quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Comentário à entrevista de Carlos Vasconcelos na revista Negócios e empresas de dez2023 da Associação Industrial Portuguesa

 

Comentário à entrevista de Carlos Vasconcelos na revista Negócios e empresas de dez2023 da Associação Industrial Portuguesa  (  ver  https://heyzine.com/flip-book/73ab3a95a2.html#page/7   )

 

  

O presidente da MEDWAY é um excelente gestor do operador de mercadorias pela ferrovia estando a ganhar quota de mercado na península ibérica. Nesta entrevista analisa os fatores que dificultam o crescimento do negócio, desde o estado de degradação e obsolescência das redes à desigualdade de tratamento em relação ao transporte rodoviário.

Partilhamos da validade dessas queixas. É inadmissível, especialmente se lembrarmos os protestos sistemáticos dos governos português e espanhol de promover a descarbonização.

Mas continuamos a discordar de Carlos Vasconcelos sobre o cumprimento da regulamentação comunitária das redes TEN-T com todos os requisitos da interoperabilidade (25kVAC, pendentes máximas 1,2%, cruzamento de comboios de 740m, controle de velocidade e sinalização ERTMS, bitola UIC 1435mm) a incluir nas novas linhas para tráfego misto (alta velocidade e mercadorias) com ligação à Europa além Pirineus.

Temos objetivos comuns, o desenvolvimento da economia, não só através do crescimento da quota modal nas redes de Portugal e Espanha, mas também do crescimento das exportações para além de Espanha.

Seria pois vantajosa uma frente comum que reivindicasse dos dois governos a elaboração e a execução coordenada de um plano com fases bem definidas no tempo e na exigência de financiamento (parte da União Europeia a fundo perdido), plano esse com sucessivas aproximações aos portos nacionais das novas linhas do corredor atlântico com todos os componentes da interoperabilidade, incluindo a bitola 1435mm.   Esse é aliás o procedimento seguido em Espanha especialmente no corredor mediterrânico,  em que a associação de empresários de Valencia dinamizou um movimento reivindicativo da aceleração das obras do corredor em bitola 1435mmm prevendo-se a chegada desta a Valencia em 2025.

Apresentam-se a seguir os comentários aos argumentos utilizados na entrevista por Carlos Vasconcelos, começando-se por resumir cada um deles, seguindo-se a nossa contra-argumentação.

1 – “As redes de Portugal e Espanha  têm a mesma bitola ibérica de 1668mm e a quota modal é de cerca de 6% [1]  , logo a bitola normalizada não é um fator de competitividade por não contribuir para o aumento da quota”.

Perdoará o Dr Carlos Vasconcelos a nossa dificuldade em aceitar uma lógica que nos parece longe da Física ou da Matemática em termos de correlação de causa e efeito. Recupero um estudo de 2015 promovido pelo agrupamento europeu de interesse económico do corredor ferroviário de mercadorias CFM4 ou RFC4 que gere a operação do corredor atlântico de mercadorias composto por representantes da IP, ADIF, SNCF e DB. O estudo avaliou a redução de custos do transporte de mercadorias entre Leixões e Madrid e entre Leixões e Paris em função da aplicação dos componentes da interoperabilidade nos troços em que estivessem em falta. A viabilização dos comboios de 740m induziria uma economia de 12% e 13%, mas a bitola 1435mm que para Leixões-Madrid seria 0, para Leixões-Paris seria 6%, isto é, superior à economia devida à normalização dos 25kVAC (2%). Isto é, a utilização de bitola 1435mm é, numa lógica matemática ou física, um fator competitivo. Note-se que são custos de operação, não de investimento. A avaliação dos investimentos requer, tal como definido na regulamentação comunitária (reg. 2020/1056), uma análise de custos benefícios a prazo suficientemente longo e contabilizando os efeitos multiplicadores na economia como estímulo do emprego, e os custos das externalidades incluindo as emissões de gases com efeito de estufa, os congestionamentos rodoviários, a sinistralidade. Não sendo investimentos para os operadores, justifica-se a referida frente comum para que os governos executem o plano das redes TEN-T.

Relativamente à quota modal insignificante de 6% , para a aumentar deverá cumprir-se a proposta de diretiva COM(2023) 702 e anexo[2]  , para revisão da diretiva 92/106/EEC para desenvolvimento do transporte intermodal (transporte de semirreboques por comboio, por exemplo).

Em relação à quota de 6%, temos ainda um problema de concorrência com a rodovia, como o dr Carlos Vasconcelos tem denunciado, a proteção fiscal dada à rodovia e respetivos combustíveis, agravado pela inércia e pela força do lobby rodoviário, apostado em aumentar a capacidade de transporte por camião (propondo por exemplo o aumento das dimensões dos camiões). No entanto, temos de considerar o problema da bitola ibérica como fator de afastamento de operadores estrangeiros, não interessados em investir em material circulante de bitola ibérica ou com a condicionante, no fabrico, de bogies  com a possibilidade de mudar de eixos em oficina. A não evoluir a extensão da bitola 1435mm na península continuará o processo de concentração em 2 ou 3 operadores e no desinteresse doutros operadores nas mercadorias numa rede de bitola ibérica, ao contrário do que se passa na alta velocidade espanhola para passageiros.

 

2 – “Espanha representa cerca de 60% do nosso comércio externo” com toda a Europa.

Este argumento serve para fundamentar uma concentração dos investimentos da MEDWAY (a Captrain/Takargo utilizá-lo-á também) nas redes ibéricas, embora as recentes aquisições de locomotivas de bitola 1435mm para serviço além Pirineus mostrem que também é oportuno investir no tráfego de exportações além Europa. Sendo verdade  a quota de cerca de 60% relativamente à Europa, convirá esclarecer a sua natureza. Assim, com recurso aos números do INE de 2022, considerando a totalidade das importações e exportações de e para todo o mundo, a percentagem do comércio com Espanha relativamente ao comércio com todo o mundo foi de 33,94% em peso e 29,55% em valor   (Espanha 34,16Mton/55525M€;  mundo 100,64Mton/187889M£). Numa perspetiva mais próxima de nós, as exportações por modos terrestres (cerca de 99% das quais por rodovia) para Espanha foram 11,349Mton no valor de 16822M€ enquanto para o resto da EU foram 5,93Mton mas no valor de 25767M€.  Isto é, para um operador ferroviário, é compreensível a concentração dos seus esforços na península ibérica, mas numa perspetiva de crescimento da economia nacional, deve dar-se atenção aos investimentos  que contribuam para o crescimento das exportações. Não só a viabilização dos comboios de 740m, das pendentes inferiores a 1,2%, dos 25kVAC, mas também da bitola 1435mm, como mostrou o estudo referido do RFC4.

 

3 – “Espanha não tem bitola 1435mm para mercadorias”

O dr Carlos Vasconcelos corrigiu esta afirmação reconhecendo que já existe transporte de mercadorias do terminal intermodal de Can Tunis (porto de Barcelona) para França mas desvalorizando o volume desse tráfego.  Consultando o site da LFP (Linha Figueres-Perpignan, associação da ADIF e SNCF para gestão das infraestruturas do túnel El Perthus) contabilizam-se 21 serviços semanais por sentido para mercadorias e 28 serviços semanais por sentido para passageiros. Está longe da saturação (50 comboios por dia por sentido), mas a expetativa é a extensão da bitola 1435mm a Valencia no final de 2025 e o consequente aumento do tráfego.

Na outra extremidade dos Pirineus aguarda-se para 2025 a ligação por terceiro carril (bitola mista 1435 e 1668mm) entre Irun e a plataforma logística de Vitoria. Como já afirmado pelo dr Carlos Vasconcelos, mais de 2 comboios diários com bitola ibérica para atravessamento dos Pirineus com mudança de bitola é incomportável, pelo que o recurso à plataforma de Vitoria poderia, com o custo respetivo,  atenuar o problema do transbordo por motivo da bitola ibérica. A solução dos eixos variáveis para vagões de mercadorias tem os graves inconvenientes do custo de fabrico, e dos riscos de imobilização por avaria em local distante da manutenção. Como repetido pelo coordenador do corredor atlântico Carlo Secchi, as soluções de compatibilização das bitolas devem ser temporárias.

Entretanto destacam-se os novos serviços de passageiros Barcelona-Lyon e Madrid-Marselha e a retomada do serviço de transporte por comboio de semirreboques Barcelona-Bettembourg pelo operador VIIA (5 serviços de ida e volta semanais) .  Ou de como uma quase verdade dita hoje (Espanha não tem bitola 1435mm para mercadorias) pode não ter nada de verdade dentro em pouco. Mas sublinha-se a urgência de um plano coordenado entre Portugal e Espanha para a aproximação progressiva da bitola 1435mm dos portos nacionais, até porque é longo o prazo para elaboração dos projetos, obtenção do financiamento, concurso, construção e colocação em serviço.


assina um subscritor do manifesto Portugal uma ilha ferroviária?

 

 


[1] Nota minha: em 1995 a quota era 10%, comprovando o aumento de eficiência do transporte rodoviário e, se estivessemos numa discussão escolástica, que a quota baixa porque não se desenvolveu a rede de mercadorias em bitola 1435mm

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

A argumentação do secretário de Estado das infraestruturas sobre a ferrovia

 Um dos resultados das peripécias que conduziram à entrada em gestão do XXIII governo e à dissolução da AR foi a subida do secretário de Estado a figura principal nos processos em curso no ministério das infraestruturas, dada a coincidência da titularidade do ministro das infraestruturas com a de primeiro ministro e a manifesta pouca apetência deste para o planeamento dos transportes (por, a propósito de sucessivas cimeiras luso-espanholas, ir anunciando sucessivas datas para se começar a pensar na rede de alta velocidade, apesar de se saber que o período entre a decisão e a entrada em exploração pode ser de 10 anos).

Tem assim o secretário de Estado aparecido recorrentemente nos meios de comunicação social, ora defendendo o PFN (Plano  ferroviário nacional), ora colaborando com o vice presidente da IP na apresentação pública e na argumentação contra os críticos do processo da linha de alta velocidade Porto-Lisboa. 

O discurso na sessão da apresentação pública do concurso do troço Porto-Oiã contem a principal argumentação do secretário de Estado contra os proponentes do cumprimento da regulamentação comunitária, que é vinculativa para os estados membros, e que para Portugal prevê a linha Porto-Lisboa integrada nas redes transeuropeias de transporte com os padrões de interoperabilidade até 2030              ( ver  https://www.noticiasaominuto.com/economia/2479136/mudanca-de-bitola-argumentos-assentam-em-equivocos-diz-sec-de-estado  ).

O padrão de interoperabilidade mais notório tem sido a bitola (distancia entre carris: ibérica 1668mm, europeia, padrão ou UIC 1435mm) . Outro padrão mas que não é muito falado é o do sistema de controle da velocidade e da sinalização, o ERTMS ou European railway traffic management system,  que não é compatível com o sistema da IP, o CONVEL, cuja desativação é exigida pela Comissão europeia até 2040, encontrando-se em desenvolvimento um módulo de interligação CONVEL-ERTMS, mas sem se conhecer a data de conclusão dos ensaios, sem a qual as novas locomotivas da MEDWAY  e da Captrain não poderão circular em Portugal.

A intervenção do secretário de Estado aqui comentada subordina-se ao tema "Os argumentos para a mudança de bitola assentam em 3 equívocos".

Antes de comentar os 3 equívocos, apresentando primeiro cada um dos correspondentes argumentos do secretário de Estado, esclareço que não se pretende mudar nem "migrar" a bitola. Pretende-se que nas linhas novas a integrar nas redes TEN-T elas sejam de raiz em bitola 1435mm para cumprir os regulamentos comunitários e para evitar os inconvenientes de perturbação da exploração na posterior mudança de 1668mm para 1435mm. O governo e a IP argumentam, para fugir ao cumprimento dos regulamentos, que têm negociado com a Comissão europeia sucessivas isenções em determinadas condições que lhes permitem ir mantendo a bitola 1668mm.

Tendo o secretário de Estado dito que não se deve perder mais tempo com esta polémica, peço desculpa por insistir nela precisamente porque o senhor secretário é diferente dos seus antecessores, tem uma formação técnica e uma capacidade tecnico-profissional que o habilitam a aprofundar a natureza técnica do problema, que não se resume à escolha de uma bitola, mas ao conjunto do sistema ferroviário nacional, a sua compatibilização com Espanha e a sua integração na Europa. Tal conjunto de questões, pela sua natureza e complexidade, impõe a aplicação do conceito de normalização e dos seus padrões. A normalização é um dos primeiros ensinamentos nas escolas de engenharia, não é evidentemente acrítica (encontradas deficiências ou evoluindo a tecnologia a comunidade tecnico-científica produz nova norma) e não se compadece com pedidos sistemáticos de isenções. A regulamentação comunitária relativa aos processos de financiamento limita-os em caso de não cumprimento por comparação do mérito do projeto em comparação com os projetos dos outros Estados membros.

Equívoco 1 - "Não é verdade que a bitola ibérica seja o principal obstáculo ao transporte de mercadorias entre Portugal e o resto da Europa porque o problema é de capacidade, não de bitola."

Posto assim o problema, concordamos em termos lógicos. Mas fisicamente, a capacidade de um modo de transporte  depende da capacidade do veículo e da velocidade de escoamento dos veículos. Ora, a mudança de bitola na fronteira (e o regulamento insiste em que numa passagem por uma fronteira o comboio de mercadorias não deve demorar mais de 15 minutos) ou o transbordo com guindaste móvel (reach stacker) introduzem um atraso estimado em 6 horas e dificuldades de coordenação dos canais do outro lado da fronteira. 

Sobre a mudança de bitola, ela pode ser feita com mudança de bogies ou de rodados ou ainda com a  tecnologia de eixos variáveis com intercambiadores já disponíveis para mercadorias (inconvenientes dos eixos variáveis: mais caros, dificuldades  se avaria longe da manutenção). Desde a publicação do "Manifesto Portugal uma ilha ferroviária?" em 2017, que a IP nos vem dizendo que a bitola não é um problema, mas perante a hipótese de um troço da linha de alta velocidade Porto-Lisboa em bitola 1435mm e a necessidade de concluir a viagem pela linha existente de bitola ibérica, diz agora que é um problema. Concordamos, mais uma razão para construir rapidamente toda a linha.

Como afirmou publicamente o presidente da MEDWAY, por quem temos consideração apesar de nos considerar ignorantes do mercado, é incomportável na fronteira processar o transbordo de mais de 2 comboios por dia. Daí o objetivo de ter a bitola 1435mm em 2025 desde Hendaye (França) até à plataforma logística de Vitoria onde se faria o transbordo sem problemas de sincronização com o segundo comboio, mas com os respetivos custos e a penalização do tempo de transbordo, sendo o tempo total do transporte inversamente proporcional à capacidade do modo de transporte.

Mas concordamos, atualmente não há capacidade para assegurar por modo ferroviário as exportações para além dos Pirineus. Por modos terrestres foi exportado para o resto da Europa além Espanha em 2022   6,37Mton no valor 28951M€, enquanto em percentagem da totalidade de importações e exportações para Espanha  foi, por modos terrestres, de 67,24% em peso e 40, 67% em valor relativamente à totalidade de importações e exportações para toda a Europa.

 É necessário planear novos troços de alta velocidade para tráfego misto (isto é, a integração dos novos troços das mercadorias nos corredores internacionais TEN-T, mais uma exigencia regulamentar da Comissão europeia ao arrepio da orientação do PFN para a exclusividade da linha Porto-Lisboa para passageiros) em Portugal e em Espanha para ser possível a transferencia da carga rodoviária para a ferrovia (já devia ter sido lançado um plano para o transporte de semirreboques por comboio).

E também concordamos que não vale a pena perder muito tempo com esta polémica quando desde 2015 que a IP tem o estudo do agrupamento europeu de interesse económico do corredor ferroviário de mercadorias CFM4 ou RFC4 (que gere a operação do corredor atlântico de mercadorias sendo composto por representantes da IP, ADIF, SNCF e DB)  que  avaliou o peso dos padrões da interoperabilidade na redução de custos do transporte de mercadorias entre Leixões e Madrid e entre Leixões e Paris nos troços em que estivessem em falta. A viabilização dos comboios de 740m induziria uma economia de 12% e 13%, mas a bitola 1435mm que para Leixões-Madrid seria 0, para Leixões-Paris seria 6%, isto é, superior à economia devida à normalização dos 25kVAC (2%). Isto é, a utilização de bitola 1435mm é, numa lógica matemática ou física, um fator competitivo, não o principal, mas importante. Note-se que são custos de operação, não de investimento.


Equívoco 2 - "Também não é verdade que existam planos do lado de Espanha para fazer a migração para a bitola 1435mm. Espanha tem um conjunto pequeno de linhas em bitola europeia, todas elas de alta velocidade, apontadas mais a França do que a Portugal. Do ponto de vista do transporte de mercadorias, a quase totalidade em Espanha continuará a ser feita em bitola ibérica durante pelo menos as próximas duas décadas"

Para debater este tema deverá ter-se presente que foi o governo português em 2012 que desistiu do projeto Poceirão-Caia em bitola 1435mm integrado na linha Lisboa-Madrid acordada na cimeira da Figueira da Foz em 2003, não foi o governo espanhol. No seguimento dessa decisão foi dada prioridade em Espanha à rede de alta velocidade para passageiros em bitola 1435mm que atinge 3000 km neste momento, e ao Y basco e ao corredor mediterrânico para tráfego misto também em bitola 1435mm com previsão de entrada em exploração do troço França-Barcelona-Valencia em 2025 e de Valencia-Algeciras em 2030.

Consultando os sites da ADIF e do MITMA (ministério dos transportes espanhol) comprova-se que afinal existem planos para o crescimento da rede 1435mm para os referidos Y basco e o corredor mediterrânico e também para o corredor atlântico. Para o corredor atlântico o comissário para a gestão da sua construção, nomeado pelo MITMA  em janeiro de 2023, declarou que conta com um orçamento de 16.000 milhões de euros manifestando ao mesmo tempo preocupação que  no próximo campeonato mundial de futebol, em Portugal e Espanha, a linha de alta velocidade interoperável Lisboa-Madrid não esteja completamente operacional (ver minutos 21 a 23 em  https://www.youtube.com/watch?v=Kz955UNXnL8 ).

Concordamos com o secretário de Estado que as linhas de alta velocidade de bitola 1435mm estão viradas a Espanha, assim o comprovam as novas ligações Madrid-Lyon e Barcelona-Marselha. Enquanto as ligações de mercadorias através da fronteira franco-espanhola pelo túnel El Perthus têm de esperar pelo prolongamento do corredor mediterrânico até Valencia para ultrapassar o volume de tráfego atual: 28 serviços semanais por sentido para passageiros e 21 serviços semanais por sentido para mercadorias, estimando-se a capacidade do túnel em 50 comboios por dia e sentido (ver o site do gestor do túnel LFP
https://www.lfpperthus.com/servicios-comerciales#single/0 ).

Destacam-se os 5 serviços de ida e volta semanais do operador VIIA (grupo SNCF) de transporte de semirreboques por comboio entre o porto de Can Tunis/Barcelona e Bettembourg/Luxemburgo para sublinhar a urgência de preparar em Portugal esse tipo de transporte de modo a viabilizar a transferência para a ferrovia da carga rodoviária de exportação para a Europa além Pirineus (6,37 Mton segundo o INE no ano de 2022). 

Sublinha-se ainda a urgência de um plano coordenado entre Portugal e Espanha para a aproximação progressiva da bitola 1435mm dos portos nacionais, até porque é longo o prazo para elaboração dos projetos, obtenção do financiamento, concurso, construção e colocação em serviço. 

Sugestão de planeamento coordenado com Espanha para aproximação progressiva desde a fronteira francesa da bitola 1435mm até aos portos nacionais


Equívoco 3 - "O argumento de que a atual bitola constitui um obstáculo à concorrência está desfeito a partir do momento em que todos os grandes operadores europeus já atuam na Península Ibérica".

Passageiros: É conhecida a presença na rede de alta velocidade de passageiros espanhola, para além da RENFE, de grandes operadores europeus como a Ouigo/SNCF ou a Iryo/Trenitalia, mas que operam nas ligações para cidades como Alicante e Murcia mas apenas em bitola 1435mm. Mesmo após a conclusão do troço de alta velocidade Évora-Caia, em bitola ibérica, estes operadores não poderiam atingir Lisboa devido à bitola e à ausência do ERTMS. A RENFE disporá de 14 comboios S-730 de eixos variáveis e híbridos e 30 comboios S-130 de eixos variáveis para explorar a linha da Estremadura, pelo que seria possível  destinar dois  S-730  para 1 comboio por dia e sentido na ligação Madrid-Lisboa (se no troço até Lisboa fosse instalado o equipamento de via ERTMS, uma vez que não será expetável que se instale o equipamento CONVEL ou STM a bordo dos comboios espanhois) . 

Mercadorias: desconhece-se a presença de grandes operadores nos serviços de mercadorias na rede de bitola ibérica para além da MEDWAY/MSC e da Captrain/SNCF. Ser diferente a bitola ibérica da rede de 11.000 km espanhola  relativamente à rede europeia significa que na península ibérica o mercado é assimétrico, isto é, coloca os operadores europeus que não tenham adquirido empresas locais (como o fez a MEDWAY comprando a CP Carga ou a Captrain comprando a Takargo) em situação de desigualdade, contrariando assim o princípio da concorrência e suscitando a concentração como comprova a aproximação entre a MEDWAY  e a RENFE Mercancias (previamente 67% da quota do mercado espanhol).

Conforme reconhece o próprio MITMA, a baixa quota modal do transporte de mercadorias em Espanha (4%) tem como causas a demografia e a desadequação da rede de bitola ibérica, com troços de via única sem cruzamentos para comboios de 740m, não eletrificados, não equipados com ERTMS, sem terminais intermodais eficientes, sem caraterísticas de atração dos operadores estrangeiros como a DB Cargo, cujo grupo integra a Transfesa,  reconhece no seu site  ( ver https://network.dbcargo.com/network-en ) :  "With the expansion of the european standard gauge to Barcelona, it is no longer necessary to change axles at the spanish border. In this way, trains can travel directly to the mediterranean metropolis and easily reach the only spanish port facility in the standard gauge network"  o que implica, enquanto a bitola 1435mm não for prolongada até Valencia, a necessidade de transporte para "various spanish economic centers by means of reloading, axle relocation or truck on-carriage".

Em resumo, não parece desfeito o argumento, a bitola não é o único obstáculo, mas é um obstáculo. 

Para sairmos desta situação e aumentar a quota modal da ferrovia, é essencial espanhois e portugueses desenvolverem em sintonia com o regulamento TEN-T e de forma coordenada o plano referido acima de aproximação da bitola 1435mm dos portos atlânticos, revendo simultaneamente o PFN para assumir o que está inscrito no próprio PFN: "A criação de ligações ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis vantagens no transporte de mercadorias internacional de longa distância, contribuindo para melhorar a competitividade das exportações portuguesas".


terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Catálogo de alternativas para travessia do Tejo para serviços de metropolitano/suburbano da AML e da linha AV Porto-Lisboa-NAL-Madrid

CATÁLOGO DE ALTERNATIVAS PARA TRAVESSIA DO TEJO PARA SERVIÇOS DE METROPOLITANO/SUBURBANO DA AML E DA LINHA AV PORTO-LISBOA-NAL-MADRID

(elementos para participação na consulta pública  aeroparticipa da CTI em dez2023)

1 – circular externa da AML para serviços metropolitano e suburbano


 

2 – Linha AV Porto-Lisboa pela margem direita traçado RAVE

2.1 – Estação AV Lisboa no AHD


 2.2 – Estação AV Lisboa na Gare do Oriente


 

 3 – Linha AV Porto-Lisboa pela margem esquerda

3.1 – Traçado CTI

3.1.1 – Estação AV Lisboa no AHD

 


 3.1.2 – Estação AV Lisboa na Gare do Oriente

 

3.2 – Traçado alternativo (ZPE do estuário do Tejo)

3.2.1 – Estação AV Lisboa no AHD

 

3.2.2 – Estação AV Lisboa na Gare do Oriente

 

  

4 - Hipótese túnel sob o Tejo




Particularização do ponto 2.1, hipótese 2 – Trancão-Alcochete

Linha AV Porto-Lisboa pela margem direita traçado  RAVE, estação AV Lisboa no AHD



travessia Trancão-Alcochete no limite da reserva natural do estuário do Tejo; estação principal AV Lisboa no AHD em “cul de sac”; ilha artificial separando um troço em ponte e outro em túnel e separação da linha AV da linha suburbana/metropolitana; a azul circular externa  da AML com travessia Trafaria-Algés


Particularização do ponto 2.1, hipótese 1 – Beato-Montijo

Linha AV Porto-Lisboa pela margem direita traçado RAVE, estação AV Lisboa no AHD

 

travessia Beato-Montijo; estação principal AV Lisboa no AHD; a azul linha circular externa  da AML com travessia Trafaria-Algés

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Causa Nossa: Aplauso (33): Uma revolução ferroviária

Causa Nossa: Aplauso (33): Uma revolução ferroviária: 1. A grande notícia da semana foi a decisão de abrir o concurso para a 1ª fase da linha ferroviária de alta velocidade (TGV) entre o Porto e...

Caro Professor
Partilho do seu entusiasmo pelo desenvolvimento da ferrovia, mas estou convencido de que o projeto apresentado é como a síndroma da criança que esperava um brinquedo sofisticado e recebeu um boneco de plástico sem peças móveis. Trata-se da expansão da rede existente, sem atender aos requisitos da regulamentação comunitária vinculativa de integração na rede única ferroviária interoperável (regulamento 1315 em fase de aprovação da revisão), Ficará assim muito difícil o objetivo de transferência para a ferrovia dos passageiros de avião de e para Madrid , bem como a transferência da carga rodoviária de exportação para além dos Pirineus. O problema é que todos os partidos "engoliram" as justificações do governo e da IP. Ao menos que se constitua uma "comissão técnica independente" para a revisão profunda do Plano Nacional Ferroviário

sábado, 6 de janeiro de 2024

O acidente no aeroporto de Haneda, Toquio em 2jan2024

 

Em memória das vítimas do acidente, com aplauso para o comportamento da tripulação do A-350 e dos passageiros


O aeroporto de Haneda, apesar da sua pista maior ter apenas 2,6km,  consegue assegurar os seus níveis de serviço graças às 4 pistas e à abundancia de caminhos de circulação e de posições de estacionamento. Talvez por isso seja difícil para pilotos que não conheçam o aeroporto, como terá sido o caso no avião da guarda costeira, movimentarem-se em condições de escuridão, com muitas luzes de sinalização a piscar. 

Provavelmente, em conformidade com o registo das comunicações da torre de controle com os aviões,  o acidente terá ocorrido por ultrapassagem do limite da entrada na pista 34R e não reconhecimento pelo piloto do avião militar que já se encontrava na pista principal. Parecerá então que seria útil um sistema de deteção longitudinal de ocupação da pista e a revisão da utilização do aeroporto por serviços distintos uns dos outros.

Espera-se portanto que a comissão de inquérito produza recomendações para minimizar os riscos na operação de aeroportos com muito movimento. Além disso, conviria esclarecer se os materiais atualmente usados nas fuselagens para reduzir o peso e portanto o consumo de combustível são adequados para a ocorrência de colisões geradoras de incêndios. No caso do A-350, os componentes são 53% materiais compósitos (ardem a 200ºC), 19% ligas de alumínio e lítio (metais que fundem a 660ºC e 180ºC respetivamente), 14% titanio e 6% aço. No caso de comboios que tenham percursos em túneis, o uso de alumínio , lítio e materiais compósitos é formalmente contraindicado, apesar da contrapartida de maior consumo de energia. No caso dos autocarros e veículos automóveis, para além dos risocs em caso de incêndio, existe a menor resistência às colisões. Mas repito, no caso dos aviões, convem que sejam as comissões de inquérito a pronunciar-se.



vista geral do aeroporto com 4 pistas, assinalado o provável ponto de colisão; notar a profusão de caminhos de circulação e de posições de estacionamento; as pistas são curtas, sendo a 34R, a do acidente, a maior (16L/34R) com 2,6km mais 2 caminhos de 300m nas extremidades com a mesma orientação; pista 16R/34L com 2,5km; pista 04/22 com 2,5km; pista 05/23 com 2,5km

vista 
      vista do início da pista principal 34R com indicação provável do ponto de colisão e do ponto de  
                    espera C5
vista aumentada do ponto de espera, admitindo-se que na escuridão e a profusão de luzes de sinalização o piloto do avião da guarda costeira não tenha reconhecido a fronteira entre o caminho de circulação e a pista 34R; o aeroporto tem muitas posições de estacionamento e caminhos de circulação, pelo que para quem o não conheça uma deficiência nos limites da pista tem riscos; será desejável um sistema de deteção longitudinal de ocupação da pista  


Informação recolhida:

https://www.bbc.com/news/world-asia-67874607

https://airwaysmag.com/runway-incursions-causes-mitigation/

https://www.eldiario.es/internacional/theguardian/avion-accidentado-aeropuerto-tokio-no-exploto_1_10809661.html

https://cnnportugal.iol.pt/japao/toquio/primeiras-transcricoes-dao-pistas-sobre-o-acidente-aereo-em-toquio-mas-ha-contradicoes/20240103/65955833d34e371fc0bb8be4

https://rr.sapo.pt/especial/mundo/2024/01/02/colisao-de-avioes-no-aeroporto-de-toquio-o-que-se-sabe/361114/

https://en.wikipedia.org/wiki/Airbus_A350

https://airwaysmag.com/runway-incursions-causes-mitigation/

desenvolvimento de tecnologias para deteção de incursões na pista:

https://www.euractiv.com/section/aviation/news/runway-safety-concerns-in-focus-as-japan-probes-tokyo-crash/?utm_source=Euractiv&utm_campaign=30946a45c9-RSS_EMAIL_CAMPAIGN&utm_medium=email&utm_term=0_24f4b280c0-4bcbb69aad-%5BLIST_EMAIL_ID%5D






O financiamento da linha de Alta Velocidade segundo o senhor primeiro ministro

 

O senhor primeiro ministro aproveitou a visita ao novo túnel do metro Estrela-Santos para avisar que o concurso da nova linha Porto-Soure tem de ser lançado até 30 de janeiro para podermos beneficiar do financiamento CEF (Connecting Europe Facility) porque seria uma prova de que o projeto "tem maturidade", condição para receber o financiamento. Curiosamente, quis justificar o lançamento do concurso por a linha ter um consenso alargado e o plano de investimentos na ferrovia ter sido aprovado por 3/4 da Assembleia da República. Curiosamente porque estava exatamente numa obra em que só o seu partido votou pela sua realização em detrimento das ligações do metro às periferias. Por outras palavras, o verdadeiro argumento é o que queremos, não o seu peso (ou ainda dito de outro modo, as decisões tomam-se em função da perceção da realidade, não dos argumentos técnicos sobre a ferrovia):  

https://www.dnoticias.pt/2024/1/2/388617-costa-adverte-que-tgv-tem-de-avancar-ja-e-que-nem-paises-ricos-desperdicam-750-milhoes/

Comentários:

1 - efetivamente, a maturidade de um projeto é condição para a Comissão Europeia aprovar uma candidatura ao CEF, incluindo o seu processo de contratação (critérios de seleção na pág.21 do convite para candidaturas ao CEF transporte-fundo de coesão:   https://ec.europa.eu/info/funding-tenders/opportunities/docs/2021-2027/cef/wp-call/2023/call-fiche_cef-t-2023-corecoen_en.pdf ), mas as candidaturas são para estudos e obras da rede TEN-T "core" definida pelos regulamentos comunitários e implicando o respeito pelos requisitos de interoperabilidade (pág.12 do documento convite). O concurso que se pretende lançar em janeiro de 2024 será apenas um troço da linha Porto-Lisboa que os regulamentos comunitários querem pronta em 2030, não sendo portanto uma ligação completa, ou será um concurso para a elaboração do anteprojeto e caderno de encargos para a execução da obra (eventualmente exploração e manutenção) ? 

2 - a falta de respeito pelos regulamentos comunitários tem sido uma estratégia sistemática dos governos do senhor primeiro ministro, patente nas cimeiras luso espanholas ao atribuir a prioridade à ligação Porto-Vigo (prevista nos regulamentos para 2040) em detrimento de Porto-Lisboa-Madrid, previsto para 2030. Não é portanto compatível com a legislação europeia a afirmação do senhor primeiro ministro que a prioridade é Porto-Vigo 

3 - outras manifestações dessa falta de respeito estão na insistência em manter a bitola ibérica e o sistema CONVEL/STM nos projetos da alta velocidade quando os regulamentos são explícitos em que na linha Lisboa-Porto deverá estar a bitola UIC em 2030 e ser abandonado até 2040 o sistema anterior ao ERTMS (pág.12) . Para obtenção de financiamento, os governos do senhor primeiro ministro têm insistido no expediente de pedir isenções à Comissão Europeia através de adiamentos dos prazos fixados nos regulamentos de instalação da bitola UIC. Isto é, pretende fazer da exceção regra em vez de assumir, como em Espanha, a gestão independente de duas redes, uma a existente em bitola ibérica, e outra construída de raiz com os requisitos da interoperabilidade em bitola UIC e ERTMS facilitando as exportações para a Europa além Pirineus e reduzindo as emissões na ligação Lisboa-Madrid por substituição das viagens aéreas.

4 - a comissão europeia, através da CINEA (Agencia europeia do clima, infraestruturas e ambiente), aceita até 30 de janeiro de 2024 candidaturas para financiamento de estudos ou obras para desenvolvimento das redes transeuropeias de transporte (vias fluviais, portos marítimos, ferrovia, estradas). Prevê-se para o fundo geral 2650 milhões de euros (taxa de comparticipação 50%) e para o fundo de coesão (pág.14) 2800 milhões de euros (pág.23: taxa máxima de comparticipação 85%). Para a ferrovia é  dada prioridade (pág.12 do documento convite referido acima) às ações para as ligações transfronteiriças,  eliminação de missing links,  circulação de comboios de 740m, intermodalidade com a rodovia (transporte de semirreboques por comboio) e vias fluviais. Aparentemente, por o troço Porto-Soure não ser transfronteiriço nem preencher um missing link, terá dificuldades em ser selecionado para financiamento

5 - conforme a pág.15 do documento convite  são documentos obrigatórios na candidatura: o orçamento, o planeamento em gráfico de Gantt, a análise de custos benefícios e a avaliação ambiental. Na pág.22 limita-se a 5 anos a duração máxima das obras.  Dado que o troço Porto-Soure não tem a capacidade atrativa da linha Porto-Lisboa completa, que não se prevê s sua execução em menos de 5 anos, e que o facto de ter bitola ibérica configura uma discriminação relativamente a operadores que não disponham do material circulante respetivo (pág.9), provavelmente terá dificuldades em ser selecionado

6 - reconhece-se que é muito extenso o trabalho requerido para a execução dos traçados previstos nos regulamentos comunitários para a rede TEN-T em Portugal, incluindo a coordenação com Espanha, nomeadamente nos troços para Madrid, Salamanca e Irun. Num debate em setembro de 2023 na Ordem dos Engenheiros, foi afirmado por um representante da IP que esta não tinha recursos para executar rapidamente os estudos e anteprojetos necessários. Sugere-se, em vez do recurso sistemático ao pedido de isenções, a dinamização do mercado de gabinetes de engenharia e a formalização junto da Comissão Europeia, através do coordenador do corredor atlântico, de um pedido de assistência técnica. Não faltam outros tópicos de estudos para submeter candidaturas ao CEF Transporte, reformulação do PFN e PNI2030 para conformidade com as redes TEN-T interoperáveis, reformulação da mobilidade nos planos regionais das áreas metropolitanas, fixação da ligação de AV entre Soure e Lisboa, incluindo a quadruplicação da linha suburbana em túnel Alhandra-Vila Franca de Xira, terceira travessia do Tejo, serviço do NAL pela linha AV Lisboa-Madrid ... nisto se concorda com o senhor primeiro ministro, é urgente avançar ...








quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Acidentes rodoviários na A2 ao km85 em dezembro de 2022 e na A1 ao km 167 em janeiro de 2024

 

Em recente edição do  programa Linha aberta, da SIC,  foi dito que não tem sido divulgada informação adicional sobre o acidente ao km85 da A2, no sentido N-S, que vitimou Cláudia Isabel. Isto é, o processo de inquérito estará parado ao fim de mais de um ano.

Voltar ao tema será sempre violentar a mãe de Claúdia Isabel, que entretanto perdeu a própria mãe e em entrevista em outubro de 2023 disse que não tinha conhecimento do resultado da autópsia.

No entanto, como já referido, é importante que se esclareçam todas as questões do acidente para reduzir a probabilidade de repetição.

Nesta perspetiva, parece-me importante que sejam esclarecidas as seguintes questões e aplicadas as recomendações respetivas:

1 – qual foi o resultado da autópsia? A vítima faleceu ou estaria desmaiada antes do despiste? Ou faleceu em consequência do embate na vala? Tinha o cinto de segurança posto? Os vestígios de travagem junto do km85 pertenciam ao smart da vítima? Estes esclarecimentos são necessários para se saber se a existência de rail de segurança ou de um talude de inclinação menor poderia evitar a morte.  

2 – existem grandes extensões da autoestrada sem rail de segurança do lado exterior. Se a morte ocorreu após o despiste essa terá sido uma circunstancia que contribuiu para ela em grande parte. Curiosamente, mais ou menos na mesma altura outra cantora teve um acidente semelhante, tendo saído da autoestrada mas após bater em rails de segurança que amorteceram a colisão e salvaram a vida da senhora

3 – uma simulação em que se supõe como 180 km/h a velocidade do veículo que embateu no smart e 50km/h a velocidade deste no momento do embate conduziu à velocidade resultante de 70 km/h e a uma aceleração brusca inferior a 2G, que em princípio não será responsável pela morte do condutor, até porque o banco do smart tem proteção contra este golpe. O inquérito apurou as velocidades após o embate?

4 – mesmo que não se venha a provar que a morte de Cláudia Isabel se ficou  a dever à ausência de rail de proteção na zona do despiste, isso não invalida que os operadores das autoestradas devam equipar os troços com falta de rails. Para se ter uma ideia da gravidade dessa ausência para um despiste a 70km/h e colisão com o talude, ela equivale  a uma queda a partir duma situação de repouso, duma altura de 20 metros (para um despiste a 120kmH, a altura de queda equivalente a partir do repouso seria de 55 metros)

5 – no primeiro dia de janeiro de 2024, mais um trágico acidente com a morte da mãe das duas crianças que com ela viajavam, ao km 167 na A 1 no sentido norte-sul junto da povoação de Gasconho  (ver imagem Google earth abaixo). Tudo indica que o despiste foi antes do rail de proteção sobre o túnel da estrada secundária que cruza a A1, num intervalo entre rails de proteção com 130m. O carro depois do despiste ter-se-á deslocado cerca de 150m com um desnível de 10m capotando sobre uma conduta de escoamento de águas pluviais. A ausência de rails é inadmissível.

 

Em resumo, numa altura em que a Comissão Europeia constata o nível inadmissível da sinistralidade rodoviária em toda a União (dados de 2022: média da UE 46 mortes por milhão de habitantes; Roménia 86; Bulgária 78; Portugal 63) e mantem o objetivo de redução a zero até 2050, é importante a rápida conclusão dos inquéritos deste tipo de acidentes com todas as variáveis  e a divulgação das recomendações.

 

 

Notas

1 -: anterior comentário ao acidente de Cláudia Isabel:

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2023/01/o-acidente-ao-km-85-na-autoestrada-para.html

 2 - Acidente ao km167 na A1 em 1jan2024:

a seta indica o provável ponto de despiste seguindo-se o deslizamento por um declive com conduta para escoamento e com desnível de 10m até à imobilização; o gráfico mostra o perfil do percurso

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Sobre a resolução para mitigação dos constrangimentos do AHD

Parece-me positiva, comparando com as políticas dos ministérios de infraestruturas anteriores, a abordagem do contrato de concessão traduzida por esta resolução. É inegável a preparação e a capacidade técnica do senhor secretário adjunto, apesar de limitado pelas orientações políticas superiores, conforme comprovado no PFN que não cumpre os requisitos de interoperabilidade das redes transeuropeias TEN-T.

Mas também me parece que ainda há fragilidades na interpretação das cláusulas, especialmente dos anexos. Evidentemente que pode ser consequência das minhas limitações jurídicas, mas a interpretação jurídica, como qualquer interpretação, é sempre uma perceção da realidade e esta pode ser diferente.

Ligação para a resolução:

https://files.diariodarepublica.pt/1s/2023/12/24900/0008000084.pdf

Comentários, a inserir na contribuição para a consulta pública do relatório da CTI:

1 - investimentos pela ANA - o contrato não  define  a relação entre o crescimento da procura no AHD e o nível de investimentos pela concessionária ANA, mas diz claramente que esta deve fazer os melhores esforços para isso. Só que diz o mesmo para o concedente ao definir procedimentos de apreciação e negociação de relatórios (ex: clausula 17.3) e do plano estratégico (clausula 21) a elaborar pela concessionária, e os sucessivos ministérios têm sido incapazes de se coordenarem com a concessionária e dar-lhe condições para executar as medidas de desenvolvimento especificadas no anexo 9. Em vez disso preferiram o memorando de entendimento  da solução Portela+1 como alternativa ao NAL ignorando o estabelecido na clausula 42.3 (a alternativa deverá ser mais eficiente do que o NAL especificado no anexo 16 : 90 mov./h no NAL contra 48+24 mov./h em Portela+1)

2 -  parece que a urgencia da ANA na construção do terminal sul (pier 1) estará diretamente relacionada com a supressão da pista 17/35 efetivada em 2019  para obter mais lugares de estacionamento  (a orientação da 17/35 era a ideal para as ocorrências de vento forte de NW). A justificação apresentada na altura foi "permitir o sucesso das obras e a melhoria do estacionamento e da circulação", o que , passados 4 anos, não garantiu nem a conclusão das obras nem a boa classificação  do aeroporto no ranking internacional. Aparentemente tanto o relatório da CTI    https://aeroparticipa.pt/relatorios/relatorio_AHD.pdf     como esta RCM  classificam agora como ação mais urgente a mitigação das dificuldades de processamento de passageiros e de circulação e estacionamento de aviões com a construção do pier 1, em vez da construção imediata do taxiway paralelo ao troço U, do lado norte e nascente da pista, pelo menos até à soleira da pista 20 (21) para eliminação da necessidade de atravessamento da pista pelos aviões widebody (julgo que a completa operacionalização do sistema Topsky/e-merge decorrerá sem interferência com o planeamento das obras eventualmente à exceção da construção de uma nova torre de controle ou remodelação profunda da existente). 

3 - relacionada com o ponto 2 está a questão da remodelação da placa 80 e a desafetação do terminal militar, parecendo continuar a haver alguma indefinição que o relatório da CTI não veio resolver completamente. A desafetação deveria ser completa sem as reservas- de prioridade e gratuitidade para a força aérea do ponto 6 da resolução, devendo a desafetação coincidir com a transferência para uma base militar (Montijo, Tancos, Sintra) incluindo os voos da Presidência da República e dos ministros. (o acidente de 2jan2024 no aeroporto de Toquio vem mostrar tragicamente que num aeroporto de tráfego civil intenso a partilha com serviços de natureza e rotinas diferentes é incompatível com a segurança)

4 -  o ponto  9.c da resolução, de prestação pela concessionária de uma remuneração por expetativa de aumento de receitas, parece de difícil justificação, a menos que se considere como penalização por ter deixado degradar os níveis de serviço vinculativos pelo anexo 7 (embora mesmo assim a responsabilidade do concedente possa ser atribuída). Tratar-se-á então de um assunto para a comissão de negociação referida no ponto 9 da resolução que estudará com  urgência a relação entre a futura utilização da área a desafetar, conforme a planta do anexo II da resolução, e da área imediatamente a sul da plataforma 80, e a construção do pier sul (aliás uma das sugestões do relatório da CTI como revisão da remodelação do terminal 1).

5 - sendo a justificação da construção do pier 1 o congestionamento do terminal 1 existente, sugere-se a instalação de balcões de check-in e despacho de bagagens nalgumas estações de metro e a estruturação do transporte de bagagens para os aviões, o que aliviaria o movimento no terminal 1 

6 - anexo 1 da resolução - inclui as obrigações específicas de desenvolvimento do AHD pela concessionária, conforme o anexo 9 do contrato, e que como referido ficaram suspensas devido à descoordenação entre concedente e concessionária, sendo indispensáveis para o aumento da capacidade do AHD (de 38 para 46 mov./h); a questão não é evidente porque no  anexo 9 não foi incluído o desenho das intervenções, apenas designações das obras que podem suscitar interpretações distintas:

6.1 - entradas  múltiplas na pista 2 (3) de modo a reduzir o tempo de circulação para os aviões com embarque do lado sul 

6.2 - remodelação dos curbsides (conclusão prevista 2025)- julgo que se refere às zonas de chegadas e de partidas nos acessos de e à rodovia. Aparentemente, o acesso ao pier 1 seria menos fluido em termos de acesso rodoviário do que  a ampliação do terminal 1 existente para o parque de estacionamento imediatamente a norte, ou a construção de novo terminal 3. Note-se que a resolução nada diz sobre a proposta da CTI para este terminal 3 com ligação ao taxiway novo paralelo ao troço U, que implicaria a demolição do  hangar da força aérea e as expropriações de armazéns. Sugere-se, como medida para melhoria do acesso e saída dos passageiros ao e dos terminais o projeto de uma ligação tipo people mover ligando os 3 terminais e, do lado poente, ligando à estação de metro do Campo Grande, e, do lado nascente e norte, à estação da CP de Sacavém

6.3 - saídas rápidas da pista 2 (3) (conclusão prevista 2026) - esta é, julgo, a medida essencial para aumento da capacidade do AHD em conjunto com a construção do taxiway paralelo ao troço U, aliás previsto pelo Eurocontrol (pág.25 do relatório do AHD da CTI). Discorda-se da anotação, no anexo 1 da resolução, de que devem ser executadas sem recurso à plataforma 80 e à área desafetada do aerodromo AT1 porque a rápida saída do novo taxiway para essas áreas  melhoraria a fluidez do tráfego; a descrição desta intervenção, que exige um aterro significativo, encontra-se nas páginas 142 a 144 do livro "Grandes projetos de obras públicas" de Pompeu Santos, ed.Scribe 2019.

6.4 - entradas múltiplas na pista 20 (21) (conclusão prevista 2027) - ação complementar da anterior (saídas rápidas da pista 2(3)) com a mais valia de, iniciando a corrida para a descolagem junto da soleira na extremidade norte da pista, afetar com menos ruído a cidade  (recordo o incidente do arranque mais a sul da pista com as coordenadas da extremidade norte, o que levou a uma descolagem a poucos metros de altura relativamente à avenida do Brasil) 

6.5  - expropriação de armazéns (conclusão prevista 2025) - ação simultânea com o arranque das ações dos pontos 6.3 e 6.4 e cuja definição ficou difusa no contrato, esperando-se equilíbrio na negociação concedente-concessionária prevista

7 - obrigações de desenvolvimento não especificadas no contrato mas listadas no anexo 1 da resolução:

Embora o texto da cláusula 17 possa subentender quaisquer medidas que contribuam para o desenvolvimento do AHD, contrariamente ao que é dito no segundo quadro do anexo 1 as seguintes medidas não são especificadas na cláusula 17 (que remete o desenvolvimento por conta e risco da concessionária para o contrato, a lei aplicável, o anexo 9, o crescimento da procura, o nível de serviço, as boas práticas e o plano estratégico, tudo monitorizado através de relatório anual da concessionária)

7.1 - ampliação do terminal 1 com o pier sul (conclusão prevista 2027) - reitero que desde o fecho da pista 17/35 já tinha havido tempo para iniciar a obra, o que será da responsabilidade mútua de concedente e concessionária entretidos com a hipótese não prevista no contrato Portela+Montijo. Sem querer atrasar ainda mais a obra, justificada pelas dificuldades de circulação e atendimento dos passageiros nos terminais, deverá a comissão de negociação comparar esta solução com a ampliação do terminal 1  para norte através do parque de estacionamento e com a construção do terminal 3 e aproveitamento da plataforma 80 e da área desafetada do AT1.

7.2 - plataforma de estacionamento sul (soleira da pista 35) (conclusão prevista 2027) - obra complementar de 7.1; critica-se a não realização desta intervenção 4 anos depois do fecho da pista 17/35 com as respetivas consequências operacionais negativas

7.3 - remodelação interior do terminal 1 (conclusão prevista 2026) - desconhece-se o projeto e se houve divulgação deste

7.4 - ampliação do corpo central do terminal 1 (conclusão prevista 2029) - desconhece-se o projeto e se houve divulgação deste (será a ocupação do atual parque de estacionamento a norte do terminal 1?); considero pertinentes as considerações no relatório de curto prazo da CTI, nomeadamente se o volume de investimento é compatível com o período de amortização subordinado  à evolução da procura determinante de uma nova pista ou de duas novas pistas no local do NAL  e a uma eventual data de fecho do AHD ou da sua limitação a 2 mov./h  (2035?).

8 - pequeno exercício sobre evolução das receitas e sua partilha conforme a cláusula 27 do contrato - partindo da receita de 2022 de 903 milhões de euros, se não houver crescimento da procura o total da partilha de receitas com o concedente será de 2023 a 2062   1806 milhões de euros (recordo o pagamento inicial pela concessionária de 1200 milhões mais a dívida anterior da ANA perfazendo 1900 milhões). 
Para um crescimento de 0,5% ao ano a receita em 2062 seria 1102 milhões e o total de 2023 a 2062 seria 2073 milhões.
Para um crescimento de 1,0% ao ano a receita em 2062 seria 1344 milhões e o total de 2023 a 2062 seria 2383 milhões


Em resumo: a execução da resolução tem algumas indefinições para resolver na negociação prevista, nomeadamente a pormenorização das obras a desenvolver, a sua calendarização, a ponderação da sua oportunidade em função da eventual data de encerramento ou redução drástica do tráfego do AHD, eventuais compensações para o concedente ou para a concessionária e , naturalmente, o acordo sobre o NAL e sua execução conforme o contrato e anexos ou alteração.