domingo, 29 de dezembro de 2019

Do Palácio da Ajuda à Biblioteca Municipal do Porto

Para evitar complicações com a Justiça, que como se sabe é um dos esteios do progresso do nosso país, embora pareça não aplicar nenhuma das 85 medidas corretivas ventiladas numa sessão de abertura de um ano jurídico com o presidente da República, começo por declarar que os dois episódios a seguir comentados se desenrolaram no estrito cumprimento do ordenamento jurídico existente, não tendo portanto sido violada qualquer legislação.

Decorrem as obras de uma dita ampliação do palácio da Ajuda. O projeto tinha sido sujeito a concurso público há alguns anos. Passados os anos da troika e começando a cair do céu os dinheiros das taxas turisticas, foi entendido lançar a obra mas aproveitando o concurso anterior.


Mandaria a prudencia repetir o concurso atendendo ao tempo passado, seria uma forma tácita de dizer ao premiado que tinha feito um projeto demasiado datado, que a moda das fachadas à la CGD já tinha passado, e que pensando melhor, mais valia reformular o concurso que não devia ser apenas um fecho de uma fachada, passe a redundancia, mas uma ampliação a sério (repare-se na largura de cada lado dos torreões nascente, e compare-se com os novos torreões, a que possivelmente chamarão agora outro nome), implicando a remodelação a sério de toda a área, deslocalizando o que fosse necessário do quartel da GNR, da calçada da Ajuda e da rede de elétrico. Isto é, haveria que fazer um projeto integrado, incluindo a problemática da mobilidade urbana,  muito para além do dito fecho. O que justificaria um novo concurso. Mas possivelmente quem o decidisse seria acusado de perdulário, pese embora as tais taxas turisticas abundantes.
https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/lisboa-duplica-verbas-para-concluir-obras-no-palacio-da-ajuda-descobrimentos-ficam-a-zero

E como juridicamente nada há a objetar à recuperação do primitivo concurso, assim se fez, aliás de modo semelhante ao que se passou no S.Carlos, quando se perdeu a oportunidade de lançar um concurso público internacional que permitisse ao S.Carlos colaborar com os teatros, não necessariamente de primeira linha, mas que fazem produções de ópera segundo critérios mais arejados do que os tradicionais (entretanto está a correr um processo de impugnação por quem se sentiu prejudicado na avaliação, considerando as competencias desejáveis para o cargo
https://www.publico.pt/2019/12/24/culturaipsilon/noticia/musicologo-pede-tribunal-impugnacao-nomeacao-elisabete-matos-teatro-sao-carlos-1898328. )

E de Lisboa vamos para o Porto, para a biblioteca  municipal
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/73483
Não sei se terá havido anteriormente um concurso para a criação de uma sala infantojuvenil, há pouco menos de 30 anos, a cargo de um arquiteto de nomeada. Mas a pressão para a beneficiação e ampliação do convento onde se encontra a biblioteca, de Santo António da Cidade, devidamente estribada em douto parecer juridico, permitiu à câmara do Porto adjudicar por ajuste direto ao dito arquiteto de nomeada.
https://www.keep.pt/2018/11/07/camara-do-porto-vai-reabilitar-biblioteca-publica/
De facto, quem sou eu, ignorado admirador da ópera de Sidney e do procedimento de seleção do governador do banco de Inglaterra, ambos por concurso público internacional, para discretear sobre as questões juridicas que entregam a obra ao senhor arquiteto. Mas vem-me à memória aquela história , julgo que de Pirandello, em que o vendedor de automóveis quer que o potencial interessado no carro o compre porque premiu a sua buzina. Julgo que o que motivou a história não era uma adjudicação de uma obra pública, mas será aplicável.

Tanto no caso de Lisboa como do Porto, sem contestar a qualidade formal dos doutos pareceres juridicos, penso que é aplicável a intenção com que Pacheco Pereira escreveu o seu artigo "O tecido económico e social português":
http://publico.newspaperdirect.com/epaper/viewer.aspx


Parabens, metropolitano



São 60 anos de exploração, após uma gestação de alguns anos.
Gostei muito de ter estado contigo e com todos os que ajudaram a melhorar a mobilidade de Lisboa. Ainda conheci alguns dos que estiveram desde o princípio, com quem não aprendi tudo, por culpa minha, do que sabiam, que deixaram escritos numa biblioteca preciosa, que implantaram uma cultura de segurança que não havia na altura, testemunhei isso. Até ajudámos na prática a tecnologia francesas a desenvolver os dispositivos de travagem automática por ultrapassagem de sinais proibitivos que os conceitos de segurança só impuseram em França nos anos 70 do século XX. E nunca envergonhámos a nossa casa nos contactos com os metros estrangeiros. Assim como assim, fomos rápidos a introduzir o controle por computador da sinalização nas zonas de manobra, a introduzir as centrais telefónicas de comutação temporal, as radiocomunicações em túnel, a condução automática (há 20 anos) , o controle eletrónico da tração e a recuperação de energia por travagem...
Todos com quem trabalhei também demonstraram que é possível construir coisas úteis, por mais complexas que tecnicamente sejam, somos capazes de coordenar e planear esforços, e que podemos resistir a agressões como as dos emissários da troika, com aquela ideia da privatização da operação e da nacionalização dos prejuízos, ou outras agressões como a privação de verbas para encomendar peças de substituição, que tanto prejudicaram os passageiros, ou como a imposição de planos de expansão sem ouvir o que diz a Assembleia da República. Mas o metro vai ultrapassar isso.
Parabens, jovem metro.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

