estar mais aproada à onda real. Isso pode considera-se um erro em condições imponderáveis, nunca negligencia. O que é indiscutível, tal como o relatório refere, é que a zona junto do molhe norte está assoreada, atreita à rebentação de ondas.
Estranha-se no relatório (que repele a sua utilização para responsabilização do acidente) a ausencia de referencia à necessidade de fixar e equilibrar convenientemente a carga e as redes, bem como à vulnerabilidade de entrada de água à popa, tudo condições só por si suficientes para recomendar o estudo de alterações do projeto deste tipo de embarcações de arrasto.


Ver também
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/11/naufragio-na-figueira-da-foz-4-mortes.html

onde se pode ver a primeira onda que desestabilizou o Jesus dos Navegantesn com provável entrada de água pela popa:
Aparentemente,  a rota do Jesus dos Navegantes seria muito próxima dos 225º da carta náutica, mas a ondulação estava de W (270º) pelo que apanhou a embarcação de estibordo, como não pode deixar de ser dada a configuração dos molhes. Assinale-se que a embarcação em primeiro palno, que aguardava protegida pelo molhe norte, o Ruben e Bruna, já se afundou, em mar calmo, provavelmente por deficiencia do casco ou por desequilibrio de cargas (ver o compartimento à popa, gravemente desestabilizador). A arquitetura naval deste tipo de embarcações de arrasto deve ser revista.

Para avaliar a gravidade da ondulação junto do molhe norte, devido à pouca profundidade, ver as imagens do afundamento do Olivia Ribau em

PS em 2 de dezembro de 2015 - O ministério público recuou na acusação, admitindo que o governo da embarcação pode ter sido de acordo com o instinto do mestre experiente. Mas mantem a responsabilização pelas mortes, o que continua a mostrar desconsideração por quem trabalha. Aguardemos a sentença para dia 21 de dezembro. 
Entretanto sublinho e insisto em duas questões:
1 - existem coletes de tipo insuflável que só enchem quando puxado um gancho que aciona uma pequena botija de gás, o que enche o colete. Trata-se de um modelo que não oferece flutuação enquanto não é insuflado, permitindo mergulhar para escapar a um casco virado. Sugere-se o seu uso obrigatório, apesar de dificultar a faina, ainda que a sua construção seja do tipo ultraleve. De assinalar ainda que é um modelo mais caro e que exige a revisão periódica da botija (requer portanto apoio oficial):
http://www.nauti4u.com.pt/produto/sigma-manual-s-arnes
2 - Conforme relatado pelos sobreviventes, tiveram de descalçar as botas-calça quando a embarcação virou (porque acumulariam água). Embora seja um vestuário mais caro, obrigando a apoio oficial, sugere-se calças impermeáveis abertas em baixo e botas de cano curto:
http://www.nauti4u.com.pt/produto/offshore-calcas-encarnada
http://www.nauti4u.com.pt/produto/botas-pro-race

Sem comentários:

Enviar um comentário