Sentidas condolencias para as familias das duas vitimas do acidente e pronta recuperação dos feridos.
Embora tenham de aguardar-se as conclusões do inquérito, há algumas coisas que podem ser já ditas.
- Aparentemente, o acidente pertence ao grupo de outros dois acidentes:
Colisão de um comboio de alta velocidade com uma locomotiva de inspeção da via em Ancara em dezembro de 2018 - linha desprovida de ATP e erro de manobra para a locomotiva de inspeção:
Colisão de um comboio de alta velocidade com um veículo de manutenção em Itália em Livraga/Lodi em fevereiro de 2020 - retirada do aparelho de mudança de via de ponta das informações para o ATP e aparelho deixado na posição errada após trabalhos noturnos de manutenção :
- é essencial a realização do inquérito pelo GPIAAF, no qual tenho toda a confiança considerando o trabalho anteriormente já desenvolvido, sendo certo que o objetivo do inquérito não deve ser culpar responsáveis, mas determinar claramente as causas e circunstancias do acidente com o objetivo de evitar a sua repetição propondo medidas
- o ponto de colisão, de acordo com as imagens da TV, terá sido a norte e a pouca distancia da estação de Soure, onde existe um aparelho de via que faz a junção de um feixe de vias de serviço com a via ascendente da linha do norte por onde seguia o Alfa
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a colisão terá ocorrido entre a agulha de talão e a agulha de ponta (onde foram encontrados os primeiros destroços) na foto |
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Distancia aproximada de 400 m entre o ponto de colisão e o ponto de paragem, correspondendo a uma desaceleração de 3 m/s2 para uma velocidade de 190 km/h; estes numeros são compatíveis com o inicio da travagem pelo ATP antes da colisão, mas isso só poderá confirmar-se no inquérito |
- será desejável dentro de poucos dias, a exemplo do que os gabinetes de investigação de acidentes de outros paises fazem, promover uma conferencia de imprensa com o estado das investigações, incluindo eventuais ultrapassagens de procedimentos de segurança por "pressas"
- de acordo com reportagens de TV, não parece correto recolher os destroços e outros vestigios em vez de os isolar para análise pelos investigadores do acidente; por maioria de razão, após retirada dos mortos e feridos toda a zona do acidente deve estar reservada aos investigadores
- é provável que o veículo de manutenção, de acordo com uma das reportagens televisivas, estivesse em movimento com destino a uma estação mais a norte, mas deverá confirmar-se se ele provoca ocupação do circuito de via: Aliás, mesmo que ocupe, não deverão circular durante a exploração de comboios rápidos; igualmente se pode pôr a hipótese dele ter passado do feixe de serviço para a linha principal por instrução ou manobra errada e anti-regulamentar, mas estando o itinerário do Alfa feito, a agulha não deveria poder mover-se (terá sido forçada? será talonável? em que posição estaria quando o Alfa passou por ela antes do embate?). Neste caso, a travagem do ATP (admitindo que ele estava operacional) ao detetar uma operação errada não teria espaço para evitar a colisão.
- Parece essencial, considerando esta acidente e os referidos, respeitar os procedimentos regulamentares de segurança quando há partilha da via com modos mais lentos e, no caso de manutenção, nunca misturar circulações de manutenção com a exploração e cumprir os procedimentos sempre que se fez manutenção e antes da entrada em serviço da exploração normal. A partilha de uma via férrea por vários modos tem riscos, até o cruzamento de comboios de mercadorias com comboios rápidos tem riscos devido ao efeito de sucção (recordo o acidente da Ademia felizmente sem consequencias de vitimas e o da Dinamarca no Storebelt em janeiro de 2019).
Isto é, haverá que ler com atenção as recomendações que o GPIAAF irá produzir. E, especialmente, aplicá-las.
PS em 1 de agosto - parece que o veiculo de manutenção passou um sinal vermelho vindo do feixe de erviço da estação de Soure, e colocou-se à frente do Alfa sem lhe dar tempo a travar, mas terá de se esperar a confirmação do inquérito, se terá sido iniciativa dos operadores do veiculo ou se terá havido má interpretação de conversa telefónica com a sala de controle ou um posto local de comando da agulha. Em artigo de Carlos Cipriano,
comenta-se que estes veiculos deveriam estar equipados com train stop, aliás de acordo com recomendações do GPIAAF, mas a IP terá invocado falta de orçamento (não seria necessário ir para o CONVEL, em Espanha o ATP tem como recurso o ASFA que é um train stop, e quando a linha vermelha do metro funcionou com ATP e ATO existiu sempre cmo recurso o train stop, designado no metro como DTAV.