A Pascoa de 1998 no metropolitano de Lisboa

Passámos o sábado de Pascoa de 1998 em ensaios. Testaram-se todos os sinais e aparelhos de mudança de via, todos os itinerários no término de Cais do Sodré. Era urgente concluir os ensaios para termos pelo menos uma semana com os comboios a circular no troço novo e da Alameda ao Cais do Sodré, embora sem passageiros. Conseguimos acabar os ensaios no dia seguinte, domingo de Pascoa, dar luz verde à circulação dos comboios sem passageiros na segunda feira e abrir à exploração de passageiros em 18 de abril, sábado.
Conto este episódio a propósito da decisão de encerrar a exploração do metropolitano às 22:00 de dia 24 de dezembro de 2019, e retomá-la às 8:00 do dia 25, a pretexto da pouca procura. Não contesto a pouca procura, embora ela se reduza cada vez que se reduz a oferta (consequencia da lei de Say, um dos grandes economistas clássicos), mas há sempre quem precise de se deslocar e prefira o metro, ou comemorar fora de casa, ou apreciar o ambiente menos frio das estaçóes. Apenas por principio defendo o serviço todos os dias, sábados, domingos e feriados, com critérios de rotatividade do pessoal no que toca a feriados e fins de semana.
No sábado 11 de abril de 1998 acabámos tarde e algo desiludidos as circulações de ensaio com a locomotiva diesel e a carruagem de ensaio. A coisa não tinha corrido bem nos aparelhos de via do término. Combinámos ir descansar e retomar os trabalhos no domingo de manhã, domingo de Páscoa. Um de nós não terá ouvido bem e despediu-se, até segunda. Os ensaios estavam a ser acompanhados por um dos administradores do metro, que nessa altura, apesar de comissários politicos do partido no poder, se interessavam pela evolução das obras presencialmente (coisa que infelizmente não se verificou depois a partir de certa altura). E o administrador disse ao colega: se não vem amanhã não se preocupe em vir na segunda. Mas felizmente veio no domingo e correu bem, a coisa, no domingo de Páscoa, e pusemos os comboios a circular.
Penso que não devemos ser ortodoxos ou fundamentalistas no que toca aos rituais comemorativos religiosos.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

A ponte do Marujal


Depois das cheias no Mondego de 20 de dezembro de 2019, que puseram em dúvida a consistencia do aterro de um dos pilares, a ponte do Marujal continua encerrada. Não há comboios para a Figueira:



Travessia do viaduto a velocidade reduzida, antes das obras de reforço de 2017
https://www.youtube.com/watch?v=N-cwlN5J0hE

Entrada do viaduto de treliças. Notar os esticadores que percorrem toda a extensão do viaduto
vista do rio Arunca para o lado sul 
vista do Arunca para o lado norte, perto da sua foz no Mondego; uma das pontes da estrada 341
vista do viaduto a partir da referida ponte da estrada 341
vista aérea do viaduto, do rio Arunca e da estrada 341
a 500m a nascente do viaduto a linha e a estrada quase se tocam sem vedação ou proteção; exemplo das limitações orçamentais e de alguma falta de cultura da segurança que induz na população hábitos de risco no acesso á via 

o mesmo local visto da via férrea

Durante muitos anos o viaduto era atravessado a velocidade reduzida. Em 2017 foram realizadas obras de reforço do viaduto. Os comboios puderam então atravessá-lo a mais de 60 km/h.
Recordo a satisfação de duas senhoras, provavelmente professoras de Coimbra que aproveitavam as suas reformas para passarem o dia na Figueira. Riam e comentavam a felicidade de não ser preciso abrandar. Talvez essa imagem seja a mais sugestiva para tentar justificar uma rede metropolitana na área de Coimbra,, não a imagem de uma cena de deslocação para o trabalho, aliás frequente na linha Coimbra-Figueira, onde junto das estações se podem ver muitos automóveis estacionados enquanto os seus donos estão no trabalho, num exemplo de intermodalidade. Infelizmente falhou a capacidade de financiamento para desenvolver essa rede. Nem sequer se conseguiu repor a ligação ferroviária Coimbra-Lousã-Serpins, esperando pelo metrobus chegando numa manhã de nevoeiro (parece que se aguardam propostas de fornecimento dos autocarros elétricos), mas como pode desenvolver-se uma área metropolitana sem uma rede ferrovi+aria?
E assim chegámos às cheias de dezembro de 2019..A IP aguarda a descida das águas para avaliar a conveniencia de obras de reforço do aterro do pilar central, tão pouco tempo depois do reforço do viaduto treliçado.
Ligações que referem as preocupações com a necessidade de desassoreamento, de manutenção e de ampliação das infraestruturas de regularização da bacia do Mondego, que aliás já existiam no século XVIII, como se pode ver no alvará da rainha D.Maria I na Gazeta de Lisboa de 28 de março de 1791 que aprovou o plano e os procedimentos normativos para a construção faseada das estradas principais e da regularização do rio Mondego:

Contudo, alguma coisa se foi fazendo. As limitações de financiamento, as burocracias e a real carencia de meios técnicos e o desinvestimwnto na manutenção, como diz a Ordem dos Engenheiros, impedem as soluções mais corretas. Do projeto faziam parte 6 bombas no sifão de Montemor; apenas 1 funciona. Mas alguma coisa se foi fazendo: 
2018     https://www.noticiasdecoimbra.pt/coimbra-lembra-que-desassoreamento-do-rio-mondego-visa-evitar-cheias/
2019    https://www.noticiasdecoimbra.pt/rio-arunca-em-soure-e-montemor-o-velho-recebe-investimento-de-6-milhoes-de-euros/      


A submersão da linha do Norte em Alfarelos lado nascente deveu-se à subida do rio Ega, possivelmente, para além da subida do Mondego, por entupimento da sua passagem sob a linha. O rio Ega passa nas ruinas de Conimbriga:

onde se lê Egas dever´ler-se Ega

onde se lê Egas dever´ler-se Ega


Ver a descrição do aluimento na A14 em 2016 no rio Foja, afluente do Mondego na margem norte, um pouco a poente de Montemor o Velho:
https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=a14


Afluentes do Mondego na margem esquerda, da foz para Coimbra:
Pranto, Arunca, Ega e Ceira
na margem direita:
Foja, rio Velho (curso do Mondego anterior à sua canalização)/rio dos Fornos

ver (blogue de Rui Appelberg):
https://apontementos.wordpress.com/grid-page/bacia-do-rio-mondego/




https://www.publico.pt/2019/12/27/sociedade/noticia/barragem-fundamental-gerir-mondego-cancelada-2016-1898664

Correta análise da ordem dos engenheiros:
https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/bacia-do-mondego-ordem-dos-engenheiros-deteta-quatro-falhas-529945

Declaração do ministro do ambiente defendendo o curso livre do rio Ceira, sem especificar que métodos de engenharia natural recomenda (também a propósito da linha circular do metro disse que era ,muito boa porque a cidade abria-se para ela; do ponto de vista técnico, parece que as suas competencias estão desadequadas relativamente ao cargo que ocupa):
https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/governo-recusa-artificializar-caudais-dos-rios-para-travar-cheias-no-mondego

sábado, 21 de dezembro de 2019

Nós, portugueses

Nós, portugueses, somos assim. O cartaz está lá e diz claramente, Perigo, zona interdita.
Mas o senhor achou que podia chegar-se à beira do rio. Está lá também um jipe, na zona interdita.
Nós , portugueses, somos assim. Uma provável explicaçáo psicanalítica diria que por algum sentimento de inferioridade que temos de compensar precisamos de mostrar desprezo pelas normas de segurança. Pelas normas de segurança e quaisquer outras. Os estrangeirados não sabem desenrascar-se como nós, sem normas. Somos os melhores. Ou como dizia um estrangeiro, è muito bom saber improvisar, mas quando só se improvisa temos um problema. Estava lá o cartaz a interditar a zona. Porque não se cumpre? Porque não há campanhas contra o improviso e o desprezo pelas normas?

Com a devida vénia à SIC notícias


sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

As jovens do taekwondo






Fotografia publicada pelo Público. Devemos ficar gratos pela beleza da fotografia e das suas personagens, mas vejamos o que diz o dicionário Houaiss sobre a palavra "indígena":

-  relativo a ou população autóctone de um país ou que neste se estabeleceu anteriormente a um processo colonizador; relativo a ou indivíduo que habitava as Américas em período anterior a sua colonização por europeus; nativo; de latim indigena,ae gerado dentro da terra que lhe é própria; primeira referencia histórica da utilização do termo: 1552

As duas raparigas estarão a participar num espetáculo para turistas, para que as finanças da Guatemala não piorem? ou pertencerão a uma classe média alta e a um clube? Porque lhe chamou o Público "índigenas"? Terá sido uma subconsciente influencia da visita às reservas dos índigenas do Admirável Mundo novo? Mas não somos todos nós indígenas, naturais da terra? Então porque não escreveu simplesmente "jovens" esquecendo o folclore e o típico? Recordo o humanismo de Giuseppe Verdi, ao mostrar na sua ópera "A força do destino" a insânia do aristocrata espanhol ao julgar-se superior ao filho da princesa inca.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Sobre a gratuitidade dos transportes públicos


Conferencia do eng.Faustino Gomes, da TIS,  sobre "Tendencias para a gratuitidade do transporte público" em 25 de novembro de 2019 na sociedade de advogados SRS:

Citados os exemplos de Talin, Luxemburgo e Vargem Grande (Brasil/S.Paulo), a conclusão foi que a tendência será desejável, mas no atual contexto requer que se encontrem primeiro alternativas para o financiamento, para o necessário aumento da oferta sem degradação do serviço, contra eventuais efeitos no desemprego e na especulação imobiliária e que na sua implementação seja cumprida uma rigorosa monitorização dos resultados.

Comentário meu:

Foi uma agradável surpresa ouvir a análise lúcida pelo conferencista dos resultados das experiencias de gratuitidade já disponíveis e da problemática associada.
A gratuitidade pode ter sucesso em cidades não muito populosas. Mas será principalmente uma decisão politica, quiçá eleitoralista, que se sobrepõe à questão económica e financeira, e que requer as alternativas citadas pelo conferencista.

Dos resultados conhecidos para os primeiros meses no metropolitano de Lisboa, após o início do programa de redução tarifária, em que se prevê investir anualmente talvez 20 milhões de euros, e sublinhando que os números se referem a validações e não vendas de passes, estimou-se um aumento de 2% nas receitas e 8% na procura (dados posteriores indicam apenas 6%, mas é ainda cedo para ter certezas).
Vou tentar avaliar a evolução dos prejuízos no metro como consequência da redução tarifária, sabendo que em 2017 as receitas operacionais foram cerca de 155 milhões de euros , as despesas (incluindo juros e amortizações) 182 milhões de euros e o número de passageiros 162 milhões:

R1=n1.r1                 R2=n2.r2             C1=n1.c1         C2=n2.c2           P1=C1-R1         P2=C2-R2

Sendo
R1 a receita antes do programa de redução tarifária           R2 a receita depois do programa            r1   e    r2    as receitas por passageiro antes e depois do programa
C1 os custos antes do programa                                          C2 os custos depois do programa           c1   e    c2    os custos por passageiro antes e depois do programa
P1 e P2 os prejuízos antes e depois do programa

Fazendo  n2=1,08n1    e   R2=1,02R1      resulta   R2=n2.r2=1,08n1.r2       e   R2=1,02n1.r1           donde   1,08r2=1,02r1     e      r2=0,944r1

Isto é, a receita por passageiro diminuiu, sendo que se trata de um indicador de produtividade que só não pioraria se o número de km percorrido em média pelos passageiros subisse em compensação.  
É verdade que aumentando a indemnização compensatória (a contribuição do orçamento de Estado)  a nova receita poderá subir, mas o indicador de produtividade “indemnização compensatória por passageiro” também piorou.
Para os prejuízos antes e depois:

P2 = c2.n2 – r2.n2 = 1,08 n1.c2 – 1,02 n1.r1
P1 `= n1.c1 – n1.r1

Para que a redução tarifária não aumente os prejuízos terá de ser  

1,08 c2 – 1,02 r1 < c1 – r1

entrando com os valores referidos para a receita e a despesa, teremos para a receita por passageiro    r1=155/162 = 0,96 €/passageiro  ; e para os custos por passageiro   c1 = 182/162 = 1,12 €/pass.

1,08 c2 < 1,12 + 0,02.0,96
c2 < 1,055 €/pass.

ou

C2 / 1,08 n1 < 1,055
C2 < 1,08 . 1,055 . n1
C2 < 1,139 . C1 / c1

C2 < 1,017 C1

Isto é, para os valores considerados, para que os prejuízos não aumentem, é necessário que o custo por passageiro  diminua e o custo total não ultrapasse  mais de 1,7% o custo anterior ao programa. Isso será difícil, uma vez que o aumento de procura requer aumento da oferta com os consequentes aumentos de custos de operação, manutenção e energia.
Como conclusão parece legitimo dizer que se a gratuitidade parcial já pode aumentar os prejuízos e piora os indicadores de produtividade, então são de temer os efeitos da gratuitidade total.
Junto quadro de valores para vários parâmetros, indicando-se os limites a partir dos quais os custos terão de baixar para que o prejuízo não aumente.


                                    
Contra a ideia da gratuitidade total temos por exemplo a analogia com os gastos do Estado com a saúde e a educação, em que a gratuitidade é constitucionalmente definida como tendencial (art.64).
Gastos públicos com:
- saúde                                       5,5% do PIB / 12% da despesa pública
- educação                                 3,2%     «      /    7%           «
- infraestruturas e ambiente      4,8%      «      /   5%           «
- segurança social                   10%         «      /  21%           «
É razoável para um país desenvolvido ter uma despesa pública anual com  investimentos em infraestruturas da ordem de 2 a 3% do PIB. Para uma área metropolitana como a de Lisboa, contribuinte para o PIB em 40%, será  razoável contar anualmente com metade de 0,8% do PIB (cerca de 800 milhões de euros)para investimentos nas suas infraestruturas de transportes, mas tendo em conta que o peso dos fatores referidos, saúe, educação e segurança social, terá de aumentar.
Sendo um dos principais objetivos do movimento pela gratuitidade dos transportes públicos o desenvolvimento de sistemas de transporte sustentáveis, poderá imaginar-se que a transferência massiva das deslocações em transporte individual e em autocarros de combustíveis fósseis para transporte ecológico (ferrovia, modo elétrico e modos suaves) iria buscar a justificação económica no desperdício energético do TI e combustíveis fósseis do sistema dominante. O problema é que as infraestruturas que suportam esse sistema não estão amortizadas, muitos empregos e empresas dependem delas e a motorização individual, para além de ser um direito à mobilidade, é dificilmente substituível em domínios como áreas pouco povoadas, pese embora a promessa dos modos autónomos.
Sujeitos os resultados às minhas limitações, estimei há tempos que os custos de investimento num sistema ferroviário na área metropolitana de Lisboa que substituísse o sistema dominante de transporte individual (TI)  teria um custo da mesma ordem de grandeza do sistema TI, mas que as amortizações, supondo também equivalentes os custos de manutenção, seriam favoráveis ao sistema ferroviário em cerca de 200 milhões de euros por ano. Igualmente estimei que o desperdício na importação de combustíveis correspondente a 10% de deslocações em automóvel na área metropolitana de Lisboa (que poderia transferir-se para o modo ferroviário) será de cerca de 32 milhões de euros por ano.
Desses números inferi que os objetivos de sustentabilidade da gratuitidade através da transferencia do transporte privado automóvel para o transporte público também podem ser atingidos através de investimento no próprio transporte público (aliás sempre necessário para responder ao aumento da procura) e na penalização com taxas do uso, das portagens e do estacionamento para automóveis (eventualmente dos IMIs e licenças de construção nas zonas em que predomina o TI).   

Donde concluo que é dificil justificar a redução de receitas associada à gratuitidade quando é necessário fazer investimentos em infraestruturas, incluindo medidas radicais de reurbanização, e em material circulante.  E que a ideia da gratuitidade pode ser uma ilusão e um perigo para políticos desejosos de seduzir eleitores sem ponderar os custos.

Paris decidiu recusar a gratuitidade estimando um encargo de 6 mil milhões de euros por ano. Em Lisboa estimo que seriam 500 milhões (eventualmente deduzir 100 milhões de poupança dos custos de cobrança). Com 400 milhões de euros ao fim de 25 anos teriamos 10 mil milhões de euros, o que permitiria construir 125 km de rede de metro ou 500 km de LRT. Custos pesados, os da gratuitidade, ou por outras palavras, poupe-se o que for possível (por exemplo combustíveis fósseis e emissões) para pagar o que for preciso (investimento, juros e manutenção de infraestruturas e material circulante).



Nas ligações seguintes encontram-se argumentos pró e contra:





https://www.franceinter.fr/emissions/histoires-economiques/histoires-economiques-01-octobre-2019




Estes dois artigos, sobre a experiencia francesa, parecem-me os melhores:



Cálculos próprios citados:






sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Arranjos de superfície na zona ribeirinha do Terreiro do Paço

No segundo semestre de 2007 Portugal assegurou a presidencia da UE.
Ao mesmo tempo, concluiam-se as obras do prolongamento do metropolitano da estação Baixa a Santa Apolónia, ultrapassado o acidente no túnel do Terreiro do Paço de junho de 2000 (abertura imprudente e sem a presença da fiscalização de vários carotes por onde penetraram os lodos).
O novo troço abriu ao público em dezembro de 2007, mas nem todas as obras programadas foram concluidas. Ficou por arranjar a superfície, junto do torreão nascente e até à estação sul e sueste original, que ficou por rehabilitar.
Curiosamente, essa obra de arranjo da superfície já tinha começado, mas à aproximação do segundo semestre de 2007 veio a ordem para suspendê-la e vedá-la com um tapume branco, opaco, sobre o qual alguns artistas exprimiram a sua arte.
Que os distintos comissários não vissem obras quando passassem nos seus carros de luxo escoltados por motociclistas luminosos.
Depois da presidencia o esforço do metropolitano concentrou-se no prolongamento de Alameda a S.Sebastião, as dificuldades financeiras já ameaçavam, surgiram os "swaps", algo digno do agiota de Shakespeare no Mercador de Veneza e, com a inércia destas coisas, a obra da superfície do Terreiro do Paço e estação sul e sueste ficou por fazer.
Curiosamente também, aproxima-se a presidencia portuguesa da UE no primeiro semestre de 2021 ao mesmo tempo que se anuncia esta obra, associada ao muro dos banquinhos de namoro do lado ocidental da zona ribeirinha e da remodelação da zona da doca da Marinha.
O senhor presidente da câmara, muito contente, disse que tudo ficaria pronto em 2020.
Mas, e se não ficar, alguém vai mandar pôr uma púdica vedação para street artists decorarem?
Esperemos que não.
Durante as obras de recuperação do túnel do Terreiro do Paço, que incluiram um aterro sobre o tunel, já no rio, para compensar o efeito de impulsão sobre o túnel, propus que toda a frente ribeirinha avançasse, incluindo a escadaria e o cais das colunas (aliás parcialmente desmontado, guardadas as pedras nos armazens do metro,  e posteriormente reconstruido pelo empreiteiro contratado), para ganhar terreno ao rio e espaço entre os torreões e o rio, incluindo a possibilidade de um tunel rodoviário (como aliás previsto no projeto original, de que se desistiu em 2006)e a desmontagem pedra por pedra da estação sul e sueste e sua remontagem mais a montante, onde não estragasse o conjunto da praça do Terreiro do Paço (já repararam como o modernismo da estação agride o classicismo da praça?).
A proposta nem chegou a ser discutida porque o IGESPAR determinou que tudo tinha de ficar como estava porque não se podia mexer no património. Era um fundamentalismo simples, que não considerava a necessidade de proteção contra inundações nem o benefício para os peões de ganhar espaço; o governo foi atrás, puseram-se as pedras do cais das colunas no mesmo sítio (umas primitivas e outras cortadas de novo) e deixou-se o espaço entre o torreão nascente e a estação sul e sueste a apodrecer.
Até agora, pelos vistos, em que um senhor arquiteto muito apreciado deu forma aos desejos desta CML que com pompa e circunstancia anunciou a conclusão das obras do arranjo da frente ribeirinha do Terreiro do Paço e estação sul e sueste para fins de 2020:
https://www.dn.pt/cidades/muro-das-namoradeiras-a-reconstrucao-mais-esperada-pelos-lisboetas-video-11558621.html

Nestas coisas a minha posição já é antiga, elas devem ser resolvidas com informação e participação respeitada dos cidadãos. E não é, por mais equilibradas e fundamentadas que sejam as propostas dos cidadãos (elas só podem ser fundamentadas se houver informação atempada, o que é raro) elas não são consideradas, como no caso da 2ª circular, por exemplo.
Mas perante a prepotencia dos decisores e a incipiencia técnica das soluções (do ponto de vista técnico, por razões de proteção contra inundações, para manter a segurança do tunel do metro  e para viabilizar um novo tunel rodoviário, o avanço da frente ribeirinha seria melhor solução) reconheço que o argumento da incapacidade financeira tem muita força, só que soluções incipientes não deveriam ser glorificadas desta maneira.

Há contudo um aspeto preocupante no anuncio. É que se pretende retirar o aterro sobre o tunel do metro. Na realidade, a totalidade do aterro não está lá, e com o assoreamento foram-se acumulando materiais. Em principio, esses materiais fazem pressão sobreo tunel e a sua retirada provocará a sua submissão a pressões que o poderão deformar ou fendilhar. Por isso deveria repensar-se o propósito, que provavelmente terá razóes estéticas. E se a retirada for para a frente, é essencial que os trabalhos sejam acompanhados pela monitorização da geometria do tunel para intervenção imediata em caso de deformação. Nas fotos seguintes fazem-se comentários local a local.
o tunel do metro desenvolve-se em curva sensivelmente sob as rochas e sedimentos visiveis junto da muralha e sob os vestigios do aterro que se vêem a sul da descarga de águas residuais; passa tambem ligeiramente a sul das colunas do respetivo cais    






julgo que os corpos cilindricos visíveis são estacas de contenção dos terrenos e do tunel e do próprio torreão poente; pertencerão a um conjunto de proteção sísmica que não deverá ser tocado 






a acumulação de areias nesta praia não tem nada que ver com a construção do túnel, mas retirá-las pode impactá-lo; o assoreamento deve-se à conjugação das marés de enchente e vazante e dos ventos, principalmente sudoeste visto o norte ser cortado pela muralha 


o tunel passa sensivelmente sob o espaço compreendido entre o acesso do metro à direita e a rapariga sentada nas pedras; a retirada dos materiais poderá afetar gravemente o tunel 




Finalmente, uma chamada de atenção para mais um caso triste. Choca  a insensibilidade de quem projetou o esquema de acesso ao elevador de superficie da estação Terreiro do Paço. Quem, de mobilidade reduzida, sair do barco e pretenda aceder ao metro, terá de dar uma volta enorme para atingir o elevador. Ou pedir que o transportem em braços do átrio de chegada dos barcos para o piso superior da estação de metro, onde poderá apanhar o elevador para o átrio de bilheteiras. É apenas mais uma demonstração da falta de respeito para com as pessoas de mobilidade reduzida. Junto fotos:

vista das obras entre o torreão nascente e a estação sul e sueste


junto do torreão nascente, é assim que está sinalizado o acesso ao elevador de superfície do metro; quem se dirigir aos barcos terá de atravessar a rua ; isto ilustra uma deficiente programação da obra, que deveria ter sido dividida em fases e zonas com melhores caraterísticas pedonais

vista do elevador de superfície do metro isolado pelas obras, a menos de um corredor estreito improvisado que o liga apenas à zona do torreão nascente e não à estação fluvial; de referir que para ir dessa zona para a estação fluvial  é necessário atravessar a rodovia


Ilustração dos riscos de deformação do túnel por descompressão devida à retirada de materiais nas imediações:



justificação do assoreamento na praia do Terreiro do Paço:
https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=praia+do+terreiro


PS em 18dez2019 - mantem-se o esquema de acesso ao elevador de superficie, sem ligação ao átrio do terminal fluvial, a obrigatoriedade e perigosidade das travessias da avenida e a deficiente sinalização para peões. 
 Está concluida a impermeabilização do teto da estação, que era uma aspiração com  mais de dez anos. Mantem-se ainda o triangulo no último arco da arcada junto do torreão nascente, cujo destino (do torreão) parece ser, segundo o senhor presidente da CML, o museu do bacalhau. Mantem-se também o receio de que por razões estéticas se retirem materiais, rochas e sedimentos,  que possam afetar o tunel.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Minha querida Ciemélita, a avenida Manuel da Maia

Minha querida Ciemélita

Desculpa ter estado tanto tempo sem te escrever. Ainda bem que surgiu agora um caso que me obriga a fazê-lo.
É que tenho de te agradecer quase quatro magníficos meses em que pude circular calmamente na avenida Manuel da Maia.
Como sabes, ela tem duas vias em cada sentido. Eu já te tinha escrito , já lá vão uns anos, que basta dar uma vista de olhos ao transito de Nova Iorque para se saber que cada rua, avenida ou artéria deve ter apenas um sentido. Os veículos que se destinem à perpendicular à esquerda atravessam o cruzamento, dão a volta à direita, voltam a cruzar, agora a 90º relativamente à direção original, e seguem por onde queriam ir.
Os constrangimentos deste esquema são inferiores aos das  n  mudanças de direção do sistema da minha querida Ciemélita.
Mas corrijo o que disse atrás, a Manuel da Maia (que diria ele, se lhe travassem o passo às carroças e berlindas) já não tem, tinha, duas vias em cada sentido. Agora tem uma via para norte e duas para sul.
Tu já tinhas avisado, no dia 5 de agosto, que as obras iam começar, e logo em 5 de agosto, que tu és uma rapariga azougada e determinada.
Avisaste os velhinhos como eu, agarrado àquelas ideias ultrapassadas de que as coisas se resolvem com audição e participação atempadas dos cidadãos, que as obras para  as cicláveis da praça de Londres e da Manuel da Maia iam tirar uma das vias sentido norte para poder pôr uma ciclável como deve ser (ou deve de ser, como diz a maioria dos munícipes).
Claro que te mandei logo um email, querida Ciemélita, a lembrar que os livros dizem que se é preciso sacrificar uma de várias vias, se sacrificará uma que dê acesso ao centro e não uma que ajude a esvaziá-lo. Mas tu és uma rapariga azougada e determinada e, claro, não ligaste.
Só que as obras da Manuel da Maia, afinal, só começaram em novembro.
E é isso que eu te agradeço, querida Ciemélita. Durante este tempo todo pude ir buscar e trazer a minha neta sem naufragar na Manuel da Maia sentido norte.
E agora, lá vou penando.Umas vezes esqueço-me, que já sou idoso, e meto por lá. Outras vezes vou por percursos alternativos, mas não há muitos e não são famosos.
Tramado, o transito da tua cidade, querida Ciemélita, por mais que digas, de microfone em punho e comunicadores por trás a assentir, que as bicicletas, as trotinetas, os car sharings, os autónomos, os conetados, os elétricos, os partilhados para os utilizadores e não para os possuidores, tudo resolvem.
Eu acho que não, mas tu és uma rapariga azougada e determinada e, para mais, sabes que essa conversa não dá votos de velhinhos mas dá os da malta jovem e o mundo é para eles que deve ser. Embora a deontologia dos velhos mande dizer (ou não fosse uma deontologia) que estão a fazer o que lhes parece um disparate (claro que não se tem a certeza de que sejam disparates, só se diz que parece que são disparates, de acordo com critérios que não são aceites por todos).
E por falar em votos, caíram-me também os olhos no exuberantemente triunfante anúncio, com direito a passeio televisionado de personalidades públicas. Das obras de arranjos da superfície entre o Terreiro do Paço e a estação sul e sueste. A maqueta apresentada e o video mostram coisa fina, de arquiteto renomado, que assim mais renomado ficará.
Eu não gosto, mas eu sou um tendencioso que acha que não haveria ópera de Sidney se não tivesse sido feito um concurso público internacional.
Mas tu não ligas a essas coisas, são minudencias de velho. E tu és uma rapariga azougada e determinada. A ideia surgiu-te, dizem que graças a uma grande amiga tua, protetora, dizem as más línguas, do teu modo de vida e desses grandes investidores que andam por aí a semear moteis, albergues temporários, jardins e praças com ciclovias.
Os turistas gostam imenso e prometem voltar. E tu, contente a olhares-te ao espelho, não te importas nada que eles, turistas, paguem o teu preço, que tu és uma rapariga azougada e determinada, desinibida nestas coisas.
Eles , turistas, são muito teus amigos, Ciemélita, podes continuar.

Um abraço apertado

terça-feira, 26 de novembro de 2019

TAP, novembro de 2019

Segundo dados publicados no Publico em 20nov2019:

em 2016 a TAP transportou 11754 passageiros
em 2018 a TAP transportou 15763 passageiros

em 2016 os custos com pessoal da TAP  foram 346 M€
em 2018 os custos com pessoal da TAP  foram 594M€

o que permite concluir os seguintes indicadores:
               34.000 passageiros por M€ de custos com pessoal em 2016
               27.000 passageiros por M€ de custos com pessoal em 2018     (pior 20%)

e
               1866 passageiros/trabalhador  em 2016
               1751 passageiros/trabalhador em 2018                                       (pior  6%)

Isto é, os indicadores de produtividade pioraram, provavelmente não só por causa do mau investimento na VEM , manutenção no Brasil, mas porque foi decidido crescer em vez de reduzir.

átrio principal do aeroporto da Portela/Humberto Delgado, ocupada com máquinas de autoserviço de check-in e fornecimento de etiquetas para despacho da bagagem 

Por informação educada de um dos muitos elementos presentes para ajudar os passageiros a fazer o seu check-in, estas máquinas destinam-se apenas a voos da TAP. Curiosamente, o despacho da bagagem é um dos pontos fracos do transporte aéreo. Numa cidade com tantos hoteis com turistas, pareceria simples "espalhar" por vários pontos balcóes de expedição de bagagem, enquanto o passageiro faria o seu check-in pela internet, mantendo-se os balcões clássicos no aeroporto. Mas pensarão de maneira diferente os senhores gestores.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Da ligação do porto de Sines à Europa por terra


Em recente conferencia promovida pela sociedade de advogados SRS e pela revista Transportes em revista, o presidente do porto de Sines expôs com interesse as perspetivas do porto de Sines, nomeadamente a próxima ampliação do terminal existente e o concurso para a construção e concessão do novo terminal Vasco da Gama.
Foi referida a prevalencia do "transhipment" (cerca de 80% da movimentação, com tendencia para subir até 90%) relativamente ao "hinterland" e analisados os riscos em termos de diminuição de receitas do fecho das centrais de carvão e da redução do peso dos combustíveis fósseis nos transportes, concluindo-se pela conveniencia da instalação nas áreas adjacentes de industrias de assemblagem com vocação exportadora e de instalações de produção de energias renováveis e de hidrogénio.
Referida também a conveniencia da ligação ferroviária como porta de entrada na Europa e reconhecida a vantagem da ligação direta Sines-Grandola (para evitar as pendentes da ligação Sines-Ermidas), foi estranhamente considerada irrelevante pelo eng. José Cacho a adoção da bitola UIC. Foi afirmado o ponto de vista do governo e da IP, que não interessa para já essa adoção, e que ela só acontecerá quando a Espanha quiser e que o calendário de expansão da rede de bitola UIC em Espanha não é confiável.
Ora, esta posição contraria os compromissos de das redes transeuropeias TEN-T que previam para 2030 os corredores sul e norte totalmente interoperáveis, incluindo a bitola UIC.
Foi também afirmado que era satisfatória a construção do troço Évora-Caia em plataforma dupla e em via única eletrificada de bitola ibérica em travessas polivalentes, à semelhança do troço Plasencia-Badajoz, porque seria rápida ("quando a Espanha quiser") a transferencia da bitola ibérica para a UIC graças às travessas polivalentes.

Julgo pertinentes os seguintes comentários:
1 - provavelmente não se dirá, nos tempos que correm, em nenhuma região de Espanha, que uma infraestrutura que contribui para a economia só será feita quando Madrid quiser
2 - se vier a ser aprovado o PNI2030 que omite a bitola UIC, o objetivo das redes transeuropeias não será cumprido por Portugal.
3 - é verdade que a expansão da rede UIC de alta velocidade e mercadorias em Espanha avança lentamente. No entanto, avança, e no site da ADIF pode consultar-se o mapa do que já existe e do que se pretende fazer

4 - para além da ligação de passageiros e de mercadorias de Barcelona a França, a Espanha pretende ter a ligação do "Y" basco , desde a plataforma logística de Vitoria/Jundiz a França em 2023

5 - dados os elevados investimentos necessários e a estratégia espanhola de concluir a ligação para mercadorias e passageiros  Valladolid-Burgos-Vitoria e desenvolver  o corredor mediterrânico e a ligação à Galiza, também para mercadorias e passageiros, é crível que estamos perante mais um exemplo de má coordenação com Espanha dos recursos da peninsula, que se junta às deficientes interligações elétricas e gestão das águas. Assim, Espanha verá com muito bons olhos o desinteresse do governo português que lhe permite desviar para outros fins as verbas que nos convinha serem utilizadas nas interligações ferroviárias totalmente interoperáveis.

6 - tal como reconhecido no site da ADIF/Alta velocidade na alínea dedicada à linha Marid-Badajoz, a estratégia seguida por Portugal é definida pelos agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE) de alta velocidade Espanha-Portugal (AVEP) e do corredor atlantico de mercadorias RFC4 (rail freight corridor nº4) de que fazem parte, para alé, da IP, a DB, a SNCF e a ADIF. É natural que não tenham interesse em ultrapassar os limites impostos à exploração atual da rede ibérica portuguesa e espanhola de ligação dos portos nacionais às plataformas logísticas de Espanha.

7 - contudo, a principal justificação de novas linhas de bitola UIC e parâmetros de alta velocidade (pendentes limitadas a 1,2% , raios mínimos de 5000 m, comboios de 750m, o que implica vantagem de maior eficiencia energética e portanto custos unitários de transporte na proporção de 1 em linha nova para 1,4 em linha de traçado antigo) consiste em que o volume total das exportações portuguesas de bens para França, Alemanha e Holanda é superior ao volume de exportações para Espanha  (em 2018: 16 200 contra 14 700 milhões de euros):

https://www.pordata.pt/Portugal/Exporta%C3%A7%C3%B5es+de+bens+total+e+por+principais+pa%C3%ADses+parceiros+comerciais-2346

Nas exportações de serviços verifica-se o mesmo com maior diferença:
França+Alemanha+Holanda=9400 e Espanha=3900:

https://www.pordata.pt/Portugal/Exporta%C3%A7%C3%B5es+de+servi%C3%A7os+total+e+por+principais+pa%C3%ADses+parceiros+comerciais-2349

Total de exportações de bens em 2018: 57800 milhões de euros, repartidos pelos modos:
rodoviário:  34830
maritimo:    17988
aereo:            3048
ferroviário:      444 (exclusivamente para Espanha)

total de exportações de serviços em 2018: 32900 milhões de euros
total de exportações em 2018: 90700 milhões de euros (cerca de 45% do PIB)

https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=358630755&PUBLICACOEStema=55488&PUBLICACOESmodo=2


8 - relativamente à utilização de travessas polivalentes com o argumento de que é fácil a transferencia para bitola UIC, estima-se que o ritmo será de 1 km/dia/turno. Os 59 km de Plasencia-Badajoz tomarão, contando 3 turnos por dia,  3 semanas, e cerca do dobro para Evora-Caia.
 Pareceria mais prática a solução de travessas de 3 fixações duplas, para terceiro carril, que permite a utilização quer por comboios de bitola UIC quer de bitola ibérica. Esta é a solução usada no corredor mediterrânico em Espanha, nos troços de ligação entre troços de bitola ibérica e troços de bitola UIC, nomeadamente de e para os portos.
Nos desenhos seguintes ilustram-se esses tipos de travessas e apresentam-se 2 soluções propostas para passar de travessas normais de duas fixações duplas e de carris de bitola ibérica para bitola UIC, mas de que não há produção comercial.


Em síntese, dir-se-á que a ligação do porto de Sines à Europa através de uma linha de carateristicas interoperáveis incluindo bitola UIC será um fator favorável para o seu desenvolvimento e que por isso deveria estar inscrito no PNI2030 e submetido a candidatura para obtenção de fundos comunitários, quer através do programa de coesão, quer através do mecanismo CEF (connecting Europe facility).
Este objetivo contraria a situação atual em que a exportação por ferrovia é residual e apenas para Espanha, quando o transporte ferroviário é menos poluente e congestionante do que o rodoviário, mais rápido do que o marítimo e mais barato do que o aéreo





quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Um conto de Natal - cartas de Kuçadasi




Cartas de Kuçadasi

Primeira carta

Querida amiga
Engraçado, depois de tantos anos, tratá-la assim. Talvez porque tenho andado a ler Tchekov e Oscar Wilde. Coisas da idade.
Escrevo-lhe para lhe dar notícias e porque gostava muito de a ter aqui no dia de Natal. Continuo em Kuçadasi, naquele pequeno hotel em que estivemos uma vez, há muitos anos. Quis ter uns dias de isolamento para finalmente escrever o que vinha a desejar há muito. Dirá que é a velha mania de querer mudar, ou mais corretamente, melhorar o mundo, coisa de que não consigo libertar-me.
Da janela da sala onde costumo escrever vejo o Egeu, magnífico. O pessoal aqui é muito simpático, interessa-se verdadeiramente por mim, e deixam-me sair sem fazer perguntas. Limitam-se a chamar-me um taxi e depois deambulo pelos museus e  ruinas da região de Esmirna. Efeso está mesmo aqui ao lado. Cuidaram bem do legado da Grécia antiga, conservaram os templos de todas as religiões, o que me leva a comentar a cópia de uma inscrição com um poema do imperador Juliano, o último imperador romano pagão, que vi no museu de Esmirna. Um poema ao sol, como se fosse um hino ao Natal, anunciando os dias maiores a seguir ao solstício de inverno e a promessa de grandes colheitas. E não será o mesmo que o desígnio central do islamismo nomeia como a paz, num clima adverso ao nosso ciclo agrícola? Ou os nirvanas orientais? Somos diversos mas dentro de um domínio dependemos do determinismo; é como na física e na matemática, o nosso cérebro reage da mesma forma e a mente humana deseja uma festividade. Pena os resquícios que nele ficaram das leis da selva nos dividirem e lá vamos nós sacrificando os inocentes a Moloch e aos deuses das guerras santas.
Mas estou a maçá-la, Kuçadasi não tem culpa das minhas lucubrações. Meta-se num avião e venha.
Um beijo.

Segunda carta

Querida amiga
Que pena tive por não ter podido vir. É verdade, esqueci-me que tinha a excursão dos seus meninos da turma mais adiantada, à neve. Isso tem prioridade, claro, mas tive cá toda a família, até as mais pequeninas. O dia esteve radioso e o Egeu, lá ao longe, muito calmo.
Adeus, já não devo demorar, tenho o livro quase pronto.
Um beijo

Epílogo por quem recolheu as cartas

Sou a responsável pela clínica de cuidados paliativos onde o engenheiro José estava internado e onde faleceu serenamente no dia seguinte ao do Natal. Coube-me a mim recolher as suas coisas e encontrei estes dois textos que possivelmente, na sua imaginação vítima de senilidade, terá pensado que enviou à esposa. Daqui não vemos o mar Egeu, apenas o Tejo, onde sei que ele trabalhou. Era centenário, quase não tinha família mais chegada porque muitos foram morrendo. Mas estiveram cá no dia de Natal as duas netas. E com ele também todos os que o cuidavam e que ele tomava por pessoas da família e por antigos amigos. E sim, estiveram felizes.