terça-feira, 29 de janeiro de 2019

A expansão do metro e um exemplo de democracia participativa

Cópia da carta recebida de uma senhora procuradora, informando que tinha requerido ao gabinete de interesses difusos o envio para um tribunal da sua queixa de ilegalidade do TUA (título único ambiental) sobre o qual o XXI governo aprovou a expansão do metro sob a forma de linha circular:










 

E minha resposta:

Assunto: expansão do metro de Lisboa

Cara Senhora Procuradora

Muito obrigado pela  carta de 9 de janeiro que dirigiu ao grupo de técnicos de que faço parte e que muito apreciei.
Foi uma agradável surpresa ver o empenho no interesse público e o rigor com que acompanhou este processo.
Gostaria de informar sobre a minha experiência profissional. Ingressei no metro em 1974, passando pelos estudos gerais, operação da rede, manutenção de telecomunicações e de sinalização. De 2001 a 2009 exerci funções como diretor de engenharia e desenvolvimento (2ªlinha relativamente à administração) na coordenação das várias disciplinas ferroviárias (via férrea, energia, telecomunicações, sinalização) e sua integração com as especialidades de construção civil nos novos empreendimentos (Campo Grande-Odivelas, Colégio Militar-Amadora, Baixa Chiado-Santa Apolónia,  Alameda-S.Sebastião), na preparação dos processos de licenciamento e colocação em serviço , na colaboração com redes homólogas (benchmarking) e na normalização ferroviária. Guardo excelentes recordações do contacto com todos os colegas, incluindo os especialistas de construção civil da Ferconsult (empresa afiliada do metro para a elaboração dos projetos desta especialidade) sempre com a preocupação de lhes transmitir as necessidades e os condicionalismos próprios de quem explora e mantem uma rede de metro, analogamente ao que fazem os médicos com os projetistas dos seus hospitais, ou como os particulares fazem com os arquitetos e construtores das suas casas. Lembro-me especialmente de explicar aos colegas e aos consultores da COBA (empresa de engenharia de construção civil) que o prolongamento para Alcântara deveria fazer-se em viaduto para minimizar os desníveis e portanto para economizar energia. Cito este episódio porque desde o plano de expansão de 1974, elaborado pelos consultores da Siemens-Deconsult, que um dos principais objetivos do desenvolvimento da rede do metro era a correspondência em Alcântara com a linha de Cascais.
Em 2009 surgiu por intervenção direta da secretaria dos transportes e colaboração dos colegas da Ferconsult, e ao arrepio de qualquer colaboração dos colegas com mais experiência na operação e na manutenção de redes de metropolitano, um mapa de expansão contendo alguns erros, nomeadamente abuso de desníveis e de curvas apertadas (que aumentam o consumo de energia e o desgaste de materiais), de bifurcações (que afetam a taxa de fiabilidade quando sujeitas a tráfego intenso) e, especialmente, a célebre linha circular. O grande inconveniente desta é uma maior dificuldade na regulação e uma menor taxa de fiabilidade quando comparada com as duas linhas equivalentes. Esse plano foi posteriormente aprovado pela assembleia intermunicipal da área metropolitana e definida a prioridade dos vários prolongamentos por decisão interna do próprio metropolitano.
Ora, nem o plano de 2009 nem a definição de prioridades foram sujeitos a consulta pública. Naturalmente que deixei, no ato da minha reforma no fim de 2010, todos os argumentos técnicos contra a ideia da linha circular (que, curiosamente, em Londres, tinha deixado de ser circular em 2009, precisamente pelas dificuldades de regulação próprias de uma linha circular carregada).
Neste momento, o que pode afirmar-se é que a ideia de uma linha circular não é má, só que precisa de ser complementada com linhas transversais em quantidade suficiente para garantir aos passageiros percursos alternativos em caso de avaria. O que não é o caso de Lisboa. Em 2003 propusemos inclusive uma grande linha circular externa, de Algés a Amadora, Odivelas, Loures e Sacavem, preferencialmente em viaduto em metro ligeiro, para se ir fazendo progressivamente ao mesmo tempo que se faziam as linhas internas.
Infelizmente não foi possível convencer os decisores que estavam a cometer um erro com a linha circular, ao longo das várias tentativas que testemunhou.
Vejo-me forçado a acreditar que como justificação para a linha circular, dissipada a imagem da linha circular de Londres que deixou de o ser (existem metropolitanos com linhas circulares, como Madrid, mas, repete-se, têm linhas transversais suficientes), estará principalmente a valorização imobiliária, para habitação de luxo ou turística e das zonas terciárias. Senão veja-se: terrenos da antiga feira popular, terrenos do Sporting, terrenos da Portugália na Almirante Reis, terrenos do quartel dos bombeiros que vai ser desativado em Santos, terrenos do antigo hospital militar da Estrela, edifício da Fontes Pereira de Melo 41 …
Em si, porque economicamente se justificaria, não é condenável, o que o é, é que lhe é atribuída prioridade em detrimento do interesse público. A zona da avenida da Republica, que agora se considera o centro de negócios, já está bem servida, não precisa de ser reforçada porque esse reforço vai aumentar a desigualdade em termos de mobilidade relativamente a outras áreas, como a de Alcântara , Belem, Ajuda e Algés (não se pense que os autocarros e os elétricos, só por si, resolvam o problema de transporte de grandes volumes de passageiros, porque têm o problema do congestionamento rodoviário), além do desprezo a que são votados os utilizadores do troço Odivelas ao serem forçados a um transbordo em Campo Grande (segundo as estatisticas do próprio metro, são mais os utilizadores do troço Odivelas-Quinta das Conchas do que os utilizadores do interface do Cais do Sodré, não existindo dados fiáveis para estimar a percentagem de passageiros que, vindos da linhas de Odivelas, saem no Campo Grande para outro destino que não a linha para o Rato).