Sobre a probabilidade de erro de conversas telefónicas (as quais têm de ser sujeitas a apertadas regras de segurança, por exemplo obrigando à presença fisica de um responsável no local em que se pretende fazer a manobra sem cobertura de sistema automático de proteção) o que esteve na origem do acidente de Alcafache em 1985 e do de Bari/sul de Itália há poucos anos, recordo que, ainda eu estava ao serviço, na sequencia de uma conversa antiregulamentar (sem a presença fisica de um terceiro) um maquinista ouviu da central que podia ir da Alameda a S.Sebastião, com o ATP desligado, e foi, em contravia. Felizmente o maquinista que vinha de S.Sebastião no sentido correto respeitou o sinal vermelho (e a não autorização de marcha do ATP) e o faltoso acabou por travar à vista dos farois do outro. Imaginem como ficou o meu colega da Exploração e eu próprio quando soubemos.
Voltando ao acidente de Soure, e como estamos em época de recuperar as melhorias do plano ferrovia 2020, recordo que a concentração de veiculos de manutenção em Alfarelos (perto de Soure) é muito grande, colidindo com os itinerários para a linha do Oeste, dos suburbanos para a Fugueira e com o serviço regional e interurbano da linha do norte. É verdade que, como dizem alguns economistas esquecendo-se de contabilizar os custos das externalidades, uma linha nova Lisboa Porto, em bitola UIC, independente da linha atual, não é rentável, mas que é a solução técnica correta, é. Mas no nosso país é hábito os decipres políticos saberem mais de técnica dos que os técnicos.
Entretanto, o GPIAAF publicou uma primeira nota informativa, confirmando-se que há técnicos competentes ao seu serviço e vontade de informar corretamente o publico. Parece que terá havido uma confusão entre o sinal de saida do veiculo de manutenção e o sinal de saida da estação de Soure na via principal, que está demasiado próximo. Se foi assim, será assunto a corrigir:
A confirmar-se a confusão entre sinais, é de invocar um principio sagrado na engenharia ferroviária (não só na ferroviária, de transportes em geral), que é o de que um erro de um profissional suscetivel de provocar um acidente deverá ter sempre um equipamento que o evite, ou pelomenos que mitigue as suas consequencias; na impossibilidade desse equipamento, deverão existir procedimentos regulamentares que convirjam para esse fim, mesmo a custos da eficiencia económica. Este principio é tão sagrado em engenharia como o juramento de Hipócrates em medicina, porque é o mesmo valor da vida humana que está em jogo.
Permito-me comentar que o sinal de manobra duma agulha que liga um feixe de trabalhos a uma via principal deve estar razoavelmente afastado da via principal e o sinal estar evidentemente individualizado. Para alem de dever existir um train stop em todos os veiculos de manutenção, deverá existir um procedimento regulamentar que envolva pelo menos 3 entidades, isto é, mais uma para alem do maquinista e do operador da sala de comando ou do posto local (com as tecnologias de comunicação disponiveis, pode discutir-se se deve ser necessária a presença fisica no local, mas a intervençãao de 3 entidades com as comunicações registadas é essencial).
Fca ainda por esclarecer se o veiculo de inspeção talonou a agulha e se esta ficou na posição menos, contribuindo para o descarrilamento do Alfa.
Nalguns pontos do metropolitano, na junção de vias ensaio ou garagem com as vias principais, o sinal de saída das vias de ensaio está protegido por um dispositivo de calços móveis, a ultrapassagem do sinal vermelho implica a colisão com esses calços levantados, que só baixam quando o sinal está permissivo. Nalgumas redes estrangeiras o dispositivo é mesmo um descarrilador. Mas convirá assentar que circulaçoes de serviço não podem ser inseridas no meio de velocidade elevada.Pessoalmente confesso que posso exagerar, mas uma via não deve ser partilhada no mesmo período por modos de velocidade e distancias de travagem diferentes, o que poderá levar à conclusão de que, com tanta obra prevista (recordo mais uma vez a quantidade de veiculos de manutenção em Alfarelos, cuja recolha ou saida da estação implica conflito com os itinerários dos suburbanos, regionais , interurbanos e alfas), com tantos serviços de mercadorias, regionais, suburbanos, interurbanos, é impossivel garantir a segurança de acordo com esses principios, o que deverá ser assumido pelos colegas, em vez de dizer ao ministro que sim, podemos partilhar a linha, ou enche-la de remendos (160 km de remendos em 300 km de linha....).
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foto Google Earth vendo-se os sinais de saida S3 e S5 e as balizas do CONVEL na via de serviço e na via principal |
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distancia do sinal de saída à ponta da agulha de junção antes do ponto de embate: 110 m |
Noticia de 4 de agosto de 2020:
Noticia de 3 de agosto na revista espanhola Trenvista, recordando que Portugal tem um procedimento de infração da UE por deficiencias na segurança ferroviária: