quarta-feira, 28 de outubro de 2020

As pevides desaparecidas do Parque-Cine demolido

 

 O comentador de geoestratégia expendeu no seu artigo de jornal a exposição de Portugal às influencias dos USA e da China.

Pessoalmente tenho dificuldades com a geoestratégia, acho-a demasiado agressiva.

De modo que só voltei a pensar no artigo quando, no supermercado, peguei num pacotinho de pevides de abóbora. Na referência à origem, lá estava, China.

Recordei quando miúdo comprava pevides, essas portuguesas, à entrada do cinema Parque-Cine, que tinha umas colunas de ferro no meio da plateia, há tantos anos ja demolido e substituido por um edificio de aspeto desagradável, mas que deixará saudades em quem terá crescido com ele.

No pacotinho das amendoas, logo ao lado, a origem era, USA, possivlmente California, a dos incendios como os de Portugal.

Recordei os amendoais nas traseiras da casa que aluguei um ano no Algarve, onde agora estão imponentes blocos habitacionais.

E conclui pela pertinencia da sujeição à influencia dos USA e da China, que David Ricardo, o das vantagens comparativas, nos perdoe, será seguramente um efeito da economia de escala.


sexta-feira, 23 de outubro de 2020

A lâmpada de Aladino e o anuncio da linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto




Adaptação livre de uma anedota já clássica 


Marílio deixou a sua ilha natal, a Madeira, para estudar no IST. Conseguida a licenciatura, foi admitido na CP. Passou para a REFER, daí para a RAVE, outra vez na REFER e finalmente, contrariado mas tendo de cumprir a estratégia dos decisores, na IP.

E aconteceu-lhe uma coisa rarissima, apareceu-lhe o génio de Aladino a perguntar-lhe o que desejava para o compensar e ao seu amado país das desgraças.

Marílio, como bom madeirense e técnico de transportes, não hesitou, uma ponte unindo o continente e a Madeira.

O génio ficou calado por uns instantes, e explicou-lhe que isso daria um trabalhão enorme, e enquanto estivesse trabalhando na ponte não poderia satisfazer os desejos de outros por esse mundo fora.

Marílio aceitou a escusa, e depois de pensar um bocadinho disse, como bom ferroviário:

- Então queria que o XXII Governo e a IP mandassem fazer a nova linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto com todas as caraterísticas das redes transeuropeias TEN-T, incluindo o ERTMS e a bitola standard de 1435 mm.

Ao que o génio contrapôs:

- E queres logo as duas coisas, o ERTMS e a bitola UIC?

- Sim, sim, é o que diz a norma. Linhas novas não separadas da Europa não podem ser em bitola ibérica.

O génio ficou calado, pensativo, e depois de um longo intervalo perguntou:

- A ponte para a Madeira, quantas vias queres, e é para ser rodo-ferroviária, certo?


Notícia de 22 de outubro de 2020:

https://www.publico.pt/2020/10/22/economia/noticia/linha-alta-velocidade-vai-ligar-lisboa-porto-1h15m-1936153



terça-feira, 13 de outubro de 2020

As ligações ferroviárias à Europa na cimeira da Guarda de 10 de outubro de 2020

 Exmo Senhor Primeiro ministro

A probabilidade de este texto vir a ser lido por V.Exa é muito próxima de zero. Assim como a probabilidade condicional de, no caso improvável de o ler,  considerar a sua mensagem como válida.

É que é conhecida a determinação de V.Exa na defesa da orientação que no seu grupo restrito decidiu, mas ficará este texto para memória futura.

Escrevo grupo restrito porque também é conhecida a sua preferência por debates das questões à porta fechada, sem a participação cívica prevista no artigo 48.2 da Constituição da República Portuguesa.

Será talvez a tradição maçónica, que já desde a revolução liberal de 1820 se entrosou nos orgãos decisórios do país.