Por outro lado, existe uma incoerência grave na argumentação do senhor presidente da CML quando quer justificar a linha circular com uma maior facilidade em atingir a zona da avenida da República para quem vem da linha de Cascais. É que vem anunciando, de parceria com o governo, o investimento na ligação da linha de Cascais à linha da cintura. Então, se é tão importante ligar a linha de Cascais à linha da cintura, o volume de passageiros que chega ao Cais do Sodré vai diminuir e ser muito menor do que já é comparativamente com os passageiros da linha de Odivelas. Vemos ainda a CML a propagandear uma solução válida em países que não importam petróleo, os autocarros BRT para a  A5, em prejuízo da linha de Cascais, em processo de degradação. Isto é, para evitar um transbordo a poucos, vamos forçar muitos a um transbordo. O problema aqui é que essa ligação da linha de Cascais à linha da cintura é tecnicamente contra indicada porque a construção subterrânea é muito cara devido à natureza de aterro e aluvião do vale de Alcântara e porque a linha da cintura, apesar de quadruplicada, está saturada com o serviço suburbano de várias linhas (Azambuja, Sintra, margem sul) o serviço regional, o serviço interurbano e as necessidades de manutenção.
A solução correta, e isso já se sabe desde o plano de 1974, é a correspondência em Alcântara, com o metro em viaduto, através de prolongamento da linha vermelha ou da linha amarela, podendo uma delas seguir para Algés. São obras onerosas, mas não é necessário nem possível executá-las num ano. Deverá ser debatido abertamente um plano de expansões ao nível da área metropolitana, para execução faseada ao longo de vários anos com o apoio dos fundos comunitários (os quais exigem a elaboração de projetos coerentes, pelo menos ao nível de estudo prévio incluindo análise de custos-benefícios).
Em oposição a esta proposta (atualmente o governo, a CML ou o metro dizem timidamente que a linha circular não impede o prolongamento de outras linhas e que já se está a estudar o prolongamento para Campo de Ourique, esquecendo Alcântara) mais uma vez se desconfia da problemática imobiliária dos terrenos disponíveis de Alcântara, perdendo-se a oportunidade, como se perdeu ao alienar o terreno para construção já executada do hospital da CUF, de projetar em conjunto uma urbanização e a respetiva rede de transportes. Possivelmente, após a construção de mais edifícios, se fará um projeto com uma linha de metro, só que nessa altura será difícil a inserção da linha no tecido urbano ou então será uma solução subterrânea e cara. Ainda aqui aparece a CML  a dizer que está a estudar uma solução de BRT ou de metro ligeiro para ligar o Jamor a Carnaxide, Ajuda e Alcântara. E assim vai tentando iludir os cidadãos e cidadãs, desviando-lhes a atenção do essencial do problema.
Gostaria agora de comentar ponto a ponto a sua exposição:
2 – relativamente ao risco de património e à dificuldade de mitigação de problemas ambientais,  estas circunstancias verificam-se muitas vezes na construção de linhas de metropolitano e pessoalmente tenho confiança nos colegas que trabalham no metro e na Ferconsult para prevenir os prejuízos correspondentes. Na verdade, esses riscos e dificuldades devem ser compensados pelos benefícios a obter, o que, comparativamente com outros traçados de prolongamentos, não se verifica
3 e 4 – julgo que no EIA validado pela APA é reconhecido o prejuízo para os utilizadores da linha de Odivelas com o transbordo em Campo Grande. Quanto à implementação das medidas mitigadoras, a experiência no metropolitano e na Ferconsult, não obstante o acidente de junho de 2000 no túnel do Terreiro do Paço, dá-me alguma confiança. Isto é, se os técnicos da Ferconsult projetaram uma expansão que é um erro, isso mostra que não têm sensibilidade para avaliar os problemas da operação e da manutenção de uma rede de metro, mas isso não quer dizer que não sejam ótimos engenheiros de construção civil. Mas como em qualquer obra de engenharia, deve ser-se exigente na sua preparação, na fiscalização durante a obra e na monitorização e manutenção durante a vida útil.
5 – efetivamente, o objetivo Alcântara deveria ter a primeira prioridade. O surgimento da linha vermelha com a Expo98 permitiu a possibilidade de Alcântara ser atingida por ela. Esta tanto pode sê-lo pela amarela como pela vermelha, seguindo a outra para Algés. Observa muito bem que o troço de túnel do atual término do Rato poderia ser aproveitado pelo prolongamento, poupando inclusive perturbações ao nível do liceu Pedro Nunes.
Como técnico não pretendo impor uma solução (num livrinho que escrevi sobre projeto de metropolitanos apresento várias alternativas:
Em engenharia devem ser estudadas várias hipóteses e comparadas do ponto de vista dos seus custos e dos seus benefícios. Só depois deverá ser escolhida a solução (o que não foi feito, a ligação Rato-Cais do Sodré foi comparada com a ligação S.Sebastião-Campo de Ourique, evitando Alcântara, o que invalida a escolha, além de que o estudo com essa comparação nunca foi divulgado para consulta pública). Isto é, a saída da  situação atual deveria ser a suspensão do processo do concurso e o rápido inicio de um processo de debate e de preparação de um estudo comparativo de soluções. Existe a esperança de que, se o processo for imediatamente submetido ao Conselho Superior de Obras Públicas o seu parecer seja coincidente, apesar de constituído por uma minoria de técnicos de engenharia.
Observa também muito bem que a linha vermelha, a partir do Aeroporto, deveria seguir para a zona do Lumiar e norte de Telheiras e a verde a partir de Telheiras para Pontinha (num caso ou noutro, interface com a CRIL)
6 – como já referido, a ideia da linha circular deve ter nascido da imitação da linha de Londres, do desejo de reduzir os transbordos nas deslocações no núcleo central da cidade e na correspondência com a linha de Cascais, e do desejo de valorizar o imobiliário e a zona terciária da avenida da República. Lamentavelmente, o TUA aceita o argumento de que o projeto da linha circular não colide com as orientações do PROTAML (pág.27). Salvo melhor opinião, as seguintes orientações do PROTAML contrariam o projeto da linha circular: define um raio de 10km para o núcleo de influencia, quando a linha circular tem as dimensões de 6,5x1 km no centro da cidade; apela à transferência intermodal do TI para as estações de metro e de elétrico mais afastadas do centro, o que não é o caso da linha circular;  a ligações diretas entre zonas intensivas de habitação e de emprego; à prioridade da descentralização em vez do benefício de uma zona central. O argumento referido no EIA e muito citado pela CML  (págs 30-31 do TUA) de que a linha circular vai suscitar uma transferência do TI das periferias para o metro por melhoria da atratividade da rede de metro, estimando o tráfego adicional em 9 milhões de passageiros anuais, é desmontado pelos seguintes argumentos :
no caso do interface do Cais do Sodré com a correspondência com a linha de Cascais por o número de passageiros de metropolitano nas estações de Odivelas a Quinta das Conchas ser superior ao número de passageiros em Cais do Sodré , por a linha de Cascais continuar em processo de degradação, por o tempo de percurso ser menor se a correspondência se fizesse em Alcântara, por ser falso que do Cais do Sodré à zona da av,Republica sejam necessários 2 transbordos (pág.5, parecer da CML não corrigido), basta 1 em Alameda para chegar a Saldanha;
com a correspondência com a margem sul por via fluvial a ligação no Cais do Sodré  seria direta com a linha circular para a av.República, mas atualmente há uma ligação direta sem necessidade de apanhar o barco, da estação Pragal através da linha da CP atinge-se a zona da av.Republica em Entrecampos sem transbordo, isto é, do ponto de vista das ligações fluviais, a obra da linha circular é supérflua
embora o numero de 9 milhões possa criar uma perceção significativa, isso quer dizer cerca de 27 mil passageiros adicionais, o que significa cerca de 5,4% relativamente ao tráfego total atual. Compare-se também com a atual taxa de crescimento do tráfego no metro; finalmente, e destacando a curiosidade da coincidência, 5,4% foi o crescimento do volume de tráfego entre 2015 e 2016 e novamente entre 2016 e 2017, sem linha circular, factos lamentavelmente não referidos no EIA. Aliás, não será muito diferente deste número a margem de erro para uma estimativa deste tipo, impedindo assim a aceitação deste argumento para justificar uma obra desta envergadura;
a estimativa de tráfego adicional não foi comparada com variante que analogamente fosse “buscar” a geração de tráfego da linha de Cascais, como seria por exemplo a variante de prolongamento até Alcântara, definida como prioridade desde o plano de expansão de 1974; apenas foi comparada com o prolongamento de S.Sebastião a Campo de Ourique; este procedimento oculta ao público uma alternativa válida (em vão foi pedida publicamente a divulgação do estudo comparativo, chamando-se a atenção para que a comparação referida na pág.28 é apenas de variantes à ligação Rato-Cais do Sodré e configura uma orientação do tipo petição de princípio que, salvo melhor opinião, reforça a consideração de ilegalidade referida no ponto 25 da sua carta). Recordo ainda que o plano de 2009 não foi sujeito a consulta pública apesar de visar a expansão do metro na área metropolitana, e que a definição de prioritária para a linha circular foi um ato gestionário e interno do metropolitano, muito menos sujeito a consulta pública; mais uma vez, salvo melhor opinião, factos suficientes para ferir de ilegalidade o projeto da linha circular;
é falso que a linha circular aumente a atratividade por permitir frequências mais elevadas; as linhas independentes com términos de inversão alternada permitem intervalos da ordem de 90 segundos, e portanto as mesmas frequências anunciadas para a linha circular; do ponto de vista técnico, é muito grave fazer esta afirmação por, mais uma vez, pretender orientar a opinião pública independentemente da realidade técnica
7 – relativamente aos viadutos de Campo Grande, trata-se efetivamente de desprezar o investimento feito nos viadutos existentes. Eles não serão propriamente destruídos, apenas as zonas em que serão interligados com os novos viadutos, mas como se trata de tabuleiros pré-esforçados, essas interligações exigem uma monitorização rigorosa durante a sua vida útil (como curiosidade, informo que os aparelhos de apoio dos viadutos devem ser vistoriados e escorados durante essa vistoria, de 10 em 10 anos; uma intervenção numa zona pré-esforçada arrisca sempre a introduzir uma zona de enfraquecimento). Deve ainda referir-se que os novos viadutos vão ter impacto visual e, junto da torre vicentina, também de ruido. Os novos viadutos vão ter curvas de raio inferior ao admissível de acordo com os normativos de metropolitanos para a comodidade dos passageiros, que provocam desgaste adicional dos carris e rodados, e que exigem redução da velocidade. O viaduto atual para Telheiras tornar-se-á provavelmente inútil, uma vez que o estacionamento tem inconvenientes. O outro viaduto atual, das vias do lado norte da estação para o túnel da Cidade Universitária, poderá ser utilizado para manter a ligação da linha de Odivelas ao Marquês de Pombal, mas alerta-se que a exploração partilhada da linha circular e da linha de Odivelas (isto é, os comboios de Odivelas seguiriam alternadamente para Telheiras e o outro para Rato) implicará a redução da frequência dos comboios (ou aumento do intervalo entre comboios) na linha circular  no troço exclusivo da linha circular. Esta “partilha”, que chegou a ser anunciada pelos presidentes da CML e da câmara de Odivelas (pág.17), já foi negada pelo próprio ML, contrariando assim o afirmado no parecer da CML sobre “as opções finais do modelo de exploração”  (pág.5), lamentando-se que tal parecer não seja corrigido
8 – relativamente ao custo previsto, informo que os 270 milhões de euros referidos incluem também uma estimativa de pouco menos de 10 milhões de euros, a aquisição de 14 unidades triplas (ca de 42 milhões de euros) e do sistema de sinalização e segurança de circulação CBTC (communications based traffic control – ca 24 milhões). Descontando a parte do material circulante e do CBTC não afeto à ligação Rato-Cais do Sodré, teremos cerca de 210 milhões para os 1900 metros da ligação Rato-Cais do Sodré (e não 1,5 km conforme referido neste ponto 8), o que dá cerca de 110 milhões  de euros por km. Ora, os valores típicos por km de túnel de metropolitano já equipado e com a parte respetiva de material circulante são entre 60 e 80 milhões de euros. É verdade que a natureza hidrológica dos terrenos da encosta da Estrela-Santos  (presença de água e tendência para deslizamentos de terra) e de aluvião e aterro da avenida 24 de julho justificam o custo elevado, mas também é verdade que se pode considerar otimista esta estimativa. A complexidade da obra com elevada probabilidade encarecerá a obra. Não se entendendo como de máxima prioridade a ligação Rato-Cais do Sodré, não parece aceitável este empreendimento pelo que é correta a classificação de “monstruosidade “ para esta obra dada pelo eng.Pompeu dos Santos.
Como aspeto positivo diga-se que o financiamento virá do fundo ambiental, alimentado por taxas de carbono, e por um programa comunitário, sendo certo que o desenvolvimento dos transportes ferroviários urbanos é uma diretiva europeia. Segundo o diretor financeiro da CML estará disponível também um empréstimo do BEI a juro baixo da ordem de 100 milhões de euros. Curiosamente, a CML está evidentemente comprometida com este plano de 2009 e é público o apoio do presidente da câmara. No entanto, quando se pede um esclarecimento ou se propõe a discussão do fundamento do plano, a CML remete para o metropolitano, onde é óbvio que a sua administração não vai contestar as diretivas superiores.
9 e 10 – complementando a lista de contestação do plano de 2009 e petições, gostaria de referir a sessão na Ordem dos Engenheiros em 3 de abril de 2018 com a presença do professor Nunes da Silva, ex vereador da mobilidade da CML, do eng Artur Bivar, coordenador do projeto da linha circular externa Algés-Amadora-Loures-Sacavém e, metro ligeiro (LRT), e de mim próprio. O contraditório foi exercido pelo dr Ricardo Machado, diretor de empreendimentos do metropolitano de Lisboa.
Relativamente ao estudo “Senado de Odivelas” destaco a sua proposta final, no sentido conciliatório, no caso de superiormente se decidir pela manutenção da ligação Rato-Cais do Sodré, apesar da obra onerosa, de poupar os custos de intervenção nos viadutos de Campo Grande e construir assim uma linha em “loop” ou laço, com as mesmas funcionalidades da linha circular e sem os inconvenientes de exploração de uma linha circular, razão aliás da transição da linha circular de Londres para linha em “loop” em 2009.
Relativamente à moção da câmara de Odivelas de 21 de março de 2018, de referir que nessa data os decisores ainda afirmavam publicamente ser possível a exploração “partilhada” da linha circular com a linha Odivelas-Rato (como a posição oficial é de que a linha circular permite frequências elevadas, essa “partilha”, que o impede, foi posteriormente afastada, deixando em má posição o presidente da câmara de Odivelas).
11 – mesmas observações de 8
12 – mesmas observações de 3, 4 e 7 . Com base na experiencia do eng.Pompeu dos Santos na própria colina de Estrela-Santos, é provável que alguns prédios antigos abram fissuras. Não se atingirá uma situação de perigo se a obra for convenientemente monitorizada e executadas injeções de cimento para estabilizar os terrenos. Os danos nos prédios poderão ser corrigidos. Nas zonas mais instáveis durante a construção deverão ser instalados no interior do túnel, após colocação em serviço, sistemas de monitorização. Nas zonas de maior produção de água subterrânea provavelmente haverá necessidade de funcionamento permanente das bombas de esgotamento de água. Todas estas ações, que garantem a segurança das habitações e do túnel, são necessariamente dispendiosas. Ocorrem com alguma frequência em obras de metropolitanos (em Lisboa aconteceu principalmente entre Baixa Chiado, em Olivais e Santa Apolónia e entre Oriente e Moscavide. No caso do Porto, o acidente com afundamento de um prédio e morte de uma moradora aconteceu precisamente por deficiente monitorização dos trabalhos. Citam-se também dois casos semelhantes, um em Colónia, Alemanha, com afundamento do edifício da biblioteca municipal e em S.Paulo, com desmoronamento de uma estação em construção. Nestes casos, recomenda-se a utilização de tuneladoras com monitorização continua (afirmando o TUA na pág.3 que o método a usar será o NATM, salvo melhor opinião é de elementar curialidade divulgar as razões que levaram a preferir o método NATM .
Servem estas observações para concluir que, sendo viável o traçado Rato-Cais do Sodré, para além das contraindicações de curvas apertadas e pendentes elevadas, as condições do terreno recomendam que, por razões de custos de construção e de manutenção, sendo possíveis outros traçados, que sejam eles os escolhidos (nesta zona, o serviço do bairro poderá ser assegurado pelas linhas de elétrico existentes, desde que se investa na melhoria das infraestruturas (via e tensão normalizadas, novo material circulante, reserva de espaço para circulação dos elétricos, limitação de circulação automóvel, admitindo no máximo um sentido por artéria). Mais uma vez se lamenta não ter sido feita a comparação com variantes de captação de tráfego análogas (prolongamento para Alcântara, por exemplo).
As considerações anteriores aplicam-se também aos monumentos referidos, requerendo igualmente a utilização de tuneladora (em princípio a profundidade e a distancia do túnel são fatores de segurança) com monitorização contínua em obra  em exploração, e meios de injeção de cimento para estabilização permanentemente disponíveis (duvida-se que tenham sido contabilizados estes meios, mas isso só depois da entrega das propostas se saberá). O caso mais delicado será o do Chafariz da Esperança, dada a proximidade da estação Santos e a menor profundidade do túnel. Os casos da Basílica da Estrela, do MNAA e da igreja de Telheiras não parecem graves, sem prejuízo das medidas de monitorização que referi.
13 – relativamente ao Jardim da Estela, embora a profundidade da tuneladora seja grande, confesso que o problema dos lençois freáticos escapa à minha experiência e portanto eu recomendaria que os especialistas se pronunciassem, admitindo que seja necessário construir furos de alívio e de controle das águas. O TUA refere esta solução na pág.7 . No entanto, esta dificuldade é a mesma se se optasse pelo prolongamento da linha amarela para Alcântara ou Algés aproveitando o túnel existente de garagem de Rato.
14 e 15  – realmente, depois das obras recentes em Cais do Sodré, é deprimente ver a av.24 de julho novamente agredida e as alterações na linha de Cascais, nas linhas de elétrico e na circulação viária e pedonal. Na mesma perspetiva conciliatória referida para a linha em “loop”, sugere-se aqui que a ligação vinda do Rato termine em Santos e que a correspondência com a estação de Santos da linha de Cascais e com a estação de metro de Cais do Sodré seja assegurada por uma rede de passadiços elevados e cobertos. Esta solução permitiria poupar os custos do túnel de Santos a Cais do Sodré, embora a própria população não esteja recetiva por razões de segurança pessoal.
12 a 17 e 20 a 22  – como já referi, qualquer obra de metropolitano subterrâneo pode ter colisões e condicionamentos do género dos identificados no TUA. Por vezes, as medidas mitigadoras ou corretivas só podem ser definidas na fase de construção, e admite-se que em engenharia elas são possíveis. No entanto, a gravidade dessas colisões e condicionamentos e os custos associados às medidas, como parece ser o caso, podem levar à conclusão que a obra só se justifica se não houver alternativa. Ora, mais uma vez refiro que este projeto não foi comparado  com variante análogo do ponto de vista de captação do tráfego de passageiros da linha de Cascais. Este facto só por si justificaria, salvo melhor opinião, a suspensão do processo do concurso e a revisão ou substituição do plano de 2009.
Gostaria ainda de referir aqui duas incorreções técnicas que, precisamente do ponto de vista técnico, importava destacar e corrigir:
Pág.6 – as tomadas de ar (caso da entrada de ar fresco para as estações) ou de rejeição (caso da extração do ar dos meios troços) dos postos de ventilação nunca por nunca devem estar ao nível dos passeios, no primeiro caso para não captar ar poluído a injetar nas estações, e no segundo para não colocar junto dos peões o ar extraído. Este procedimento , de privilegiar um argumento estético em detrimento da saúde das pessoas deve ser formalmente combatido. Veja-se no entanto excelentes exemplos, como os ventiladores do parque de estacionamento do Observatório da droga  no Cais do Sodré, ou os ventiladores projetados para a nova estação de Arroios.
Pág.24 – lamenta-se o parecer de um contributo que aplaude o desprezo das ligações à periferia em favorecimento da centralidade , ao arrepio das orientações do PROTAML. O argumento contra as ligações pendulares à periferia cai pela base com as soluções de términos intermédios, de exploração otimizada em construção nova fazendo ligações desniveladas com as posições de inversão. É ainda falso o afirmado nesse contributo, e deveria ter sido corrigido, a frequência dos comboios do metro ao longo do dia não é constante, adapta-se ao diagrama de procura.
18 e 19 -  do meu ponto de vista, os argumentos principais contra a linha circular (observa-se que as linhas circulares têm fundamento como componentes de redes de metropolitano, mas em condições diferentes, nomeadamente com comprimento maior para melhorar as condições de reação a perturbações, e com linhas transversais em quantidade suficiente para facultar caminhos alternativos em caso de avaria), sem prejuízo dos listados na maioria dos contributos, são de natureza técnica, consubstanciados em menor taxa de fiabilidade quando comparada com as duas linhas independentes equivalentes. Considerando o indicador de avarias no metro de Lisboa de cerca de 14.000 comboios-km por avaria com afetação da exploração e as dimensões desta linha circular, chega-se à estimativa de 1 avaria por 2,5 dias, enquanto a estimativa de avarias simultâneas nas duas linhas independentes equivalentes será de 1 avaria por 25 dias. Lamentavelmente o TUA não analisa estas estimativas nem apresenta contra-argumentação. Não admira assim que a maioria dos contributos tenha sido desfavorável e que, como escreve no ponto 19, não é entendível a emissão da decisão favorável.
Gostaria de informar que precisamente para debater com a entidade responsável pela aprovação do EIA e que reputo de tecnicamente competente para esse debate das questões técnicas, enviei sucessivamente à secretaria de Estado do Ambiente e da Mobilidade desde abril a setembro de 2018 pedidos de audiência e elementos técnicos para servirem de base a esse debate. Lamentavelmente não obtive resposta, nem sequer a acusação de receção, não obstante contactos pessoais com assessores.
Este é, salvo melhor opinião, um indicador de que nenhum argumento técnico presidiu à decisão tomada, antes ela foi simplesmente imposta e justificada por argumentos de outra natureza.
23 a 25 e 26 a 30 – de facto, a lista de condicionantes não era conhecida na altura da consulta pública da generalidade dos participantes. Se o fosse, embora reconhecendo como já referi que as soluções concretas para a anulação ou mitigação das condicionantes podem surgir apenas na fase de obra, a intensidade de oposição ao projeto poderia ser maior. Esta circunstancia, mais a ausência de resposta aos argumentos técnicos contra, mais a ausência de consulta pública do plano de 2009, mais a ausência de consulta pública da decisão interna do metro de dar prioridade à linha circular, mais a ausência de um estudo verdadeiramente comparativo com variantes de captação de tráfego equivalente e que pudessem contribuir para um acréscimo de tráfego superior aos 9 milhões referidos,  são, salvo melhor opinião, suficientes para considerar como ilegalidade a decisão do TUA
31 a 43 – não tendo formação jurídica, como cidadão parece-me uma excelente fundamentação jurídica contra uma ameaça à qualidade de vida e uma manifestação de falta de respeito  para com a vontade maioritária de entidades e cidadãos  (apenas ressalvo no ponto 35 que a mudança de comboios em Campo Grande será penalizada, porque atualmente os passageiros de Odivelas para Alvalade num dos sentidos podem utilizar o cais central, e com a linha circular de Odivelas para Rato serão obrigados, em ambos os sentidos,  utilizar as escadas rolantes ou fixas; trata-se de uma incomodidade, mas as condições de segurança da estação são idênticas às da restante rede).

Terminando, e reiterando o apreço pela sua iniciativa, estou ao seu dispor, bem como dos moradores ou passageiros que se sentem prejudicados, como técnico com experiência na manutenção e projeto de redes de metropolitano, para prestar as informações técnicas que desejar, ou como apoio às ações populares que surgirem.

Com os melhores cumprimentos e votos de sucessos


segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Porque gostam tanto os decisores do projeto da linha circular? ou da hipótese do imobiliário à hipótese do rodoviário


Numa perspetiva económico-política e económico-social, vou tentar mostrar aqui porque os decisores gostam tanto da solução da linha circular como expansão prioritária do metropolitano de Lisboa.
Tomemos a argumentação do único técnico que na sessão de 17 de maio de 2017 defendeu a linha circular na Assembleia municipal de Lisboa.
A linha circular constituirá um núcleo agrupando as áreas do terciário de maior geração de emprego (e de comércio e habitação de luxo) sobre o qual se rebaterão os principais eixos de penetração da população residente nas coroas de raio superior a 10 km.
Sendo naturalmente verdade, embora isso não queira dizer que será a melhor solução no contexto atual, procuremos outras fundamentações do ponto de vista económico.
Neste momento a politica de habitação da CML  dá prioridade à valorização imobiliária nos centros de negócios (CBD – central business districts) em detrimento da densificação e recuperação do povoamento nas zonas mais afastadas do centro da cidade, e a existência de projetos imobiliários importantes ao longo do traçado da linha circular vem confirmá-lo.
Senão vejamos:

1 - terrenos da antiga feira popular na av.República
2 – novo edifício na av.Fontes Pereira de Melo, 41
3 - hospital militar da Estrela
4 - quartel dos BSB na av.D.Carlos
5 - terrenos da EDP e CML da av.24 de julho/rua D.Luis
6 - terrenos da Portugália na av.Almirante Reis
7 - terrenos na zona do Sporting/estação Campo Grande
8 - terrenos do IMT junto da av.Forças Armadas


Mas noutra perspetiva podemos interrogar-nos  porque se inclinam os decisores, nomeadamente a CML, para modos de transporte  que vão desenvolver o esquema de vários pontos de rebatimento sobre a linha circular . Explicitando, as operadoras de transporte de passageiros , quer ferroviárias quer rodoviárias, têm grande interesse em aumentar a sua quota de mercado, incluindo as zonas metropolitanas. Por razões ambientais, essas operadoras podem dar oportunidade aos setores da industria portuguesa automóvel, incluindo dos componentes de autocarros de tração elétrica,  A linha circular permitir-lhes-ia oferecer serviços nos corredores radiais (tecnologia BRT na A5, by-passando a linha de Cascais, na A8) e nas ligações transversais entre a linha de Cascais e a linha de Sintra que não são servidas por linhas de metro ou suburbanas.
Esta estratégia colide frontalmente com o desenvolvimento de uma rede de metropolitano, pesado e ligeiro (LRT) cobrindo a malha urbana e as coroas suburbanas. Nesta perspetiva, a linha circular, restringindo a influencia do metropolitano no núcleo urbano, serve a estratégia de desenvolvimento dessas operadoras.




Considerando estas duas perspetivas (projetos imobiliários ao longo da linha circular e novos modos rodoviários de transporte suburbano juntando-se aos clássicos rebatendo-se sobre a linha circular), é curioso comparar as afirmações do EIA e do TUA que fundamentaram a aprovação do projeto com o que dizia o PROTAML de 2002 sobre os transportes na AML e as suas coroas. Dir-se-ia que é caso para submeter a “fact-checking” do tipo praticado pelo site Polígrafo:
Diz o resumo não técnico do EIA na pág.2: “este projeto [da linha circular] já está previsto há vários anos, havendo orientações nesse sentido no PROTAML… aprovado em 2002”
E o TUA na pág.27: “o projeto [da linha circular] não colide com as orientações do PROTAML”
Ora, na pág.76 do PROTAML de 2002 (houve uma tentativa de alteração do PROTAML em 2008 mas que não foi aprovada e que neste ponto não alterava o de 2002) a figura 11 mostra claramente o prolongamento da linha amarela para Alcantara, sem que se vislumbre uma linha circular. Poderá até dizer-se que as atuais circunstancias justificam o prolongamento para Algés e Jamor pela Ajuda e Belém (por exemplo, a linha vermelha para Alcantara e a linha amarela para Algés e Jamor)
http://www.ccdr-lvt.pt/pt/plano-regional-de-ordenamento-do-territorio-da-area-metropolitana-de-lisboa/54.htm

Também como exemplo de divergência com os documentos anteriores temos a afirmação da direção do metropolitano que o projeto da linha circular segue o plano de 2009.
Ora, o plano de 2009 previa a estação Estrela no prolongamento da linha vermelha, a poente da basílica, e na ligação Rato-Cais do Sodré previa uma estação em S.Bento junto do parlamento, enquanto o projeto da linha circular substituiu a estação de S.Bento pela da Estrela.

Ou a afirmação do EIA e do TUA de que atualmente são precisos 2 transbordos para ir de Cais do Sodré ao eixo Marquês de Pombal-Entrecampos.
Não são. Para o Marquês basta um transbordo em Baixa Chiado da linha verde par a azul; para Saldanha também, em Alameda, da linha verde para a vermelha; Picoas está na zona de influencia de M.Pombal e de Saldanha, Campo Pequeno na de Saldanha; o acesso de Entrecampos dista 616 m do acesso de Roma, sem transbordo pela linha verde.
Também é curioso, num ambiente de dúvida que eventualmente as pessoas possam ter sobre o projeto da linha circular, avaliar o argumento que finalmente foi utilizado: deixamos tudo preparado (nomeadamente nos viadutos de Campo Grande) para, se se verificar que não foram atingidos os objetivos, voltarmos à exploração atual, linha Odivelas -Rato (depois da execução da obra prolongando-se para Cais do Sodré-Alvalade-Campo Grande-Telheiras, isto é, a chamada linha em laço, que cumpre os objetivos da linha circular , a menos de uma minoria de residentes servidos pela linha verde a norte de Alameda e que queiram ir para as estações entre Cidade Universitária e Picoas sem transbordo) . Por outras palavras, admite-se com naturalidade a inutilidade da construção dos dois novos viadutos, estimados por baixo em 18 milhões de euros.
Em resumo, perspetiva-se para a execução do projeto da linha circular  o dispêndio de mais de 200 milhões de euros (estimativa otimista considerando a complexidade da obra, especialmente na zona de Santos e Cais do Sodré) desprezando as outras zonas da cidade.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Passadeira de peões no cais do Sodré e perambulando em busca de uma solução para o metropolitano



Esta passadeira de peões liga a saída da estação do metro e uma das saídas da estação da linha de Cascais ao outro lado da avenida 24 de julho (eu desejaria, numa perspetiva de área metropolitana de transportes, poder dizer que era uma das saídas do metro, da linha verde e da linha de Cascais, mas nunca foi esse o entendimento dos decisores).




Em 1997, quando se discutiam as últimas alterações ao projeto das linhas de metro da Baixa, aproximando-se a conclusão da obra, foi proposto à câmara de Lisboa que esta ligação pedonal fosse subterrânea. Já na altura tinha sido abandonada a ideia do túnel rodoviário desde o Campo das Cebolas até aqui (o acidente de junho de 2000 apenas deu força a esta decisão, mas recordo que o túnel e a estação de Terreiro do Paço são tão profundos, é porque estava pensado um túnel rodoviário sobre o túnel do metro; isto é, gastou-se dinheiro a mais porque as decisões são tomadas fora de tempo).
Esta zona da avenida 24 de julho tinha nessa altura saído de obras de arranjo urbanistico, nomeadamente com a plantação de árvores, e o senhor vereador da CML disse que nem pensar, não queria mais obras ali. Inútil explicar-lhe que esta travessia tem graves riscos para os peões. Na altura a curva da linha de elétricos que vêm do lado nascente estava demasiado próxima da passadeira. Ignoro quantos atropelamentos têm acontecido aqui. A cultura da ocultação deste tipo de acidentes é muito forte. Ainda hoje a travessia é perigosa, até porque o período do sinal verde é longo. A senhora de cadeira de rodas e a sua acompanhante da foto estão a atravessar com o sinal vermelho. Pena os senhores vereadores da CML não se oporem agora ao terrível período de desvio da linha de Cascais e da avenida 24 de julho.
O interesse desta travessia ser feita em segurança seria a ligação pedonal rápida entre a estação de metro e a linha de elétricos para Santos, Lapa, Estrela e Campo de Ourique, na qual, sim, devia investir-se (aumento de potencia, novo material circulante, nova bitola UIC para não encarecer o material circulante, restrição de acesso e sentidos a tráfego rodoviário) em alternativa à onerosa obra da ligação de metro Rato-Cais do Sodré.
Mas, tal como o antigo vereador, os decisores sáo surdos a estes apelos.
E talvez sugiram que os cidadãos e cidadãs façam como os turistas, estendam-se nos sofás públicos do Cais do Sodré, com os cargueiros ao longe, a descarregar para as barcaças, como se fazia no século XVI:










Infelizmente, embora seja muito útil à nossa balança de pagamentos e à estatística do emprego (apesar de precário) esta euforia turistica, não posso evitar reparar no ser humano que dorme no chão, sob os olhares dos turistas, com os seus pertences num carrinho de supermercado:


Claro, o país não tem dinheiro para ter um serviço social que tratasse estes casos. Quem não tem capacidade para arranjar trabalho e habitação vive assim, não há dinheiro, claro, para equipas de assistencia social que tentassem organizar minimamente a vida e a integração deste ser humano, a sua  inclusão, como fica bem dizer-se em entrevistas ou análises na TV. Qualquer veleidade de o fazer defrontar-se-ia com as implacáveis cativações. Porque não há dinheiro, claro, embora fique a dúvida, como podem as importações continuarem superiores às exportações? será que o crescimento das vendas em Portugal de Ferraris e Jaguars está correlacionado com o aumento do emprego nas empresas de quem encomendou esses automóveis? mas claro, náo há dinheiro.

Mas voltando à ideia da ligação pedonal entre a estação de Cais do Sodré e a linha de elétrico para a Estrela e Campo de Ourique. O ideal seria ela ser elevada e integrada numa rede de passadiços fugindo ao tráfego rodoviário. Essa era aliás  a ideia da ligação aérea dos edificios da EDP à zona ribeirinha, sobre a avenida 24 de julho e a linha de Cascais. O parecer do metropolitano sobre esse projeto foi dado como favorável na condição da existencia dessa passagem aérea e sua ligação ao acesso da estação do metro. Alguém viu essa passagem?
A linha de elétricos para Campo de Ourique passa na   rua de S.Paulo, a 205m do acesso da estação do metro. Uma ligação pedonal coberta seria o ideal. Ver mapa:

        distancias dos passadiços:
est.metro CS - eletrico R.S.Paulo - 205m
est.linha Cascais de Santos - quartel bombeiros - 415m
est.metro CS (novo acesso poente; já existe ligação física subterrânea com a estação) - quartel bombeiros - 345m
rua de S.Paulo, sentido Santos

rua de S.Paulo, sentido Santos, junto da praça de S.Paulo; espaço para reservar a rua para as duas vias de elétrico com um sentido único para automóveis ligeiros, mais uma via reservada para descarga de passageiros ou mercadorias 


Poderá parecer estranha a ideia de passadiços cobertos, mas é vulgar em cidades como Hong Kong e Macau. No caso da obra de ligação do metro de Rato a Cais do Sodré, poderia servir como limitação dos danos entre a prevista estação de Santos no quartel de bombeiros e a estação de Cais do Sodré, a substituir por ligações pedonais em passadiços cobertos. Evitavam-se os inconvenientes do desvio dos comboios, autocarros e elétricos e tráfego automóvel durante os 44 meses da obra e evitavam-se os custos elevados devidos à complexidade da obra :


Hong Kong - passadiços de ligação ao terminal marítimo

Hong Kong - vista da fachada para o cais do auto-silo e do passadiço







quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Desde Valencia, uma voz lúcida




O municipio de Valencia tem 790 mil habitantes e a sua área metropolitana  1,54 milhões. 
São valores próximos  dos de Lisboa, o que vem a propósito para analisar o número de passageiros da ligação de alta velocidade a Madrid. 
Cerca de 2,5 milhões de viagens Valencia-Madrid em 2018, quota de mercado de 89% comparativamente com o avião (distancia em linha reta: 286 km) Ver  https://www.lasprovincias.es/comunitat/valenciamadrid-alcanza-record-20181228001414-ntvo.html
Uma estimativa não otimista para a ligação em alta velocidade Lisboa-Madrid daria 2,2 milhões de viagens, para 4,4 milhões por avião  (ver https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/25384/1/Nuno_Maranhao_Eco_TP_2014%5BCD%5D.pdf  ) .
Por outro lado estima-se para a ligação Lisboa-Porto 730 mil passageiros/ano por avião (ver https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/transportes/aviacao/detalhe/tap-aumenta-numero-de-voos-diarios-na-ponte-aerea-lisboa-porto--) e 1,5 milhões por Alfa pendular (ver http://webrails.tv/tv/?p=32734).
Dir-se-ia que, a menos que uma análise custos-beneficios desse resultados extremamente negativos (o que é improvável, porque a rentabilidade das ligações ferroviárias é assegurada pela complementaridade do serviço de mercadorias tanto no caso de Lisboa -Porto, com linha nova para passageiros deixando a atual linha do norte para mercadorias, regional e suburbano, como para Lisboa-Madrid, com serviço partilhado), se justifica a imediata construção das novas linhas de alta velocidade para o Porto e para Madrid. Novas linhas, não remendos, que não se fazem autoestradas aproveitando as estradas convencionais.
No entanto, considerando o anuncio do XXI governo dos investimentos para 2030, parece que os decisores estão contentes com o âmbito restrito da rede ferroviária nacional. 
Dir-se-ia antes que se sentem bem aprisionados nas suas ideias e na realidade tão distante dos padrões europeus, aprisionada também a economia do país.
Estão, além disso, empenhados em difundir a falsa imagem de uma Espanha sem bitola UIC. É verdade que a região de Mérida, Cáceres e Badajoz se queixa da falta de investimento na linha de alta velocidade com bitola UIC para Madrid, cuja obra avança lentamente. Não admira, os governos portugueses têm-se sucedido a desinteressar-se da obra, a contentar-se com remendos em bitola ibérica. Pior ainda na linha de Salamanca, apesar da posição bem definida da CIP emdefesa de linha nova Aveiro-Salamanca por Almeida. É preciso chegar a Medina del Campo (perto de Valladolid) para encontrar a bitola UIC. Mas não é verdade que a Espanha não tenha bitola UIC e não tenha planos para a expandir. Não é bonito querer enganar os eleitores.
Curiosamente, na mesma fonte de que retirei os dados de Valencia, reparei numa noticia local, desta vez sobre estratégia rodoviária:
O ministério de fomento aprovou o aumento do número de vias (carriles) da circular externa rodoviária de Valencia. São cerca de 288 milhões de euros (estimo eu que sejam 60 km). A porta voz de um partido politico aplaudiu, com os argumentos distantes das razões técnicas  que os politicos costumam utilizar para convencer os eleitores. Com palavras ocas como "melhorias funcionais, segurança viária e integração ambiental".
Mas pela voz de Monica Oltre, vice-presidente do Conselho da Generalitat Valenciana, a crítica fundamentada:
«Se tendrá que ver la sostenibilidad del proyecto porque más carriles son más atascos», dijo, poniendo como ejemplo un caso de obstrucción arterial. «Si lo que tienes es una obstrucción de venas, no haces más by-passes, sino que dejas de tener colesterol y haces dieta sana. Esto es lo mismo, si pones más coches, más carriles, tendrás más atascos porque las salidas del bypass al terminar serán las que son», advirtió.
También apuntó que «igual es necesario revisar la movilidad en este tiempo, en el siglo XXI, y el abuso que se hace de los coches» y apostó por la necesidad del Corredor Mediterráneo «para quitar transporte por carretera». Por ello, «cualquier obra pública de esta envergadura tenemos que analizarla con el paradigma de la transición ecológica y de lucha contra el cambio climático. Cuando a la luz de esto se haya analizado este proyecto, podremos tener más datos para pronunciarnos».
Lá como cá, existe uma entidade superior que tem sempre a melhor solução, mesmo que os argumentos técnicos sejam claros a demonstrar o erro.
Neste caso, é o paradoxo de Braess: quando aumentamos a capacidade duma ligação rodoviária saturada, provocamos um aumento de procura porque inicialmente melhora o escoamento e portanto a atratividade, mas em seguida atinge-se novo nível de saturação. É por isso que a solução é a transferencia para o modo ferroviário. No caso de Lisboa, os decisores têm tentado aplicar o paradoxo de Braess ao contrário: reduzindo a capacidade das vias em Lisboa, para diminuir a sua atratividade e assim reduzir o tráfego automóvel. Como compensação, oferta de serviços de bicicletas  e trotinetes elétricas. Sem melhoria da rede de metro, ou prometendo com a linha circular o que ela não pode dar, aumento da capacidade dos canais de acesso a Lisboa (aumentando a procura do interface do Cais do Sodré e, consequentemente, a sua saturação, deixando por servir a área ocidental da cidade).