Por formação profissional, seguindo a tradição dos que no século XVII impuseram aos membros da Academia das Ciências que pusessem em comum tudo o que descobrissem, não posso propor uma melhor ou única solução técnica. Tenho de estudar 2 ou 3 hipóteses, para cada uma aplicar uma análise multicritério (uma solução pode ser boa segundo um critério mas má segundo outro, como já  Tribunal de Contas divulgou ao criticar a adjudicação à proposta mais barata sem atender à qualidade) e uma análise de custos-benefícios (ou SWOT, como é mais fino dizer).

Por isso não gosto de ver as soluções que descem das instancias superiores, que foram decididas sem ouvir os argumentos de quem tem ou teve alguma experiência nos respetivos temas.

Por isso me entristeceu aquela parte da cimeira ibérica de 10 de outubro de 2020 em que o senhor Primeiro Ministro, respondendo a uma pergunta de uma representante espanhola da comunicação social,  diz que Portugal "seguro que un dia no continuará apartado de la rede ibérica de Alta Velocidad", mas que isso só na altura própria, e que não será uma ligação ponto a ponto, mas país a país.

Antes de mais, quero dizer-lhe que apoio inteiramente todas as outras decisões da cimeira que V.Exa e o seu homólogo espanhol comunicaram. São medidas muito válidas para a promoção das regiões e populações fronteiriças, bem como as amarrações dos cabos de fibra ótica a África e à América do Sul e a exportação de energia elétrica com origem renovável para a Europa (mas deixe-me excetuar essa ideia do transporte do hidrogénio para a Europa; peça aos seus assessores técnicos para o informarem sobre o estado atual e a eficiência energética da tecnologia do transporte do hidrogénio a grandes distancias).

Mas no capítulo da Alta Velocidade, verifico que mantém a posição que manifestou em entrevista em fevereiro de 2020. Tal como agora disse, "na altura própria" , "um dia". E entretanto o país perde sucessivamente fundos dos programas comunitários para a coesão (só há cofinanciamento se e só se forem apresentados projetos e análises de custos beneficios e nem sequer há projetos). Deixe-me corrigi-lo, quando se fala em Alta Velocidade, não é só para passageiros, é também para mercadorias (evidentemente com limtação de velocidade a 120 km/h) , para recompensar o esforço dos nossos exportadores.

Deve ter lido o que Olivier Blanchard disse, que não foram só as condições favoráveis das taxas de juro que evitaram o agravamento da crise em Portugal, foram as exportações.

Repare, ou peça aos seus assessores para consultarem as estatísticas do INE, desde 2019 que o valor das exportações por todos os modos para o conjunto Alemanha e França supera o valor das exportações para Espanha. 

E nos primeiros 8 meses de 2020, apesar da pandemia, os nossos exportadores venderam bens a Alemanha e França no valor de 8722 milhões de euros, mais 2,3% do que relativamente a Espanha. Não se trata de ligações ponto a ponto, é verdade (contudo, a ligação Lisboa-Madrid justifica-se pela maior eficiencia energética por comboio relativamente ao avião, mas terá de ser Alta Velocidade), mas é mais do que ligar Portugal a Espanha, é ligar os dois países à Europa, numa altura em que a Comissão Europeia tem o mapa dos corredores europeus ferroviários definido no plano das redes TEN-T (naturalmente em bitola UIC, sem os subterfúgios das travessas polivalentes do troço Évora-Caia) que V.Exa não quer cumprir porque não é a altura, quiçá, como disse, porque não há condições políticas. Numa altura em que o plano da Comissão prevê a transferência de 30% da carga de longa distância rodoviária para a ferrovia até 2030, o que já é tarde para preparar. 

Se não é altura agora, quando será? 

Provavelmente V.Exa não tem a experiencia real de acompanhamento de um investimento desde a definição de uma estratégia, de um programa, de estudos prévios comparativos, de elaboração dos projetos (sem os quais não há cofinanciamento), de procedimentos concursais, adjudicações, fabricações, instalações, ensaios ... longo caminho da ordem de 10 anos. Se a tivesse, essa experiência, talvez não falasse assim.

O ministro de V.Exa das infraestruturas não quer ouvir falar do, diz ele, falso problema da bitola, mas, senhor primeiro ministro, se não acreditam em quem critica a vossa estratégia, oiçam a própria IP, que até publicou um estudo sobre a redução de custos na exploração de uma linha de mercadorias entre Leixões e Paris. Embora o recurso à bitola UIC não seria tão rentável como a possibilidade dos cruzamentos de comboios de 740 metros, ainda assim a adoção da bitola UIC traduzir-se-ia numa economia de 7% nos custos da tonelada-km. É a IP que o diz, nem foram os críticos.

Não é altura agora? Depois de V.Exa responder à jornalista do Europress, "um dia Portugal seguramente que não ficará isolado da rede (ibérica) de Alta Velocidade - ver minuto 1.16 no quarto video em

https://www.rtp.pt/noticias/mundo/cimeira-iberica-plano-de-cooperacao-transfronteirica-nao-e-uma-estrategia-abstrata_n1265745

deixou o seu amigo Pedro constrangido, sabe-se lá se a pensar no desabafo do embaixador de Filipe II de Espanha no regresso a Madrid, depois de apresentar em Lisboa a candidatura ao trono português,"los portugueses son gente muy extraña"     (ver por exemplo

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2012/03/dona-ana-e-don-alvaro.html.        )

Não é altura agora? um dia Portugal não ficará isolado? mas quando? e obrigou o seu homólogo a dizer que vão ter de encontrar caminhos, formas de conexão... 

Vão ter de encontrar? o mapa das redes TEN-T está feito há mais de 10 anos, o que se poderá discutir são as alterações, por exemplo, o tal eixo atlantico de que falou Pedro Sanchez, não confundir com o corredor atlantico, Sines-Madrid-Irun-Paris-Mannheim-Strasbourg. O eixo atlantico refere-se à ligação da Galiza a Leixões/Porto, uma vez que Leixões/Porto-Lisboa/Sines está incluido no mapa base (core) das redes TEN-T.

E quando Pedro Sanchez diz que têm de começar a pensar no corredor mediterrânico? Já começaram a pensar; o seu ministro Abalos já se comprometeu de Algeciras a Barcelona em bitola UIC  e de Valencia a Barcelona já em 2025.

Senhor Primeiro Ministro, perdoe-nos a linguagem rude, mas deixe-nos fazer uma análise semiótica das suas expressões ao responder à jornalista. O vinco na testa, as sobrancelhas descaídas, os músculos da face descontraídos, os olhos em alvo, são indícios da pouca convicção do que diz.

Senhor Primeiro Ministro, repare bem no que o seu homólogo disse, que Espanha há muitos anos que tem uma aposta forte na Alta Velocidade (e acrescentamos nós, começam agora a ter uma aposta forte tambem nas mercadorias, precisamente com o corredor mediterrânico, com o Y basco, com a reivindicação junto dos franceses da nova linha Bordeus-Hendaye e da terceira travessia dos Pirineus por Canfranc). 

E Portugal, não pode ter por enquanto?  Só quando "los Extremeños tienen su ferrocarril digno?" (um anterior ministro do Fomento espanhol dizia, estou a construir uma linha para Lisboa, não para Badajoz).

Como está longe a cimeira de Talin de 17 de outubro de 2013, entre os primeiros ministros de Portugal, Espanha e França, comprometendo-se com os corredores ferroviários para Mannheim em bitola UIC.

Provavelmente V.Exa não tem a experiência real de acompanhamento por dentro de uma empresa de transportes que tenha continuamente de se adaptar à evolução tecnológica e das condições externas (por exemplo, o desafio da eficiência energética para combate às alterações climáticas). Mas olhe para o exemplo de Espanha, a gestora das infraestruturas ADIF, tem um ramo ADIF rede convencional, e outro ramo ADIF Alta Velocidade. Uma empresa tem de ter uma área específica para manutenção  e outra área para novos investimentos com orçamentos completamente independentes. Para que não se diga que não se pode projetar desde já a nova rede porque se está a remediar a rede velha.

Desculpe esta linguagem rude, contrastando com a linguagem diplomática num bonito dia de sol, às portas da sé da Guarda, mas discordamos frontalmente da estratégia do  seu governo e de quem o aconselha. 

Continuaremos a insistir no cumprimento em Portugal do plano das redes core TEN-T .

Hasta la próxima cumbre.

sábado, 10 de outubro de 2020

O hidrogénio de Sines a Roterdam

 O clima de discussão sobre a estratégia do hidrogénio em Sines é razoavelmente confuso. Têm razão alguns criticos quando dizem que há tecnologias que não estão ainda comprovadas para a obtenção de alguns dos resultados propagandeados. Será um caso de velhos do Restelo, mas por um lado pensemos de que outra forma poderia Camões expor os argumentos que aliás vieram a comprovar-se válidos, e por outro, que um dos principios da prática de engenharia exige referencias concretas de bom funcionamento.

Mas vamos a uns cálculos, cuja correção desde já agradeço, quer quanto aos pressupostos, quer quanto ás deduções.

Parece que o objetivo é instalar centrais fotovoltaicas até 1 GW (julgo que 50 km2 chegam) e exportar por navio para Roterdam o hidrogénio produzido por hidrólise em Sines, como se fosse exportação de gas natural. Para além da exportação por navio pensa-se em misturar até 5% de hidrogénio nos gasodutos de gás natural.

Como para produzir 1 kg de hidrogenio (equivalente a 10 kWh) são necessários 60 kWh no eletrolisador, temos que 1 GW instalado, considerando 1000 horas por ano, produzirá  109/60 = 17.000 ton H2/ano

Se considerarmos um navio com capacidade de 50.000 m3 de transporte de hidrogénio (parece que ainda não há, mas está a pensar-se construir) teremos, com base na capacidade dos depósitos de transporte por camião a uma pressão de 250 bar (36 m3 ~720 kg) uma capacidade por navio de 1000 ton H2.

Por outras palavras, 17 viagens por ano exportam a produção. 

Anota-se en passant que cada viagem de ida de 2200 km consome cerca de 66 toneladas de gasóleo pesado (o tal rico em enxofre), que a tecnologia dos scrubbers não será o mais desejável e que a propulsão por gás naturaal não deixa de ser poluente como a de qualquer combustivel fóssil.

Numa fase mais avançada, teremos navios com transporte de hidrogénio liquefeito o que exige arrefecimento a -253ºC e inclui razoáveis perdas no transporte (suponhamos 20%). Mas a capacidade será muito maior, uma compressão cerca de 800 vezes, o que dá, em vez de 1000 ton, cerca de 8000 ton

Contando com 20% de perdas, entrega-se no destino, por navio, cerca de 6500 ton de H2, mas em duas viagens está esgotada a produção anual.

Não sei se será rentável, se é razoável gastar 66 ton de gasóleo pesado em cada viagem em vez de simplesmente exportar a eletricidade e que na Holanda eletrolisem o que for necessário.

Na primeira hipótese, temos que 1 milhão de MWh /ano levaram a uma entrega, não contando perdas,de 17.000 ton H2 equivalentes a 170.000 MWh (rendimento de 17%).

Na segunda hipotese temos que, com menos viagens, a entrega foi de 13.000 ton H2, equivalentes a 130.000 MWh (rendimento de 13%).

Se exportássemos antes a eletricidade, contemos com 800 km para as transferencias transfronteiriças daqui à Holanda (a eletricidade não precisa de se transmitir ao longo de todo o caminho, compensa-se nas fronteiras) e perdas de 5%. Teremos  1 milhão de MWh/ano à partida e uma entrega de 950.000 MWh/ano  (rendimento de 95% e poupança das viagens com consumo de gasóleo pesado.


Pergunta-se, o que fazer perante o que parece um projeto energeticamente ineficiente?


Referências:

https://www.energy.gov/eere/fuelcells/hydrogen-delivery

https://www.fch.europa.eu/sites/default/files/Maritime%20hydrogen.%20The%20next%20big%20wave.pdf

https://www.rechargenews.com/transition/hydrogen-can-power-virtually-all-container-ships-crossing-the-pacific/2-1-767073

https://global.kawasaki.com/en/corp/newsroom/news/detail/?f=20191211_3487

http://www.hydroville.be/en/waterstof/7-roy/

https://1drv.ms/u/s!Al9_rthOlbwegg7pVFKMbf-8E96i?e=FQOlZj

O Tribunal de Contas e eu

 No meio do ruido do debate em torno do não prolongamento do mandato do anterior presidente do Tribunal de Contas, a voz num tom discreto do senhor Presidente da República dizia que a Constituição só prevê um mandato de 4 anos. É verdade, é o artigo 214.2, só fala em 4 anos, não fala em renovação de mandato. Se há dúvidas, altere-se a Contituição.

Confesso que tenho um certo preconceito contra tribunais e juizes. A experiencia que tive com duas juizas foi muito boa, uma delas deu-me razão num conflito com o Estado, só que, graças aos conhecimentos entre juizes e personalidades locais, o tribunal da Relaçáo da cidade de provincia em que decorreu o processo simplesmente anulou a sentença da juiza. No outro caso, em que tinha sido multado por excesso de velociadade, entreguei à juiza um pequeno cálculo em que demonstrava que pelo tempo de travagem após sinal de paragem do agente da GNR, que após uma ultrapassagem tinha reduzido a velocidade. A senhora juiza disse que não percebia os cálculos e que ia mostrá-los a quem percebesse. Uns dias depois recebi a informação de que tinha sido absolvido. 

Estas pequenas histórias servem para contar que não pode haver confiança nos grupinhos corporativos dos senhores juizes instalados. E que os senhores juizes não podem conhecer todas as razões matemáticas e físicas das coisas, pelo que têm de ter assessores e conterem-se quando falam de assuntos técnicos, entendendo assuntos técnicos como de engenharia, por exemplo de transportes.

E aqui entra o meu unico caso de contacto com o tribunal de Contas (unico se não contarmos o visto do Tribunal de Contas sobre um processo de adjudicação de um troço da linha circular do metro que uma lei da AR tinha mandado suspender). Por volta do anos 2004 recebi a visita de dois juizes que integravam uma equipa que fazia uma auditoria ao metropolitano (a qual não detetou irregularidades para além de os investimentos nas infraestruturas pesadas estarem alocados à empresa e não às contas públicas). Perguntaram-me com alguma arrogancia ou petulancia,  porque não tinhamos feito o concurso de sinalização logo para o troço Entrecampos-Campo Grande em vez de fazermos primeiro até à Cidade Universitária e só depois da Cidade Universitária para o Campo Grande, duplicando assim os custos fixos dos investimentos.

Concordei com eles, até porque recentemente o próprio presidente do metro , na cerimónia de inauguração do troço Campo Grande-Telheiras, tinha afirmado que não deviam fazer-se prolongamentos de apenas 800 metros. O que caiu muito mal na comunicação social, demonstrando assim que não tinham entendido a mensagem. Mas que é verdade, desperdiça-se a parte fixa do investimento, que é praticamente a mesma para uma extensão de 800 m ou de 4 km.

Nisso o Tribunal de Contas tinha razão, mas tive de lhes pedir, depois de ter passado dois dias no arquivo morto a recuperar documentos, que endereçassem as objeções aos senhores ministros da altura, uma vez que os toscos e a acessibilidade à estação Campo Grande só ficaram concluidos em 1993, entre outras razões porque o cálculo primitivo das estruturas do viaduto tinha sido demasiado otimista e teve de ser corrigido, enquanto a estação Cidade Universitária ficou pronta em 1988, tal como Colégio Militar.

Pareceram-me corretos, os dois juizes, e de facto no seu relatório nada havia sobre as sinalização dos troços Entrecampos-Campo Grande. Isto é, houve uma perda de tempo, do que até se poderá dizer, ainda bem.

Mas a questão permanece, a formação dos juizes do Tribunal de Contas, para apreciação de investimentos, devia ser reformulada. Muitas das vezes, as suas críticas são apenas um eco do sentimento que os comentários da internet expressam, crítcar por criticar, indução da perceção que os dinheiros publicos são mal gastos sistematicamente, quando são claros os beneficios dos investimentos em saneamento, educação e saude, pelo menos antes da troika eram (ver por exemplo

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2014/07/os-investimentos-publicos-em-portugal.html      )

Para além da formação, haverá que contar com a dotação de um corpo técnico com experiencia em obra ou fornecimentos  em investimentos públicos. A maioria dos senhores juizes nunca conduziu um processo de concurso, adjudicação e acompanhamento da obra ou fornecimento. Mais simples talvez será dispor de uma bolsa de seniores, mesmo reformados, que possa dar uma ajuda. Mas é dificil as instancias oficiais aceitarem que os velhos possam ter utilidade, quando agora sim, agora é que as novas gerações são as mais bem preparadas de sempre.

Não estamos portanto a discutir as coisas como devia ser, mas quem sou eu...

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Mais um protocolo das câmaras de Loures e de Odivelas com o metropolitano de Lisboa

Aparentemente, o governo, através do seu ministério do Ambiente e da própria CML, como entidade predominante na AML, conseguiu atrair para a sua estratégia de mobilidade urbana  a câmara de Loures, com a promessa, através de um protocolo com o metropolitano de Lisboa para estudo de uma linha de metro ligeiro de superficie Hospital Beatriz Angelo-Ramada-estação de metro de Odivelas - Póvoa de Santo Adrião-Ikea-Loures Shopping-Infantado (12,5 km/300 M€). A câmara de Odivelas já se timnha mostrado aoiante indefetível da linha circular do metro.

https://www.publico.pt/2020/10/06/local/noticia/metro-superficie-loures-odivelas-1933775

Embora a utilidade desta linha pareça evidente, deve observar-se que será uma solução local com risco de não se ajustar a uma visão integrada de toda a área metropolitana. Esta visão, consubstanciada no PROTAML  de 2002, previa uma linha circular externa de metro ligeiro de superficie (LRT) Algés-Odivelas-Loures-Sacavem. Por outro lado, mantem-se o isolamento da linha do Oeste relativmente  este eixo de penetração em Lisboa.

Depois de ouvir no forum da TSF de 15 de setembro de 2020 sobre ferrovia o presidente da câmara de Mafra., Helder Silva, a lamentar esse isolamento da linha do Oeste e a propor a ligação ao metro em Loures, resolvi enviar-lhe a seguinte mensagem:


Escrevo-lhe na qualidade de técnico de transportes, antigo funcionário no metropolitano de Lisboa.

Cumprimento-o pela excelente intervenção no Forum TSF de 15 de setembro de 2020 sobre ferrovia, quando referiu a conveniência da ligação da linha do Oeste a um eixo ferroviário de penetração na cidade de Lisboa, que poderia ser através da conexão à linha de metro em Loures, depois do prolongamento deste a partir de Odivelas.

Dentro desta ideia, tinha já enviado em maio de 2020 aos senhores presidentes de câmara de Odivelas e de Loures sugestões de expansão da rede de metro na sequencia da lei 2/2020 da AR que suspendia a construção da linha circular do metro (ver http://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/05/sugestoes-para-expansao-do.html      ).

Infelizmente, o ministério do Ambiente e a CML, enquanto entidades determinantes da estratégia dos transportes na área metropolitana de Lisboa, têm outra conceção desta temática e parece que tiveram sucesso ao convencerem os presidentes da câmara de Odivelas e de Loures da excelência do seu plano LIOS (linhas intermodais de operação sustentável).

Daí não ter recebido qualquer resposta, para além das automáticas que benevolamente dizem ao cidadão que as suas sugestões foram encaminhadas para os departamentos competentes.

Segundo as notícias, estão já assinados protocolos entre o governo e as câmaras de Lisboa, Oeiras, Odivelas e Loures já com soluções de traçados de linhas e escolha de modos de transporte, apresentadas como integrando o PNI2030 e o Plano de recuperação e resiliência e em desenvolvimento nos departamentos de projeto do metropolitano de acordo com as instruções superiores.

Isto é, não houve debate publico e informado, contrariando assim claramente o artigo 48.2 da Constituição da República Portuguesa.

O objetivo desta carta é assim solicitar que peça aos seus serviços técnicos de Planeamento Territorial a análise das sugestões constantes do link acima referido e da sua eventual aplicabilidade em articulação com a linha do Oeste e as necessidades dos seus munícipes.

Basicamente receia-se que os traçados e as soluções estudadas com estes protocolos comprometam a análise integrada da problemática dos transportes na área metropolitana por se ter dado prioridade à resolução de problemas locais. Por exemplo,  a agora descrita linha de metro ligeiro da estação de Odivelas para o Infantado vem adiar a expansão da linha de metro de Odivelas para Loures, na previsão de futura expansão a Malveira e linha do Oeste, além de poder não se integrar na futura linha circular externa Algés-Loures-Sacavém.

Junto ainda os seguintes links com informação complementar, com a solicitação de envio para os seus serviços técnicos de modo a habilitá-los a prepararem um resumo não técnico para, se assim o entender, sua apreciação e análise no seu município.

- Plano de expansão do metro de Lisboa

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2019/05/esboco-de-plano-de-expansao-do.html

 - planeamento estratégico na AML

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/02/planeamento-estrategico-na-area.html

 - servir Loures com o comboio

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/02/comentario-ao-artigo-servir-loures-com.html

 - objeções ao protocolo de 3 câmaras em 29jul2020

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/08/tres-camaras-da-aml-anunciaram-uma-nova.html

 - rede de metro de superfície de Loures e Odivelas

https://www.publico.pt/2020/10/06/local/noticia/metro-superficie-loures-odivelas-1933775

 

 

Com os melhores cumprimentos e ao dispor para esclarecimentos 




segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Uma proposta para a nova Praça de Espanha

 


 

Agora que os comboios voltaram a circular sob a Praça de Espanha e prosseguem as obras do novo parque urbano, talvez seja de considerar uma sugestão.

Se a responsabilidade da furação do teto da galeria do metro foi das obras do novo parque urbano, então a perda de receitas, o prejuízo sofrido pelos passageiros e os custos de reposição deveriam ser suportados pelo empreiteiro ou pela CML.

Inundações em setembro de 2014 na Praça de Espanha (ponto baixo relativamente à colina de S.Sebastião) e com efeito de retenção relativamente às cotas menores de Sete Rios e vale de Alcântara   (in Plano Geral de Drenagem de Lisboa 2016-2030)

Mas há uma maneira mais elegante para indemnizar o metro e, de caminho, ajudá-lo a cumprir uma obrigação que tem demorado. Mesmo que para isso seja preciso ir buscar algum dinheiro aos 83 milhões de euros de fundos comunitários prometidos para a famosa linha circular. Como existe uma lei, a 2/2020 da Assembleia da República, cujo artigo 282 manda suspender a construção da linha circular, o financiamento terá de ser aplicado até 2023 e aquele artigo não foi declarado inconstitucional, não parece haver impedimento ao recurso a esses dinheiros.


A obrigação é a de adaptar as suas estações para a acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida, e a ocasião agora é ótima, aproveitando as obras. Só que haverá que conjugar o projeto do parque urbano com as novas estruturas necessárias a essa acessibilidade. E sem esquecer a harmonização com o projeto do plano de drenagem de Lisboa, o qual prevê para a Praça de Espanha um reservatório de 35.000 m3 para absorver inundações, para além do famoso riacho que “nasce” na bacia de retenção e sumidouro onde teve origem o acidente, bordeja o acesso sul da estação de metro e segue entubado até ao escoadouro/descarregador para o pequeno vale a poente da praça (entre o Instituto de Habitação e o teatro A Comuna - rua Eduardo Malta), já integrado na bacia hidrográfica de Alcântara.


proposta de adaptação da estação a pessoas com mobilidade reduzida; rampas de substituição do elevador superfície nível do átrio de bilheteiras com 100m de comprimento; corredores adjacentes às paredes exteriores do átrio sul ao nível do átrio de bilheteiras para acesso aos elevadores para o cais (a vermelho)

Para poupar equipamentos, poderá dispensar-se o elevador de superfície através duma rampa de cerca de 100m, para vencer o desnível de 5m entre a superfície e o átrio de bilheteiras, e com dois ramos, um para o lado da Av.Columbano Bordalo Pinheiro e outro para nascente, para o centro do parque. Os elevadores átrio cais poderão ficar nos extremos de corredores ao nível do átrio de bilheteiras e encostados às paredes exteriores da ligação do átrio sul aos cais. Poderá ser necessário cortar o topo da abóbada do túnel de via simples do ramal para o antigo PMOI de Sete Rios e que passa sob a parte nascente do átrio de bilheteiras.



Projeto do Plano de drenagem da Praça de Espanha com reservatório de 35.000 m3; a foto mostra a pequena bacia de retenção/ponto baixo relativamente a S.Sebastião, onde ocorreu o acidente de furação do teto da galeria do metro (in Plano Geral de Drenagem de Lisboa 2016-2030)




 







Se entretanto algum arquiteto do metropolitano já está a estudar ou já fez o projeto da adaptação da estação com esta ou outra solução, e se metro e CML partilharam esse projeto, o projeto do novo parque urbano e o projeto da rede de drenagem, e se tudo está coordenado com a obra, talvez se possa não considerar as sugestões que aqui deixo.



Senhor presidente


... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

C'est pas pour vous fâcher

Il faut que je vous dise
Ma décision est prise
Je m'en vais déserter 

... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

                                 Boris Vian, le deserteur



Senhor Presidente

Peço desculpa por nesta mensagem haver reminiscências da carta de Boris Vian.

Eu não devia invocar por comparação assunto tão grave como a guerra.

Mas na minha pequenina escala, impressionou-me o que o senhor Presidente disse,

que “não há lugar para o chefe de Estado dizer uma coisa, o chefe do Governo dizer outra… o Parlamento votar outra…”

À  primeira impressão, isso colide com a ideia da diversidade como caraterística da vida democrática, sem prejuízo duma organização do debate  que conduzisse à escolha pela entidade constitucionalmente indicada para essa escolha, que viabilizasse a correção de um dos órgãos pelos outros. Debate esse monitorizado pelos órgãos jurídicos de controle, um controle  mútuo entre o executivo, o legislativo, o senhor Presidente, e também o judicial, tal como nas empresas que praticam o controle de qualidade, com o seu órgão independente, com a interrogação que já atormentava Juvenal, quem guarda o guarda, quem julga o juiz?

E à segunda impressão lembrei-me da classificação que deu aos artigos da lei do Parlamento que mandavam o Governo suspender a construção da linha circular do metropolitano de Lisboa: uma recomendação (por acaso, recommandare em latim significa encarregar alguém duma tarefa). Classificação que o Governo se apressou a adotar para alegre e despreocupadamente continuar o processo de construção, por sinal com o visto judicial.

Por outras palavras, houve lugar, perdoe-se-me o galicismo, para o Parlamento dizer uma coisa, e o Governo, o Tribunal de Contas e o senhor Presidente dizerem outra.

Não quero que fique zangado, mas tomei uma decisão,  assim não posso apoiá-lo.